ESPIONAGEM
Luta política cria ‘apagão’ na área de inteligência
‘A área de inteligência do governo federal chegou ao fundo do poço e passa hoje por um verdadeiro apagão. É um processo que envolve guerras políticas, invasões de competências, ineficiência, falta de comando, suspeitas de práticas de espionagens ilegais e trocas de acusações abertas entre representantes dos principais órgãos que lidam com o setor – o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a Polícia Federal e o Ministério da Defesa.
Neste mês, essa crise chegou a um nível de caos. Em menos de 30 dias, pelo menos cinco pesos pesados da área de inteligência perderam seus cargos por motivos diversos. O setembro negro da Abin serviu para o governo ter clareza, ao menos, sobre a origem dos problemas. Sob a condição de se manter anônimo, um assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva resumiu ao Estado o debate travado hoje no Planalto.
O Brasil entrou na democracia carregando a herança maldita do Serviço Nacional de Informações – o SNI do regime militar (1964-1985) que tudo ouvia e tudo via sem lei e sem controle -, e não conseguiu estruturar um serviço de inteligência que faça jus ao tamanho do País, à complexidade dos problemas e às necessidades do Estado.
‘À falta de uma política de inteligência, todos os governos, sem exceção, adotaram a ?política do fusível?. Todos tentaram escolher diretores que funcionassem como fusíveis que isolariam os problemas. Quando o problema estoura, troca-se o fusível, mas o problema é a falta de sistema elétrico, falta a política público do setor.’
O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Comissão de Segurança Pública, ressalta o fato de que o governo Lula ‘aumentou o potencial problemático da área ao escolher homens de investigação para um serviço de informação especial e inteligência, que não resistem à tentação de arrastar a Abin para o jeito policial de ser’. Ele se refere aos casos do delegado Mauro Marcelo, da Polícia Civil de São Paulo, que caiu em julho de 2005, e Paulo Lacerda, delegado de longa carreira na PF afastado da direção-geral duas semanas atrás.
Lacerda e três de seus principais auxiliares foram afastados pela suposta participação da agência em escutas clandestinas na Operação Satiagraha, da PF. Na terça-feira, o diretor-executivo da PF, Romero Menezes, número dois na hierarquia da instituição, foi preso por prática de advocacia administrativa, tráfico de influência e corrupção passiva. Libertado um dia depois, caiu da função de direção que ocupava.
Essa é apenas a ponta mais visível dos problemas do setor. Hoje, na Abin, é grande a insatisfação com o trabalho do ministro-chefe do GSI, general Jorge Armando Félix. A agência é subordinada ao órgão, mas seus agentes acham que ele não tem competência para coordenar as ações de inteligência. ‘Numa reunião, ele falou que é de Madureira, e o estilo dele é o de ir comendo pelas beiradas’, relata um agente da Abin. O general não quis responder aos comentários sobre sua administração.
Os agentes reclamam que muitos informes produzidos pela agência e de interesse estratégico do governo nem sequer são levados ao conhecimento do presidente Lula e de seus auxiliares. Na Polícia Federal também há insatisfação. Um grupo revela desconforto desde a troca de comando no fim do ano passado, com a substituição de Paulo Lacerda pelo atual diretor Luiz Fernando Corrêa.
Há três meses, a turbulência começou a provocar problemas sérios. Coordenador da Operação Satiagraha, o delegado da PF Protógenes Queirós foi retirado da condução do caso, criticado por supostos exageros. A Satiagraha teve impacto na opinião pública por conta das prisões do banqueiro Daniel Dantas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. O caso foi emblemático por exibir a corrosão interna da área de inteligência. Para a operação, Protógenes buscou auxílio na Abin de Paulo Lacerda, que comandou a PF de 2003 até 2007. A cooperação não é estranha. Fora do comum foi o modo como se deu.
