Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Livro conta a história de jornalistas do Rio Grande do Norte

(Foto: Divulgação).

Publicado originalmente como texto de apresentação do livro Memórias do jornalismo no Rio Grande do Norte

A história do jornalismo no Rio Grande do Norte precisa ser contada: este trabalho é uma contribuição e uma parte dela. Se Manuel Rodrigues de Melo inventariou os jornais existentes, começando por registrar os manuscritos que passavam de mão em mão, os jornais de vida efêmera e as grandes empresas jornalísticas – e, assim, a trajetória dos nossos impressos -, ainda resta ser revelada outra parte dessa história, aquela que se conta pela narrativa dos seus jornalistas.

É o fruto da memória dos seus protagonistas – agora, registrado em depoimentos. Jornalismo é memória, máxima que permeia a proposta escolhida por mim e Juliana Bulhões na organização do livro Memórias do Jornalismo no Rio Grande do Norte. Voltados para o passado, ambos buscamos as nossas origens, aquela que nasce no jornalismo brasileiro moderno dos anos 1960, com o lead e o offset. É esse jornalismo que registra o que ainda não foi contado e que viveu em duas redações aqui marcadamente presentes: Tribuna do Norte e Diário de Natal.

Escolhemos fazer um jornalismo que não nasce nas redações, não está em veículo de comunicação algum; muito menos é um trabalho científico, não está alocado em nenhuma instituição de pesquisa ou universidade; foge dos padrões instituídos e foge do que se espera do jornalismo praticado na notícia, reportagem e entrevista. É um jornalismo que se pretende independente de qualquer uma dessas amarras, que nasce no próprio projeto que traçamos, que se propõe a recuperar a história do jornalismo pelo viés da memória dos seus protagonistas.

Um jornalismo que nasce e se constitui a partir da escolha do tema e se constrói durante sua realização. Dois jornalistas (nós mesmos) saíram por aí entrevistando colegas da cidade com a intenção de registrar a história do jornalismo e transformar o material coletado em um livro. A premissa: a história das redações dos dois maiores jornais impressos da cidade de Natal nas décadas de 1960-1990, a atuação e vocação desses jornalistas depoentes. Um trabalho que não deixa de ser jornalismo, mesmo estando em livro e não nos jornais impressos ou portais – ou qualquer outro espaço consagrado do jornalismo.

Embora tenha sido pensado para o formato de livro, o trabalho foi experimentado em versões para diversas mídias, circulou no impresso e online do Novo Jornal RN (janeiro/fevereiro de 2017), foi reunido em uma experiência digital, o blog, na página pessoal gustavosobral.com.br e nas redes sociais. Como o jornalismo que se preza, é híbrido, múltiplo, e seu conteúdo se adequa a todas as mídias possíveis (bem que gostaríamos de ter ido ao rádio e à TV, canal no YouTube ou Vimeo, podcast), mas a proposta inicial sempre foi a composição de um livro-memória.

Se no Novo Jornal RN recebeu as colaborações da equipe de jornalistas e foi classificado na página de cultura, na versão em livro ganhou o esperado e necessário olhar da figura lendária e não muito presente na literatura local, o editor. Helton Rubiano, também jornalista, editor experiente, responsável pela revisão e edição do texto original, veio somar sua expertise à produção do trabalho e o resultado está melhor.

Apesar de parte dessa história permear estudos que pululam em artigos científicos que buscam recuperar parte do passado, em alguns livros-reportagem de memórias e depoimentos – inclusive de alguns dos depoentes aqui escalados, como João Batista Machado e Cassiano Arruda – ainda é preciso estabelecer o papel preciso, pioneiro, inovador e condutor do jornalista Sanderson Negreiros, mestre de todos eles, ou do espaço e do papel das mulheres jornalistas (e precisamos procurar Zila Mamede, na Tribuna do Norte dos anos 1950, Miriam Coeli, e aqui a participação de Ana Maria Cocentino, jornalista por formação e atuação, representando todas elas, as pioneiras e as continuadoras guerreiras neste ofício).

Este projeto nasceu e é fruto do interesse de dois jornalistas pela sua história, que é a história do jornalismo. Graduados em 2007 e 2008, são oriundos dos bancos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e tiveram a sorte e o privilégio de ser alunos e aprender com esses mestres, que transmitiram conhecimento, estudo do jornalismo e a prática do dia a dia das redações.

