O Supremo Tribunal Federal (STF) deve voltar a julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, que pede a extinção da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), em 29 de abril. O julgamento da ação, formulada pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), começou em 1º de abril, com a apresentação do voto do ministro relator, Carlos Ayres Britto.
Ayres Britto, ao apresentar seu voto, posicionou-se pelo acolhimento integral da ADPF. O ministro, na época, afirmou que a imprensa é uma atividade, ‘uma diferenciada forma do agir e do fazer humano’. Durante o extenso voto, de mais de 100 páginas, o ministro comentou que todas as questões da Lei de Imprensa já estão contempladas na Constituição Federal. Além disso, ele acrescentou que a carta magna proíbe expressamente a censura e garante a liberdade de expressão. Ele foi acompanhado pelo ministro Eros Grau, que adiantou seu voto.
Já o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 511961, elaborado pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) e pelo Ministério Público Federal (MPF), ainda não tem data para ocorrer. Também marcado inicialmente para 1º de abril, sua análise ainda não começou e acabou saindo da pauta do STF. A peça jurídica pede a extinção da obrigatoriedade do diploma em jornalismo para exercer a função de jornalista. (Mário Coelho # reproduzido do Congresso em Foco, 15/4/2009)
O Supremo Tribunal Federal adiou para 22 de abril a retomada do julgamento da Lei de Imprensa. A seguir, uma entrevista com Paula Martins, diretora para o Brasil da ONG Artigo 19, que luta pelo direito de acesso à informação pública.
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Como vocês vêem que a legislação brasileira afeta os direitos humanos, especialmente o direito ao amplo acesso à informação?
Paula Martins – Nós verificamos que várias pessoas, que estavam comentando sobre questões de essencial interesse público, estavam sendo limitadas na sua liberdade de expressão pela Lei de Imprensa. Verificamos casos em que pessoas tinham sido inclusive processadas criminalmente pela denúncia de irregularidades, pela denúncia de corrupção. E foi então que nos envolvemos no questionamento de uso abusivo da legislação de imprensa, que já é toda feita em cima de uma lógica autoritária e que tem se servido ao uso abusivo em casos concretos.
Há casos de abusos da própria imprensa. Como assegurar o direito a ambos os lados?
P.M. – Sim, esse é um ponto essencial. Nós acreditamos que existem alguns casos em que ocorrem desvios, e que esses casos devem ser inclusive levados ao Judiciário e que deve existir a responsabilização. Mas a responsabilização no âmbito civil é suficiente. A aplicação da legislação criminal é que nós entendemos que seja abusiva e, dentro das próprias disposições da Constituição, a questão da indenização e o direito de resposta seriam suficientes para resolver essas situações de abuso.
Quais são os pontos da Lei de Imprensa que vocês acham que devem ser suprimidos ou alterados?
P.M. – Nós focamos nossa intervenção em relação à Lei de Imprensa exatamente quanto aos artigos que criminalizam, no nosso ver, o exercício de um direito monofundamental; então, aqueles que rezam sobre a calúnia, a injúria e a difamação, inclusive trazendo penas superiores ao restante da legislação. E, também, questionamos alguns artigos que relegavam, como eu disse, a legislação criada dentro de uma lógica bastante autoritária – e ela tem alguns dispositivos que trazem uma proteção maior para pessoas públicas, em especial servidores públicos. Nós também questionamos esses artigos, que eram artigos que traziam penas maiores para crimes contra funcionários públicos e também um artigo muito preocupante, que é um artigo que negava a defesa da verdade no caso de processos envolvendo autoridades como o presidente da República. Se eu alegar que o presidente da República praticou algum ato, ainda que eu consiga provar depois que isso realmente é verdade, isso não seria uma defesa dentro do processo criminal e eu poderia, de qualquer forma, ser condenado dentro desse processo, simplesmente por ter ofendido os sentimentos dessas autoridades.
Independente da validade da denúncia ou da comprovação da denúncia?