Lacerda cedeu 56 agentes – volume que já seria incomum por si só. Mais atípico foi o fato de o diretor-geral da PF declarar que não tinha nenhum conhecimento dessa participação. ‘Não houve nenhuma comunicação nas instâncias superiores da polícia deste procedimento’, afirmou Corrêa no seu depoimento à Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, na quarta-feira. Lacerda afirmou na mesma audiência que a atuação dos agentes tinha sua permissão e ‘lamentou’ que o colega não soubesse do caso.’
Espiões internacionais atuam no País em busca de informações estratégicas
‘Enquanto os principais coordenadores da área de inteligência nacional batem cabeça e brigam publicamente, o Brasil vai se tornando cada vez mais vulnerável à espionagem econômica e industrial por parte de agentes internacionais. Informes da Abin já registram a presença no País de pelo menos uma dezena de espiões profissionais estrangeiros interessados em informações estratégicas na área de combustíveis alternativos, exploração de petróleo no pré-sal e avanços na área nuclear, entre outros pontos.
Agentes da Abin têm monitorado essa atividade de garimpagem de informações estratégicas, mas admitem que podem existir outros espiões não descobertos já atuando no território nacional. Na prática, o Brasil tem acordos de reciprocidade que permitem ao País ter agentes em operações no exterior, abrindo, em troca, a possibilidade que outras nações também atuem em território nacional.
Essas movimentações todas obedecem a regras diplomáticas e o Brasil possui postos hoje em áreas consideradas estratégicas. Existem postos avançados da Abin na Colômbia, na Venezuela, na Argentina e nos Estados Unidos – em Washington e Key West. O Brasil tentou fechar o mesmo tipo de acordo com Paraguai e Bolívia, mas não recebeu o aval dos dois países, que não manifestaram desejo de fazer um intercâmbio desse porte.
Fora dessa cooperação, os agentes brasileiros preocupam-se com a atuação clandestina dos arapongas estrangeiros. Existe a preocupação com o roubo de segredos tecnológicos brasileiros e até mesmo a ocorrência de sabotagens. Por conta disso, existe uma corrente crescente dentro da Abin que defende até a aprovação da permissão de escutas telefônicas para casos específicos de proteção dos interesses nacionais.’
HUFFINGTON POST
Arianna criou o blog político mais influente dos EUA
‘Arianna Huffington lançou em 2005 o blog ‘The Huffington Post’ como resposta da esquerda ao blog conservador ‘Drudge Report’. Hoje, seu blog é o mais lido e comentado pela elite política dos EUA. Nascida na Grécia, Arianna herdou o sobrenome do agora ex-marido, o milionário Michael Huffington, e passou por uma radical transformação – de socialite e conservadora renhida para liberal.’
ATENTADO
Edifício foi base para jornalistas durante guerra
‘O Marriott, mais luxuoso hotel de Islamabad, serviu de base para os principais veículos de comunicação do planeta após os ataques de 11 de setembro de 2001 e a posterior ofensiva militar lançada pelos EUA ao vizinho Afeganistão. Redes de TV, como as americanas CNN, ABC e NBC, e a britânica BBC, locaram posições no telhado do edifício para a emissão de seus boletins. Na época, o ‘Estado’ também utilizou as instalações do hotel.
Os clientes mais freqüentes são estrangeiros que visitam áreas seguras da Caxemira. Os restaurantes do lobby oferecem comida ocidental e, no subsolo, um clube noturno só para estrageiros é praticamente o único local de Islamabad no qual é possível consumir bebidas alcoólicas de modo legal – para a irritação de grupos radicais islâmicos. Barreiras de concreto impedem a aproximação de veículos antes de uma minuciosa revista e todos os hóspedes são obrigados a passar por detectores de metal. No ano passado, a vigilância impediu que um terrorista suicida tivesse acesso ao lobby.’
Reuters e AFP
Atentado em hotel mata 60 no Paquistão
‘Uma caminhão-bomba explodiu ontem diante do luxuoso hotel da rede americana Marriott – uma das mais bem vigiadas instalações particulares da capital do Paquistão, Islamabad – deixando pelo menos 60 mortos, segundo a agência France Presse, citando fontes hospitalares. A agência Reuters informou que a polícia local confirmou a morte de 40 pessoas. O número de feridos se aproxima de 200 e, até ontem à noite, policiais e bombeiros ainda buscavam por desaparecidos entre os seis andares do edifício em chamas, que estava em risco de desabar. Para fugir do fogo, algumas vítimas se jogaram das janelas do hotel.
