Por Natália Pasternak, para a RedeComCiência
O festival Pint of Science chegou ao Brasil em 2015, discretamente, na cidade de São Carlos. A jornalista Denise Casatti, responsável por trazer o festival ao país, ainda não estava convencida de que a ideia seria um sucesso por aqui. Falar de ciência no bar? Será que o brasileiro ia abraçar esse tema como uma boa conversa de boteco, como abraça futebol, samba e política? Naquele ano, portanto, a cobertura do evento na imprensa foi apenas local, como você pode conferir aqui e aqui, mas o festival já mostrou que tinha potencial: bares lotados em dias de pouco movimento, filas nas portas e muita gente aprovando a celebração da ciência no bar.
Em 2016, o festival já tomou corpo nacional e aconteceu em sete cidades brasileiras. A imprensa percebeu que havia algo ali e mais veículos noticiaram o evento. As páginas do UOL, Bom Dia Brasil e EPTV procuraram destacar a atividade em si, comentando sobre a ideia inovadora de levar cientistas para o bar. Já a revista Scientific American preferiu focar no conteúdo discutido em um dos bares de São Paulo: a epidemia de zika que estava em evidência naquele ano. Foi esse, inclusive, um dos temas mais explorados – e procurados pelo público – em 2016, demonstrando talvez indícios de uma demanda por informação de qualidade que não estava chegando à população pelos veículos habituais. A oportunidade de tirar dúvidas diretamente com os cientistas, na mesa do bar, certamente despertou a curiosidade.
Em 2017, o festival chegou a 22 cidades do Brasil, saindo da concentração na região Sudeste e se espalhando por Sul, Centro-Oeste e Nordeste. A cobertura da imprensa cresceu de acordo e o festival ganhou espaço nos maiores veículos de mídia do país, com direito a uma reportagem de capa na revista da Folha de S.Paulo, no domingo anterior ao festival, com destaques para a programação. O festival, em si, ainda é notícia, mas a programação começa a ganhar destaque: a Folha chama o leitor para discutir os temas “Doutor, posso misturar os remédios todos e tomar com cachaça?” e “Tudo o que você sempre quis saber sobre evolução mas nunca teve coragem de perguntar a um chimpanzé”.
Um detalhe importante – e que a direção do festival sempre fez questão de encorajar – é que os temas ganhem mais destaque do que o pesquisador. Em congressos científicos, é natural que os atrativos sejam pesquisadores de renome e temos sempre os tão esperados keynote speakers. O festival busca exatamente o contrário: trazer temas interessantes, que cativem o público, e pesquisadores que não são famosos, que nunca teriam espaço na mídia, mas que fazem ciência de impacto no cotidiano de todos nós sem que a maior parte da população sequer perceba.
O ano de 2018 foi de grandes conquistas para o Pint of Science Brasil. Chegamos a 56 cidades e, finalmente, no Norte do país. Agora, sim, estávamos representados nas cinco regiões. A cobertura acompanhou o crescimento e o festival aparecia em mídias locais, regionais e nacionais, jornais de grande circulação, blogs, revistas. Empatamos com a Espanha na classificação mundial de país-membro com o maior número de cidades. Nessa época, conversando com o diretor da Espanha, nos perguntávamos o que os dois países têm em comum para fazer tanto sucesso tanto lá como aqui? Afinal, são realidades de educação e de valorização da ciência tão diferentes. Nossa total falta de evidência científica deixava espaço apenas para a anedótica: deve ser a cerveja e a vida boêmia!
Este ano, o Pint of Science Brasil foi o maior do mundo: 85 cidades, deixando a Espanha em segundo lugar, com 72. Apesar de a cobertura da imprensa ter destacado bastante a programação localmente, a mídia nacional não tinha como não perceber esse fato: éramos o maior do mundo! Como assim, um país em desenvolvimento, sem tradição de valorizar – ou, mais recentemente, de financiar – a ciência, um país carente de boa educação básica e onde a população é bastante confusa sobre o que é ciência e sobre conceitos básicos da área (como mostra a recente pesquisa do Datafolha e Instituto Questão de Ciência)? O que leva o brasileiro para a mesa do bar em uma segunda, terça e quarta-feira à noite, para falar de ciência? Bares lotados em todo o Brasil!
Atrevo-me a especular de forma nada científica – já que nossas pesquisas de opinião ainda não estão prontas e não temos de qualquer modo a profundidade necessária para saber a exata motivação do brasileiro, seus interesses e curiosidades. Sabendo que grande parte do público do festival é formado por estudantes de graduação e pós-graduação (apesar de o público leigo espontâneo estar crescendo nos últimos anos), podemos arriscar dizer que o festival criou um canal para que o cientista comum pudesse se expressar. Não é necessário ser reconhecido nacional ou internacionalmente, não é necessário ser especialista de uma área que está na moda. Todos os assuntos são bem-vindos e todas as áreas de conhecimento também.
Esses cientistas, que normalmente não viram notícia de jornal, encontraram no festival uma forma divertida, descontraída e informal de divulgar seu trabalho e sua paixão pela ciência. Os estudantes, por outro lado, encontraram uma maneira de celebrar a ciência e de conhecer outras áreas. Estudantes de Biologia podem assistir palestras sobre História, Artes ou Física. São leigos nessas áreas, mesmo que essencialmente cientistas.
Um festival de divulgação científica não substitui um bom jornalismo científico. O cientista não tem o mesmo treinamento para traduzir a ciência que um bom jornalista de ciência e uma das grandes dificuldades do festival é, justamente, capacitar os palestrantes para que consigam falar de ciência em uma linguagem simples e acessível. Infelizmente, os grandes veículos de mídia também não investem em boa comunicação da ciência e temos poucas revistas dedicadas exclusivamente à divulgação científica.
A demanda pelo festival indica uma carência nessa área. Com todos os veículos de grande mídia enxugando suas páginas de ciência, demitindo jornalistas científicos experientes e abrindo cada vez mais espaço para entretenimento e bem-estar no lugar de boa cobertura de ciência, o brasileiro foi buscar ciência e conhecimento no bar!
Talvez o sucesso estrondoso do festival no Brasil possa ser resumido nas palavras do professor Paulo Saldiva, do Instituto de Estudos Avançados da USP, quando falou no Pint17 sobre poluição nas grandes cidades: “a universidade deixou de ser um local de debate, então os alunos vieram buscar o debate no bar”.
Com o passar dos anos, acredito que o festival se tornará parte tão integrante do calendário brasileiro como o carnaval e, com seu crescimento e sucesso, cada vez mais pessoas vão procurar conhecer essa ideia divertida de falar de ciência no bar. Reunir as pessoas em torno de boa comida e bebida, com amigos, é sempre uma fórmula de sucesso. Se pudermos servir junto conhecimento e debate, neste país tão ameaçado pelo obscurantismo, o festival terá cumprido seu papel.
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Natália Pasternak é bióloga, coordenadora nacional do Pint of Science Brasil e presidente do Instituto Questão de Ciência.