Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A campanha de Bolsonaro contra a cultura brasileira não deu certo

Chico Buarque na abertura da turnê “Caravanas”, em Belo Horizonte. (Foto: Leo Aversa/Divulgação)

Duas chapoletadas em Bolsonaro: na terça-feira foi o Prêmio Camões, o mais importante da literatura portuguesa, e depois o Prêmio do Júri em Cannes para o filme Bacurau. A campanha de Bolsonaro contra nossa cultura não deu certo.

Todos sabem que o presidente Bolsonaro tem cortado o apoio à cultura no Brasil. Ele provavelmente deve achar que cultura não é importante, pois nunca lhe fez falta.

Assim, o Brasil estará condenado, caso esse presidente exerça seu cargo durante quatro anos, a perder sua projeção internacional nas diversas manifestações artísticas em que tem se sobressaído. Vai ser uma enorme marcha à ré que nos condenará à mediocridade.

Mas por enquanto não é. E talvez toda a pressão contra nossa cultura acabe provocando resultado inverso. Na terça-feira, foi Chico Buarque quem ganhou o mais importante prêmio da literatura de língua portuguesa, o Camões, concedido por Portugal e o conjunto dos países de língua portuguesa, por ele ser, além de compositor, escritor e dramaturgo. Uma enorme honra para todos nós, brasileiros.

E não é só: a conquista pelo cinema brasileiro do Prêmio do Júri, com o filme Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, no Festival Internacional de Cinema de Cannes, o mais importante festival de cinema do mundo, é uma outra bela resposta, para não dizer chapoletada, no presidente Bolsonaro, empenhado em cortar verbas e subvenções culturais a fim de provocar uma paralisação da nossa criação artística no teatro, cinema, dança e literatura.

Hoje governado pelo que existe de mais atrasado, desatualizado e reacionário, chegando a ser motivo de chacota aqui na Europa, o Brasil culto, inteligente, atualizado, livre, laico e não racista resiste a essa onda reacionária e retrógrada.

Permito-me transcrever aqui as palavras dos vencedores ao jornal parisiense Le Monde quando perguntados pelo repórter sobre a situação cultural no Brasil:

“Ah, se você soubesse! Nunca eu teria pensado viver essa situação aos 50 anos. Estamos andando num terreno totalmente desconhecido. O Rio de Janeiro, cidade que adoro, tornou-se totalmente deprimente. A maioria das pessoas fala em seu desejo de sair do Brasil. Existe uma grande tristeza. As pessoas andam de cabeça baixa, como nos anos 80”, diz Juliano Dornelles.

E Kleber continua, falando da pressão do governo sobre a cultura: “Tudo o que se relaciona com o mundo das ideias é ridicularizado, diminuído, destruído: as universidades, os festivais, os programas de ajuda social. Todo o dinheiro destinado à cultura foi cortado e os artistas são criminalizados. O presidente se refere aos artistas como drogados”.

Talvez poucos saibam, mas quando Cannes selecionou o filme Bacurau, de Kleber e Juliano, as autoridades brasileiras demoraram a oficializar a escolha, pois era algo que os incomodava.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. É criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.