Cassiano Arruda: Comunicação publicitária; Vicente Serejo: Estilos jornalísticos; Emanoel Barreto: Jornalismo impresso e tantas outras disciplinas que assumiram com a experiência e o sonho de formar jornalistas e nada mais do que isso, uma grande missão. Além de transmitir essa paixão que, se pedem desculpas, só jornalista entende.

O trabalho tem a pretensão de registrar, o quanto for possível, a memória das redações. Em um primeiro momento, selecionamos aqueles que foram os primeiros jornalistas de redação, repórteres, que começaram na profissão com o lead.

Então são aqueles que, quase todos ainda hoje nas redações, fizeram e fazem jornalismo há quarenta anos ou mais. Se García Márquez, jornalista, sentenciou que é preciso viver para contar, outro não é o vaticínio que se buscou na escolha desses nomes. Aliás, foram eles que se escolheram. A cada entrevista que se completava, seus nomes eram mencionados, uns pelos outros, como personagens que são dessa grande história, por serem seus protagonistas e hoje porta-vozes.

Se eles fizeram a história, outra forma não haveria de recuperá-la senão pela sua própria narrativa. Por isso, somos falsos autores do livro. Como repórteres, vamos apenas reportar os depoimentos que coletamos.

O método foi apenas um gravador na mão e esta ideia da cabeça: a história do jornalismo no Rio Grande do Norte pelo depoimento, visão, participação, memória e história dos seus protagonistas. Outros e tantos nomes que desapareceram da vida e ficaram no tempo aparecem nesse cenário de pioneirismo – portanto, é também uma história contada dos outros. Aqui se lê a participação e o papel de Djair Dantas, Luiz Maria Alves, Pepe dos Santos, Berilo Wanderley, Newton Navarro e tantos outros, repórteres, editores, copidesques, cronistas, todos aqueles que faziam e tornavam possível o jornal.

Tratamos do jornal impresso, uma publicação em papel com capa, caderno(s), editoria(s), seção/seções, feito por editores, titulistas, repórteres, colunistas, cronistas, articulistas, colaboradores, fotógrafos, diagramadores, impressores, numa cidade pequena, a Natal dos anos 1960/1970.

Era a época do telefone discado e a ligação caía mais do que era possível completar; era época de quando a Barreira do Inferno estava tão distante quanto uma viagem; de quando a universidade federal ainda se firmava; de quando se saía de um período de liberdade e se viviam a censura e uma ditadura militar. Nesse tempo, os jornais registravam a vida da cidade e tudo que era notícia para além das dunas, do mar, do vasto mundo chamado Brasil e do que estava além do continente. Então jornalismo eram o Papa, os planos econômicos, o resultado dos jogos de futebol, os crimes bárbaros, as intrigas palacianas. Jornalismo era e sempre foi a vida.

Aqui estão a fumaça sobre as cabeças, o taque-taque das máquinas de datilografia, Luiz Maria Alves e seu cachimbo apagado no canto da boca, o repórter que andava a pé ou de ônibus – não existia carro nas redações –, com bloco de notas, a máquina fotográfica Yashica e as histórias do jornalismo.

Estão ainda a entrevista a Cascudo, a aparição de um lobisomem na cidade, a implantação do offset em Natal, a saudade de Newton Navarro, o jornalismo boêmio que se estendia pelos bares da Ribeira e os grandes nomes que definitivamente escreveram a história da cidade e que foram completas escolas de jornalismo, de crônica, de literatura, de cinema. Foram poetas, escritores, artistas e jornalistas. O jornalismo era tudo com a concentração desses talentos. Imagine uma redação com Luís Carlos Guimarães, Berilo Wanderley, Paulo de Tarso Correia de Melo, Moacyr Cirne, Celso da Silveira. Privilégio de outro tempo.

