Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O governo Bolsonaro morre pela boca

Publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.

No dia 15, os estudantes, professores e funcionários das universidades e instituto federais ocuparam as ruas reclamando contra o corte de verbas do governo federal. (Foto: arquivo pessoal).

Nas conversas entre os repórteres, é comum aparecer o relato sobre um tipo de entrevistado para o qual corremos nas ocasiões em que os noticiários estão pobres de manchetes: a fonte que não tem freio na língua e diz o que pensa, sem se preocupar com a repercussão que suas palavras causam, devido ao posto que ocupa no governo. Todo governo, seja municipal, estadual ou federal, tem em suas fileiras esse personagem. Mas jamais tinha visto, em 40 anos de profissão de repórter, um governo como é o do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ), com tamanha abundância desse tipo de personagem. Não por outro motivo que se fala nas redações que o governo federal “morre pela boca” e que ele não precisa de oposição para dificultar a sua vida. Ele se complica por conta própria.

O fato mais recente. Os números não foram comparados. Mas, pelo que foi noticiado, o número de pessoas protestando contra o contingenciamento de verbas para as universidades e institutos federais foi igual ou superior ao dos protestos de 2013, que ficaram conhecidos como Manifestações dos 20 centavos. Até então, a oposição não tinha conseguido reunir mais de algumas dezenas de pessoas protestando contra o governo Bolsonaro. Os três últimos presidentes da República fizeram contingenciamento de verbas para o ensino. O que houve de diferente no caso do Bolsonaro? A história é conhecida. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que três universidades federais terão cortes em suas verbas devido a balbúrdias. A declaração do ministro foi interpretada como uma retaliação ideológica.

As declarações sobre a balbúrdia teriam sido um balão de ensaio para sentir o pulso da opinião pública sobre o que estava para vir? Se foram, nunca vai se saber. O fato é que, logo que foi anunciado que haveria contingenciamento de verbas para todas as universidades e em todos os institutos federais, de imediato o contingenciamento tornou-se sinônimo de corte e as ruas se inundaram de protestos. No auge dos protestos, Bolsonaro chama os manifestantes de “idiotas, inúteis e massa de manobra”. Foi a cereja do bolo. Weintraub substitui no cargo o ex-ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, que era um “desastrado”. Weintraub é o que nós, repórteres, descrevemos como “boca de conflito”: tudo o que ele diz vira confusão.

Citei esse fato recente. Mas há dezenas de outros fatos – todos disponíveis na internet – de pessoas do primeiro escalão do governo falando bobagens que viraram manchetes nos noticiários. Incluindo o próprio presidente e os seus filhos. Passados os primeiros quatro meses do governo Bolsonaro, eu entendo o desespero dos colegas americanos, logo no início da administração do presidente Donald Trump. Lembro que, na ocasião, falei com um velho repórter, que conheci nos anos 1980 e que hoje trabalha em Washington cobrindo Trump. Ele o definiu em uma única palavra: “louco”. Entendi a dimensão do que ele falou quando li o livro de Michael Wolf chamado Fogo e Fúria.

No Brasil, em uma leitura nos conteúdos de todos os noticiários e nos comentários dos principais comentaristas políticos do país, fica claro que nós, jornalistas, ainda não conseguimos entender o governo Bolsonaro. Vejamos: tudo o que o governo toca vira confusão. No início, avaliamos que as confusões eram para desviar a nossa atenção dos problemas sérios do país, tipo desemprego, segurança pública e outras questões estruturais. Acredito que é muito mais do que isso. As confusões criadas por Bolsonaro e seus ministros e ocupantes do segundo escalão do governo têm a ver com o desconhecimento da máquina administrativa do país. Têm a ver com o fato de considerarem apenas militares da reserva como pessoas capacitadas intelectualmente e de honestidade ilibada para ocupar postos no governo. Têm a ver com a imperícia política de transitarem entre os parlamentares.

Por que as redações dos jornais não estão fazendo a avaliação correta do governo? Há muitas respostas para essa pergunta. Mas há uma que resume a situação. As demissões em massa das redações desqualificaram a produção jornalística. E os que ficaram estão com uma enorme carga de trabalho, salários baixos e convivendo com a ameaça constante do desemprego. Dos meus 40 anos de profissão, 30 e poucos vivi dentro da redação de um grande jornal. Sei como as coisas funcionam. Na nossa profissão, escrever, falar, registrar em vídeo é a parte mais fácil da notícia. Interpretar as informações recolhidas para a matéria é a parte mais difícil, porque requer tempo para pensar, conhecimento de causa e muitos telefonemas. Tudo o que não temos hoje. É simples assim.

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Carlos Wagner é jornalista.