Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalistas brasileiros atuam em um contexto de alto risco

ABr Unesco ressalta que o Brasil ocupa o sexto lugar no ranking de nações mais perigosas para jornalistas.
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil).

Publicado originalmente por objETHOS.

Para resolver um problema, precisamos reconhecê-lo como um problema. Essa é uma máxima constantemente repetida; no entanto, verídica quando tratamos da segurança, integridade física e psicológica dos jornalistas brasileiros. Tanto nas redações quanto no ambiente digital, os jornalistas estão expostos a riscos regulares e iminentes. A dimensão dos problemas contextuais e ambientais impostos ao ecossistema jornalístico no Brasil atual é um fato contundente e avassalador.

Conforme a Unesco, o Brasil é o sexto país mais perigoso para o exercício da atividade jornalística no mundo. Um relatório divulgado recentemente se debruça sobre o assassinato de jornalistas, que é a forma mais definitiva de censura. “No entanto, é apenas a ponta do iceberg dos ataques contra jornalistas, que vão desde ataques físicos não letais, sequestros, detenções ilegais, ameaças, assédio online e offline, até retaliações a membros da família” (p. 1). Em abril de 2019, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) apresentou dados específicos do Brasil sobre assassinatos decorrentes do exercício do jornalismo no período de 1995 a 2018. “A situação brasileira é preocupante e revela um cenário sistemático. O país soma sessenta e quatro episódios de homicídios desses agentes desde 1995, praticados em todas as cinco regiões” (p. 3).

Informações apresentadas recentemente pela Repórteres sem Fronteiras (RSF) indicam “um período sombrio que se anuncia” diante da quantidade assustadora de ameaças, agressões e assassinatos que afetam frontalmente os jornalistas que atuam no país, um dos mais violentos da América Latina para quem exerce esse ofício. De acordo com a RSF, em 2018 ao menos quatro jornalistas foram assassinados no país em decorrência da sua atividade e, na maioria dos casos, os profissionais mortos cobriam e investigavam temas sensíveis ligados a corrupção, políticas públicas e crime organizado, particularmente em cidades de pequeno e médio porte. Os dados estão alinhados aos 156 ataques digitais e físicos a jornalistas registrados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) em 2018.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) ratifica o diagnóstico ameaçador no relatório Violência contra jornalistas e liberdade de imprensa no Brasil (2018), que informa que a violência contra jornalistas no Brasil voltou a crescer em 2018, sendo que o número de agressões chegou a 135, atingindo 227 jornalistas, visto que em muitos casos mais de um profissional foi atingido. O relatório Violações à liberdade de expressão (2018), divulgado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) demonstra preocupação com o panorama do jornalismo no Brasil. “Em todo o mundo, a tarefa de informar se transformou em risco de morte e os jornalistas continuam sendo tratados como alvos. No Brasil, não é diferente” (p. 9).

Em seu sexto relatório sobre liberdade de expressão no Brasil (Violação à liberdade de expressão – 2017), a Artigo 19 destaca o cenário de hostilidade e ataques a comunicadores de uma forma geral que busca impedir a efetivação da liberdade de expressão e do direito à informação no país. “Isso se configura de maneira ainda mais intensa em um ambiente de comunicação como o brasileiro, marcado por um grande ‘deserto de notícias’, em que mais de um terço da população vive em cidades sem nenhum jornal impresso ou online local” (p. 6). A desinformação e as diversas formas de violência praticadas contra jornalistas afeta a democracia e a liberdade de maneira contundente e significativa.

Por uma consciência de riscos para jornalistas

O dia 3 de maio foi marcado pela celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, proclamado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1993, em seguimento à aprovação em sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), realizada em 1991. O dia é marcado pela defesa da mídia de ataques contra a sua independência e presta tributo aos jornalistas que perderam a vida no exercício de sua profissão. Também é uma ocasião singular para refletir sobre as tentativas de censura e cerceamento da liberdade jornalística por meio de perseguições, ataques e assassinatos no Brasil.

Em mensagem, a diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay, enalteceu a dimensão dos ataques aos jornalistas. “A impunidade por crimes cometidos contra jornalistas é uma ameaça que afeta todas as nossas sociedades. Essa ameaça exige de nós um constante estado de vigilância. Devemos agir de forma conjunta para proteger a liberdade de expressão e a segurança dos jornalistas”. A transição que envolve a transformação de situações corriqueiras em problemas significativos está no olhar que lançamos sobre contextos e fatos.

Em muitas ocasiões, essa mudança de perspectiva é perpassada por uma decisão. Essa decisão envolve elementos que vão além do comprometimento com a transmissão de informações de maneira íntegra e profissional. Ela precisa ser balizada por elementos de contextualização histórica e condições de atuação que, em última análise, impõem riscos severos aos jornalistas. A clareza deste panorama destrutivo não está diretamente associada ao convencimento dos profissionais, não importa dizer qual a perspectiva retórica mais acertada, mas sim apresentar possibilidade de ampliação de entendimentos a partir do conhecimento de dados tangenciados por formas de apuração e verificação.

As formas de opressão envolvem métodos violentos e refinados que estruturam um modo operatório repressivo ampliado pelas novas tecnologias. Os ataques aos jornalistas estão relacionados a tentativas de controle social ardilosas que podem corroer instituições democráticas e dar aos detentores de poder econômico e político um nocivo grau de manipulação dos fatos sociais, pois em inúmeras ocasiões a falta de densidade informativa é proposital e estratégica.

A mediocridade e a ignorância que privilegiam tudo o que é raso e torpe não podem nortear discussões sociais relevantes. Opiniões pessoais e a resignação diante da incompreensão das zonas de risco impostas aos jornalistas são subterfúgios acessíveis. Esconder, negligenciar e subestimar são características que envolvem os riscos cotidianos enfrentados por jornalistas regularmente, particularmente em abordagens de temas sensíveis.

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Referências

ABERT, Violações à liberdade de expressão, 2018. Disponível em: https://www.abert.org.br/web/images/Biblioteca/Liberdade/abert_relatorio_anual_2018_final_web.pdf.

ARTIGO 19, Violação à liberdade de expressão, 2017. Disponível em: https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2018/05/Viola%C3%A7%C3%B5es-%C3%A0-Liberdade-de-Express%C3%A3o-2017_.pdf.

CNMP, Violência contra comunicadores no Brasil: um retrato da apuração nos últimos 20 anos, 2019. Disponível em: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2019/Violencia-contra-comunicadores-no-Brasil-VERSAO-FINAL-.pdf.

FENAJ, Violência contra jornalistas e liberdade de imprensa no Brasi, 2018. Disponível em: http://fenaj.org.br/wp-content/uploads/2019/01/relatorio_fenaj_2018.pdf.

UNESCO, Punir o crime, não a verdade: destaques do relatório de 2018 da Diretora-Geral da UNESCO sobre a segurança dos jornalistas e o perigo da impunidade, 2019. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000266151_por.

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Ricardo José Torres é doutorando em Jornalismo no PPGJOR e pesquisador do objETHOS.