Embaixadas em Islamabad informaram que entre os desaparecidos estavam cidadãos americanos, alemães, dinamarqueses e sauditas. A força da explosão quebrou vidros de prédios localizados no raio de um quilômetro do hotel. Segundo testemunhas, o caminhão-bomba era inspecionado na barreira de segurança do hotel, a dezenas de metros do edifício, quando o motorista suicida detonou a carga – após um cão farejador ter detectado a presença de explosivos.
‘O Marriott é um ícone. É como se fosse o World Trade Center do Paquistão, um lugar simbólico de Islamabad’, disse a The New York Times o funcionário do governo Abdullah Riar. Nenhum grupo assumiu imediatamente a autoria do ataque.
A Casa Branca condenou o atentado e reiterou o apoio ao governo do Paquistão no combate ao terrorismo. Pouco antes da explosão, o presidente do Paquistão, Asif Ali Zardari, anunciou que não toleraria mais invasões de seu território em nome da luta contra o terror, em clara referência às incursões do Exército americano no noroeste do país.’
TECNOLOGIA
Supercomputador revoluciona a meteorologia
‘A cada noite, milhões de brasileiros vêem na TV a previsão do tempo, com as imagens virtuais do globo terrestre, o mapa do Brasil em destaque, temperaturas máximas e mínimas, áreas de alta pressão, frentes frias, direção dos ventos, tudo com animação e simulação de deslocamento de nuvens. A importância dessas informações ultrapassa largamente a sofisticação de suas imagens, por seu valor para a agropecuária, para a indústria, para as empresas de transporte e para o dia-a-dia de cada um. A rigor, não há nada mais próximo do ser humano que a atmosfera que o envolve, 24 horas por dia, sete dias por semana.
A maioria das pessoas, contudo, não tem idéia da sofisticação tecnológica e dos recursos humanos que estão por trás de uma previsão do tempo. Nem do expressivo avanço da meteorologia e da climatologia no Brasil nos últimos anos.
A confiabilidade das previsões do tempo depende hoje do trabalho de centenas de cientistas no Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), departamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com sede em São José dos Campos. Nesse centro, trabalham alguns dos mais experientes especialistas da América Latina em Meteorologia, Climatologia e Espaço.
Esses pesquisadores contam com os recursos tecnológicos mais avançados, que incluem modelos matemáticos processados em supercomputador, softwares avançados, dados de todo o planeta e milhares fotos feitas por satélites meteorológicos.
O resultado são previsões cuja confiabilidade está bem próxima das melhores previsões feitas pelas nações mais desenvolvidas. O Brasil dispõe hoje de previsões com confiabilidade próxima de 95% para o período de 48 horas.
Segmentos especiais da população já contam com previsões para uma semana, 30 dias, seis meses e até mesmo um ano. É claro que, à medida que crescem os prazos, reduz-se confiabilidade das previsões – mas elas sempre poderão servir de orientação como tendência.
MAIS QUE PREVISÃO
Além da previsão do tempo, o Inpe cuida da vigilância sobre as queimadas, da identificação da qualidade do ar e da formulação de cenários climáticos. Com modelos matemáticos sempre mais sofisticados, os pesquisadores identificam literalmente todos os focos de queimadas do País, a partir dos satélites, sejam na Amazônia, no Nordeste ou nos canaviais do interior de São Paulo.
O Inpe faz também a análise dos compostos químicos das queimadas e de sua combinação com outros poluentes das regiões metropolitanas, podendo, assim, prever até as conseqüências negativas dessas substâncias para a saúde humana.
Outra área de atividade científica de grande importância é a elaboração de cenários climáticos por períodos que podem chegar até o ano 2300.
