Quando o âncora Dan Rather, da cadeia americana de televisão CBS, reconheceu ter usado documentos falsos no programa 60 Minutes, transmitido no inicio de setembro passado, ele alegou ter errado porque não procurou checar a autenticidade das informações junto a fontes confiáveis. A checagem é um principio básico do jornalismo, mas na internet ela se tornou muito mais do que uma rotina de trabalho.
Diariamente são criadas na web uma média de 1,5 milhão de novas páginas cuja credibilidade já não pode mais ser checada pelos métodos convencionais porque cada uma delas tomaria muitas horas para ser conferida, inviabilizando o jornalismo online.
Segundo o site de buscas Google, nada menos que 4,4 bilhões de páginas estão disponíveis na web para aqueles que navegam pela internet. E isto não inclui quase 15 bilhões documentos digitais guardados em bancos de dados protegidos por senhas, a chamada ‘web profunda’ (mais detalhes em http://www.brightplanet.com/).
A avalancha informativa na rede mundial de computadores trouxe como conseqüência uma pesquisa frenética para desenvolver mecanismos automáticos de certificação de credibilidade, sem os quais a web deixa de ser confiável – principalmente o jornalismo online e mais ainda as novas formas de circulação de notícias como chats, listas de discussão, fóruns e blogs.
Para a maioria esmagadora dos internautas, a questão da credibilidade nas informações recolhidas na internet ainda não é um dilema sem solução porque eles até agora estão impregnados pela cultura convencional, segundo a qual os veículos de comunicação tradicionais são os grandes certificadores da credibilidade.
Mas para os quase 50 milhões de pessoas em todo mundo que transformaram a web na sua fonte primária de informação, a confiabilidade passou a ser um problema primordial, porque as notícias, cada vez mais, são originadas fora dos circuitos convencionais.
Dan Rather demorou mais de 10 dias para reconhecer o seu erro por uma questão de orgulho e também porque não sabia se devia ou não confiar no grupo de internautas que desmascararam a farsa através da troca de informações feita por meio de blogs.
Banco de dados
A procura por sistemas confiáveis de certificação de credibilidade na web tem quase uma década e os últimos resultados concretos mostram que a melhor solução é quase familiar. O velho sistema de referências, hoje batizado de ‘sistema de reputação’ (mais detalhes em http://www.si.umich.edu/~presnick/papers/cacm00/reputations.pdf), está ganhando uma nova relevância justamente pelo fato de que a informática dá a ele uma eficiência e amplitude sem precedentes na história do conhecimento humano.
Qualquer um de nós, quando tem uma dúvida, consulta pessoas que consideramos confiáveis por sua honestidade ou conhecimento. O mesmo princípio está sendo usado pelos desenvolvedores de sistemas de reputação – como a dupla de cientistas Hassan Masum (Communication Research Center, Canadá) e Yi-Cheng Zhang (Universidade de Fribourg, Suíça), autores do ambicioso Manifesto pela Sociedade de Reputação (http://www.firstmonday.org/issues/issue9_7/index.html).
Sites ultraconhecidos como o mecanismo de buscas Google (http://www.google.com.br) ou a página de leilões eBay (http://www.ebay.com/) fizeram dos sistemas de reputação a base para o sucesso de seus negócios. O Google ordena os milhares de resultados para uma única consulta segundo um critério de relevância baseado no número de vezes que a página é citada como referência por outras páginas. O princípio é o de que se uma página é citada por muitos autores, ela é uma referência e portanto deve ser confiável.
Já o eBay criou um sistema para classificar a credibilidade dos participantes nos leilões, com base em informações sobre transações anteriores. Quando uma pessoa compra ou vende algo através de lances em leilões, toda a transação é registrada num banco de dados que é consultado sempre que o comprador ou vendedor participar de um novo negócio.
Correção coletiva
O jornalismo online até agora dava pouca importância à questão da credibilidade porque os veículos tradicionais garantiam a confiabilidade do material publicado online. Mas a situação está mudando rapidamente com o crescimento do chamado jornalismo participativo, no qual as pessoas comuns se transformam em produtores de informações.
O jornal coreano OhmyNews [veja matéria ‘Cada cidadão é um repórter’, remissão abaixo] é a experiência mais bem-sucedida, até agora, de uma página noticiosa online feita por quase 20 mil ‘repórteres amadores’. A certificação da credibilidade das informações dadas por estes colaboradores, quase todos desconhecidos e sem formação jornalística, é feita com base numa ficha de reputação que registra participações anteriores e no conceito de correção coletiva de erros.
O mesmo princípio é usado pela revista online Slashdot (http://slashdot.org/), considerada a melhor publicação virtual sobre novas tecnologias. A revista é feita a partir de contribuições de técnicos em computação, internet e telecomunicações. O registro de contribuições anteriores é importante para estabelecer a relevância do texto recebido, mas o fundamental mesmo para assegurar a confiabilidade de uma colaboração é a crítica coletiva.
Este procedimento é adotado também pelos sites que usam o sistema wiki para desenvolvimento de conteúdos online baseados na colaboração coletiva. A enciclopédia Wiki (http://pt.wikipedia.org/wiki/Página_principal) é um exemplo de como funciona o mecanismo de correção de erros e validação de informações num ambiente onde todos corrigem tudo.
Lenha na fogueira
Segundo o site Technorati (http://www.technorati.com/) há quase 4,4 milhões de blogs em todo o mundo, 10% dos quais estariam voltados diretamente para a circulação de notícias. É um intrigante universo de 400 mil sites com notícias online, cuja contribuição para a agenda informativa dos 300 milhões de usuários mundiais da web cresce sem parar.
A lista dos jornalistas e jornais que pagaram caro por descuidos na avaliação da credibilidade de notícias recebidas deve crescer na mesma proporção que os produtores independentes de informações passam a participar deste enorme bazar de idéias chamado opinião pública.
Esta combinação de mais notícias e menos tempo para separar o joio do trigo inevitavelmente provocará uma revisão nos procedimentos de avaliação de credibilidade. Até agora, os jornalistas trabalhavam com base em rotinas padronizadas e por regras estabelecidas por cada veículo de comunicação.
No jornalismo online passam a predominar os sistemas de reputação que partem do coletivo para certificar fontes com base no histórico individual de cada produtor de informações (participante de chat, lista de discussão, fórum, blog ou sistema wiki).
Obviamente os sistemas de reputação não são infalíveis, mas pelo menos oferecem o consolo de que será muito mais difícil errar sozinho.
Como tudo na internet, aqui também há duas faces do mesmo problema. Se por um lado haverá mais segurança contra falsificações, por outro, nossa privacidade estará ainda mais debilitada. Qualquer pessoa que participar de um chat, lista de discussão, fórum, blog, página wiki ou colaborar com alguma página web acabará entrando para um banco de dados onde todos os seus movimentos serão registrados para servir como matéria-prima para avaliação de credibilidade.
Mais lenha para a discussão sobre a nova ética online. Mas isto fica para outra oportunidade.
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Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica; e-mail (ccastilho@gmail.com)