P.M. – Exatamente. Isso é o principal. Independente da veracidade dos fatos, não serviria para mim dentro do processo e eu poderia ser condenada por a pessoa ter se sentido ofendida, apesar da verdade dos fatos.
Há muitos casos registrados, inclusive o Observatório da Imprensa tem publicado, sobre esse acontecimento até em comarcas. Jornalistas de pequenos órgãos de informação ou de emissoras de rádio do interior são condenados e até presos por colocar em dúvida, por exemplo, o funcionamento da cadeia local.
P.M. – Exatamente. Nós acompanhamos um caso específico, de uma professora aposentada que atuava através de um jornalzinho de 200 exemplares. Ela questionou as condições na cadeia pública, no sistema penitenciário ali, no âmbito local, e o juiz que então era responsável pelo setor penitenciário se sentiu ofendido, apesar de ele nunca ter sido mencionado no jornalzinho. Ela foi processada criminalmente e condenada a 4 meses de detenção. A pena foi convertida em serviços, mas independente disso agora ela tem uma condenação criminal em seu registro. Isso tem um impacto tremendo e a gente acha que é isso que acaba limitando o livre fluxo de informações e inibe as pessoas a fazerem comentários críticos, o que é essencial em uma democracia.
E como, na opinião de vocês, a imprensa está cobrindo essa questão? Parece que a imprensa anda confundindo liberdade de expressão com liberdade de imprensa.
P.M. – Acho que com isso nós voltamos um pouco à sua primeira pergunta. Às vezes a liberdade de expressão tem sido equiparada à liberdade de imprensa. O papel da imprensa é essencial em um sistema democrático, nós sabemos da importância da mídia para ampliar o alcance de diversas discussões de interesse público, discussões envolvendo questões de direitos humanos. No entanto, existe o ponto de vista da liberdade de expressão como um direito humano fundamental do cidadão. E a questão do impacto que a Lei de Imprensa tem sobre indivíduos tem passado um pouco ao largo dos debates sobre a revisão da Lei. Isso mostra a visão que queremos trazer para os debates dessa legislação.
Vocês colocam dentro desse contexto a questão da propriedade dos meios de comunicação? E mais especificamente a propriedade de meios de comunicação na mão de congressistas e políticos em geral?
P.M. – Sim, certamente. É exatamente esse o centro da questão. Entendemos a liberdade de expressão como direito monofundamental, não a liberdade de imprensa. Nesse sentido, a mídia deve ser plural, diversa, do contrário você não está respeitando a liberdade de expressão. Em um contexto em que você tem uma alta concentração da mídia, em que tem a mídia sendo utilizada para benefício de campanhas político-partidárias muito pessoais, você corrompeu a lógica do que é o direito à liberdade de expressão – e não é essa a liberdade de expressão que a gente quer defender. Com certeza, esses outros aspectos são temas que têm que ser trazidos para o debate e fazendo, sim, a necessária diferenciação entre o direito humano à liberdade de expressão e a liberdade de imprensa – que, apesar da sua importância, existem alguns limites que devem ser questionados. Como se fazer? Como se regulamentar? Como ter uma legislação para o setor que garanta, não só a liberdade de imprensa, mas também a liberdade de expressão do cidadão brasileiro?
Para terminar, como a organização Artigo 19 atua no Brasil?
P.M. – A Artigo 19 ela tem o nome em homenagem ao artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, exatamente o artigo que protege a liberdade de expressão e de informação. A Artigo 19 trabalha já há 20 anos em diversos países ao redor do mundo e no Brasil tem um escritório desde 2007. Originalmente nós trabalhamos no Brasil o tema acesso à informação pública, ou seja, questões ligadas a transparência, boa governança; e um segundo projeto, a partir do final de 2007, foi criado para trabalhar a liberdade de expressão. Dentro desse projeto é que temos trabalhado questões relacionadas à Lei de Imprensa, radiodifusão e rádios comunitárias.