Hoje, esses cenários de muito longo prazo cobrem apenas a América do Sul.
O EARTH SIMULATOR
O Inpe precisa de um novo supercomputador, com capacidade de processamento de 50 a 60 vezes superior ao atual Earth Simulator, para avançar em seus projetos e elaborar cenários globais de longo prazo.
A aquisição será feita em concorrência internacional com recursos já aprovados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), da ordem de R$ 50 milhões. Com o novo supercomputador, será possível ampliar o alcance das pesquisas, fazer a integração dos dados meteorológicos em âmbito mundial e acompanhar os eventos ligados às mudanças climáticas e ao aquecimento global. Mais ainda: com a nova supermáquina, o instituto poderá elaborar estudos e simulações de toda a Terra e identificar com razoável precisão os fatores que interferem no clima.
‘Atualmente – diz o pesquisador Carlos Nobre, do Inpe – o supercomputador Earth Simulator é utilizado predominantemente em previsão do tempo, com modelos matemáticos da atmosfera. As previsões utilizáveis podem cobrir até 7 dias. O CPTEC já faz previsões com até 15 dias de antecedência, mas elas ainda não alcançam os melhores níveis de confiabilidade. Outras simulações entre o oceano e a atmosfera, feitas desde 1995, podem dar uma noção bastante precisa do clima nos próximos 6 meses. São essas simulações que têm permitido ao Inpe fazer previsões sobre secas no Nordeste ou na Amazônia, com muito sucesso. Na área de tendências climáticas, o Inpe usa os mesmos métodos internacionais avançados e obtém resultados equivalentes aos dos países mais avançados, como Estados Unidos, Japão e da Europa.’
Esses cenários de longo prazo mostrarão com muito maior precisão as tendências meteorológicas, não apenas para os próximos meses ou anos, mas até para as próximas décadas ou para o ano 2300.
O Inpe tem 45 anos de existência. Nascido em 1963, com o nome de Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CNAE), o instituto tem sido responsável pela criação e ampliação constante da competência brasileira, hoje comparável à de muitos países desenvolvidos, nas áreas de meteorologia, climatologia, satélites científicos e sensoriamento remoto, entre outras.’
FORA DE MODA
Estão pensando que eu sou bobo
‘Esta vida é um rude golpe atrás do outro. A gente pensa que conseguiu algum tempo de sossego e aí lá vem perturbação no juízo. E confesso a vocês que não esperava a revelação que me fizeram de chofre e sem misericórdia, na semana que passou. Dirão talvez muitos entre vocês que isto mostra como ando alienado, pois o que me contaram não devia ser surpresa para ninguém, muito menos para mim. Mas talvez alguma defesa inconsciente me viesse bloqueando a visão durante todo este tempo. Terei sido, ai de mim, o pior dos cegos, aquele que não quer ver.
O que me disseram foi ainda mais cruel, por simples e certeiro: ‘Você está fora da moda.’ Convenhamos que o sujeito ainda mal desperto, com uma certa ressaca do café da manhã e a perspectiva de mais um dia enfarruscado e frio, ouvir uma dessas é nocauteante. Como, eu estava fora da moda? Estava, estava. Estava, não; está. Já deu no jornal, já é conversa quase unânime, vai entrar para o politicamente correto em breve. Fazer oposição não está com nada mesmo, está inequívoca, inegável e ridiculamente fora da moda.
Creio haver saído cambaleante, em direção aqui ao escritório. Sim, sim, aquelas palavras ricocheteavam pelas paredes, ziguezagueavam pelo oco que parecia ser meu crânio. Podia esperar de tudo, até mesmo que o Bahia contratasse a Marta e a Cristiane e ganhasse o Brasileirão, mas isso era demais. Eu, um sujeito tão esforçado, que faz questão de cumprir sua obrigação com o maior empenho possível, estava assim fora da moda, um rebotalho, um fósforo queimado atirado no chão, como no samba-canção que Ângela Maria cantava?
