Publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas
Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, em 2017, foi informado pelos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato sobre as orientações e sugestões dadas a eles pelo juiz federal Sérgio Moro na noite de 10 de maio, logo após ter ouvido o depoimento do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP)? Essa pergunta nós temos que responder aos nossos leitores porque, dependendo do conteúdo da conversa que houver entre o juiz e os procuradores, pode ser ilegal, pelas leis brasileiras, por comprometer a imparcialidade do magistrado. Essas conversas aconteceram através do aplicativo Telegram e foram publicadas na noite de sexta-feira, dia 14, pelo site The Intercept Brasil. Elas fazem parte de uma leva de informações que o site vem publicando e que estão ajudando a contar a história secreta da Lava Jato. Exercendo um direito constitucional, o site não revela o autor das informações. Mas elas têm o carimbo de autenticidade do repórter americano Glenn Greenwald — dono de um vasto e respeitado currículo, disponível na internet.
Antes de falar sobre os conteúdos das mensagens, chamo a atenção dos jovens repórteres, especialmente os estudantes de jornalismo, para o seguinte. Hoje, nós soubemos que, no dia 10 de maio de 2017, definiu-se o quadro político que temos atualmente no Brasil. Naquele dia, na 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR), sede da Lava Jato, Lula se sentou na frente de Moro para depor no processo em que é acusado de ter recebido propina da construtora OAS na reforma e na compra de um apartamento triplex, em Guarujá, litoral paulista. Dois meses depois, em junho, Moro condenou o ex-presidente a nove anos e meio de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. A condenação foi em primeira instância e os advogados de defesa recorreram ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que fica em Porto Alegre (RS). Em 24 de janeiro de 2018, três desembargadores do TRF4 confirmaram a condenação e ampliaram a pena para doze anos e um mês.
Por ter sido condenado em segunda instância, Lula foi preso. E a Lei da Ficha Limpa, que impede candidaturas de pessoas condenadas em segunda instância, inviabilizou que fosse candidato à presidência da República. Ele liderava as pesquisas de intenção de voto. As eleições foram ganhas por seu maior adversário político, o atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Em outubro de 2018, Bolsonaro convidou Moro para ser seu ministro da Justiça e Segurança Pública. Ele aceitou o cargo e renunciou à carreira de juiz federal. Dentro desse contexto, cada palavra trocada por Moro com os procuradores da Lava Jato é de interesse do nosso leitor, porque ela pode explicar muitos pontos ainda escuros do que aconteceu nos bastidores da operação. Agora, voltando a falar sobre o conteúdo das mensagens, disponível no site. Começa com o juiz sugerindo ao procurador Carlos Fernando dos Santos Lima a publicação de uma nota sobre as contradições do depoente. Depois, segue uma intensa troca de mensagens entre os procuradores.
Ao ler todas as mensagens publicadas pelo site, eu fiquei com a ideia que havia lido uma conversa entre o juiz e os bandeirinhas de uma partida de futebol, combinando o destino do jogo. E comentando sobre a cobertura da imprensa. Na época do depoimento, Janot era o procurador-geral da República (17/09/2013 a 17/09/2017); ele foi substituído por Raquel Dodge. O procurador Santos Lima falou com Janot sobre o pedido de Moro? Eu tenho 68 anos de idade, quarenta e poucos de profissão, a maioria deles envolvida em reportagens investigativas. É a primeira vez em que vejo tamanha abundância de informações sobre os bastidores de um fato, no caso a Lava Jato, como as que estão sendo publicadas pelo The Intercept. As autoridades, incluindo Bolsonaro e Moro, alertam que as informações foram furtadas por hackers e que, portanto, não têm credibilidade. Todo jornalista brasileiro sabe que a operação sempre foi fechada para a imprensa. As escassas informações que eram conseguidas foram aquelas que os procuradores e o próprio Moro tinham interesse de tornar públicas. Graças à tecnologia, hoje não existem mais segredos. É simples assim.
***
Carlos Wagner é jornalista.