Até cronista tinha carteira assinada por Agnelo Alves, diretor de redação da Tribuna do Norte. Eles enfrentaram a censura, enfrentaram a cidade, fizeram com que o dia a dia chegasse ao leitor nas quatro pautas diárias mais a reportagem para o final de semana que haviam de cumprir. O vaticínio do jornalista sempre foi o registro dos fatos. Quer saber como era a cidade? Quer saber o que de fato aconteceu? Consulte as edições dos jornais Tribuna do Norte e Diário de Natal. Leia o que apuraram e noticiaram esses nomes do jornalismo que hoje dispensam apresentação.

Seus nomes são instituições consagradas da nossa história. Por isso, são eles mesmos que assumem o dever de contar não apenas a sua história, a de uma pretensão que não havia mas que nasce como vocação.

A importância da Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza, por onde passaram, está assinalada. Ela foi o sonho do jornalista Aluízio Alves e a realização de uma sumidade, Luis Lobo, que veio dirigir a escola e a ensinar a fazer o jornalismo mais atual que havia, a usar o lead, a valorizar a fotografia, a desenhar uma diagramação moderna.

Aliás, eram outros tempo, bossa nova, arquitetura moderna, arte moderna, cinema novo, tudo era modernidade e novidade. Havia esperança, arte e cultura. O Jornal do Brasil era o modelo, o sonho de alguns deles, como Berilo Wanderley e Sanderson Negreiros, Dorian Jorge Freire, que correram para o Rio de Janeiro e São Paulo, sonhando ser Rubem Braga ou Joel Silveira. Talento não lhes faltava, mas o jornalismo do Rio Grande do Norte teve a sorte de tê-los de volta e também por isso fomos maiores.

Hão de perguntar frente a um Jornal do Brasil, que teve na sua reforma gráfica gente do quilate do poeta Ferreira Gullar, qual a importância disso tudo quando o jornal impresso cada vez mais desaparece frente às versões digitais para os conteúdos de informação. Não, não é saudosismo, não é homenagem, não. Não é nada disso. É história, memória, biografia, jornalismo na sua essência por aqueles que o fizeram de forma consciente e que se firmaram como espelhos de formação humanística, cultural, longe do especialíssimo, das discussões inócuas, mas, sim, colados à realidade, aos acontecimentos diários, profundos leitores do cotidiano, professores que são da disciplina “cidade”.

Imaginar que o teste para ingresso na redação do Diário de Natal era transcrever sem erro, com rapidez e tirocínio, seja a mão ou com máquina datilográfica, um conto de O Solitário Vento do Verão, de Newton Navarro. Eles não só sabiam quem era Newton Navarro como também conviviam com o artista. Jornalistas eram, acima de tudo, gente da cidade. Estavam no fórum, na assembleia, nas delegacias de polícia, no estádio, na rua, estavam à procura da notícia onde houvesse.

Fervia a redação ao final do expediente, fechamento do jornal – e, ah!, se o texto não saísse perfeito, respeitando não só a correção que se imprime ao bom jornalismo, mas todas as regras gramaticais e de pontuação. Caso assim não fosse, Luís Carlos Guimarães, na Tribuna do Norte, rabiscaria a lauda, e Djair Dantas, no Diário, engavetaria a matéria. Jornalismo era não só a qualidade da apuração, mas o perfeito resultado final do produto: a notícia.

São esses nomes que, hoje, contam a história que é também a de suas vidas, pois o jornalista vivia a profissão. E se vierem nos perguntar o que é jornalismo, respondemos que ele não se encontra nos manuais, nem se resume à definição que está no dicionário. Jornalismo é realmente o que está contado no livro em todas as letras, em cada um desses depoimentos, que, somados, formam o retrato das redações, aquelas em que acontecia o jornalismo de verdade, porque nelas se pensava, sem pausa, no leitor do outro dia. E mais aqui não se escreve, pois a voz que os dois organizadores e o seu editor quiseram ser é a voz que recomenda aprender jornalismo pela porta destas memórias. Manchete na primeira página.

Organizado por Gustavo Sobral e Juliana Bulhões, jornalistas, o livro Memórias do Jornalismo no Rio Grande do Norte está disponível para download gratuito (arquivo em PDF) no seguinte endereço eletrônico:
<http://www.gustavosobral.com.br/livro.php?id=38&livro=Mem%C3%B3rias-do-Jornalismo-no-Rio-Grande-do-Norte>.

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Gustavo Sobral é jornalista.