Pois é, inútil tapar o sol com uma peneira. Agora que o fim está próximo, acho que posso abrir o peito com vocês sem reservas. Durante toda a minha vida, desde o menino tímido de calças curtas e óculos redondos até o – como direi? – estranho senhor que ora escreve para um público talvez demasiado indulgente, meu sonho sempre foi estar na moda. Ser chique, então, nem se fala, sempre foi tudo o que secretamente quis.
Sentei-me, o travo amargo da desilusão e da derrota na boca, o teclado agora me parecendo um traste transmissor de bobagens para o computador, a vida um deserto sem sentido. Avaliei deprimidamente o passado. Com todo o cuidado, fiz a coisa certa, ou o que fazem os ineptos e malfadados do meu quilate. Procurei para onde ia o barco dos bem-pensantes e dos que ficam na moda, embiquei o meu também para lá, na mais pura obediência a meus interesses pessoais, querendo – meu Deus, será tão grave pecado assim? – desesperadamente entrar na moda ou ficar nela. E tive a paga dos vilões de novela, agora num mato sem cachorro, sem poder abrir o bico, para não ser vaiado, esnobado ou expulso da mesa do boteco. Isto para não falar nos que clamam por ostracismo ou exigem degredo. Acho que nem de escuta telefônica tenho mais que ter medo, nadir da degradação e da decadência, no Brasil.
Mas ainda tenho meus trunfos na manga. Se cair, caio de pé, o que não sei bem como se faz, mas já ouvi gente dizendo, de maneira que deve estar certo. E espero ser chique também, não esquecer que quero muito ser chique. E, assim, já estudo projetos para não fazer oposição. Acho algumas idéias um pouco exageradas, tais como a que me deu uma ex-fã (foi assim mesmo que ela assinou o e-mail), segundo a qual eu deveria subir a pé até o Redentor e de lá cantar ‘Errei, sim’ o domingo inteiro. A caminhada até Brasília, para exibir ao público o cartaz ‘Perdão, Brasil’, logo antes de beijar os pés do presidente, se ele deixar, também me pareceu um pouco forçada.
Não, creio que há caminhos mais simples e mais eficazes. Escrevo um livro com um título singelo como Memórias de Um Carreirista. Não será difícil, porque até nisso, sem eu perceber e muito menos agradecer, ele já vinha me ajudando. Porque meu modelo, mesmo fisicamente inexistente como livro, seria o volume que ele talvez pudesse escrever, com a diferença de que ele deu certo e que o título dele seria Memórias de Um Pelego. No meu, contarei toda a minha luta inglória para estar na moda, inclusive durante o governo Fernando Henrique, do qual também burramente falei mal.
Será que ele me perdoa? Podia perguntar ‘eles’, me referindo ao PT, mas não tem mais PT. Será que encontrará lugar, em seu grande coração, de me dizer qualquer coisa tal como ‘Sim, te acolho e te perdôo, porque viste a Verdade e não é dado a quem encarna a Verdade negar o perdão a quem A reconhece’. E, mais tarde, que me mande falar ‘vem, meu filho, que te darei o que dou a todo o meu rebanho: queres uns dois Bolsas Famílias ou um emprego num dos muitos lugares que reservo e crio todo dia, a fim de abrigar minhas ovelhas desgarradas?’.
Sei que meus desafetos já previam o meu fim. Mas não contavam com a minha astúcia. Tão certo como, lá caladinhos e metendo a mão num rico faturamentozinho, estão secando o Rio São Francisco; tão certo como roubaram, roubam e roubarão no e do governo e ninguém vai preso; tão certo quanto vivemos bem e à tripa forra, principalmente em matéria de educação, saúde e segurança; tão certo como agora, com o Pré-Sal, vamos ter dinheiro até para comprar os Estados Unidos inteiros, se eles começarem a incomodar demais; tão certo quanto estou achando esse governo a solidificação de uma ditadura galhofeira dos poderosos de sempre, sobre a mesma massa ovina. Tão certo quanto tudo isso e muito mais, podem ter certeza de que voltarei triunfalmente à moda. Aderi. Oposição, meu caro amigo, minha encantadora amiga, vão procurar num lugar fora da moda por aí. Poderei ter de mentir um pouco, mas estarei na moda. Aliás, mentir também está, não está?’
LIVROS
O cinema dos surrealistas, a imagem da transgressão
‘O Olhar Selvagem – O Cinema dos Surrealistas
Algol, 128 págs., R$ 140
O jornalista Sérgio Lima concebeu a estrutura de O Olhar Selvagem – O Cinema dos Surrealistas de modo a possibilitar um aprendizado prévio ao olhar. Antes dos textos em que debate as inovações e possibilidades estéticas dos surrealistas, o autor organizou uma seção com várias imagens dos filmes, que não levam legendas. A intenção é que o leitor tome consciência do caráter fundador da imagem para os surrealistas. ‘Em geral, a imagem tem sido considerada como um dado ultrapassado ou esvaziado de qualquer sentido’, escreve Sérgio Lima para afirmar em seguida que a discussão sobre a imagem é um tema central, à qual são convocados, entre outros, os diretores Luis Buñuel e F.W. Murnau.’
Moacir Amâncio
Palavra escrita que pára o tempo e impõe a reflexão
‘Ao contrário de outros escritores mais novos, Flávio Izhaki, em De Cabeça Baixa (Guarda-Chuva, 186 págs., R$ 23,90), não faz espalhafato. Sua personagem central, um jovem romancista, permanece longe da internet e de tudo o mais, mesmo quando tenta fazer parte. Não se trata de um marginal ou semi. É só um sujeito obcecado por uma questão antiga, que permeia a literatura de todos os tempos: a distância entre a palavra e o que ela determina.
Como lidar com a vida e com as palavras, haverá uma distância necessária entre elas? Se não houver, idéia vertiginosamente bíblica, então procedem todas as preocupações de Felipe, o escritor que perambula pelo Rio e Curitiba. A personagem parece estar convicta dessa desconfiança: a persistência com que se dedica à busca da compreensão do sentido de um livro que publicou e teve uma só crítica justifica a hipótese. O suspense da narrativa é construído em torno da obsessão, nada de espetacular no final do livro.
Sua busca difusa encontra um fio – bem roto – num sebo de Curitiba, onde Felipe acha o volume que pertencera a uma tal de Ana Maria. No livro há a dedicatória e anotações pelas margens. Ele não sossega até encontrar a moça, uma criatura de palavras que utilizaria o romance dele para sua própria ficção. Não falam muito, não há lugar para oralidades expansivas. Tudo se resume ao texto.
A narrativa é construída com frases simples, o que pode confundir despojamento com banalidade. Aí está refletido o esforço do romancista no sentido de captar o que resta das relações sociais, da própria vida das pessoas, que no final das contas acaba se resumindo a alguns detalhes só percebidos através da palavra escrita, que pára o tempo e impõe a reflexão. As coisas acontecem com lentidão, contrariando a ansiedade da personagem – a narrativa se torna tensa. Felipe tende a superdimensionar tudo.
A cena em que as páginas escritas por Ana Maria se espalham no piso imundo de um restaurante torna-se a síntese de todo o romance. O garçom o ajuda a recolher o material, enquanto o bife à Osvaldo Aranha esfria no prato. Aí está, alimentos e palavras como parte de uma mesma realidade chapada, cotidiana e, antes de tudo, muito duvidosa. Dúvida que saudavelmente envenena suas relações reais e imaginárias com o mundo e a cultura. A frustração com a crítica sobre o livro manda o personagem para escanteio, no fundo a melhor posição para ver o jogo – dentro do campo e ao mesmo tempo fora. A partir desse ponto de vista ambíguo se desenrola a narrativa, como uma proposta de reflexão em surdina sobre a lição eclesiástica. Felipe pode ter inventado Ana Maria como ter sido inventado por ela. Este é o primeiro romance de Izhaki, jornalista nascido no Rio, em 1979.
Moacir Amâncio é autor de Ata (Record)’
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