Publicado originalmente no site objETHOS
Na última semana, o Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar a produção e distribuição de informações falsas. A CPMI das fake news, proposta pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP), será composta por trinta parlamentares e terá 180 dias para investigar “ataques contra a democracia, o uso de perfis falsos nas eleições de 2018, a prática de assédio virtual e o aliciamento de menores para o cometimento de crimes”.
A CPMI gerou um rebuliço entre os parlamentares correligionários de Jair Bolsonaro (PSL), incluindo o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Os deputados do PSL manifestaram-se contrários à instalação da Comissão Parlamentar, ainda no início das discussões. Entre outras justificativas, eles afirmaram que a medida tem como objetivo evitar cobranças em redes sociais às ações das casas legislativas e que a regulação do ambiente virtual a “essa parte de imprensa e mídias sociais deve ser feita pelo consumidor”.
Após instalada a CPMI, o deputado Filipe Barros (PSL-PR) protocolou um mandado de segurança com pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspendê-la. Barros alega que o requerimento de criação da CPMI não traz fato determinado e servirá apenas para tentar investigar Bolsonaro e seus filhos. O STF só julgará o mandado de segurança depois do recesso, em agosto.
As teses dos pesselistas são todas discutíveis. A regulação ou controle feito pelo “consumidor” ou eleitor não impede que a notícia falsa seja distribuída e que esse mesmo cidadão a consuma e a redistribua sem conhecer sua natureza duvidosa. Além disso, toda regulação requer sua constituição em lei – que, em um estado democrático sério, daria-se após amplo debate com a sociedade e discussão aberta no Congresso.
A CPMI é consonante com o interesse público caso atue de forma transparente para levantar quem dissemina informações falsas, com quais objetivos e que consequências isso traz para o frágil sistema democrático brasileiro – sem excluir nenhum agente público, seja ele parlamentar, ente do judiciário ou mesmo o presidente da República. Resta aguardar se ela revelará, de fato, informações importantes e que mecanismos irá propor para coibir práticas nocivas à constipada democracia brasileira.
No Supremo, as medidas contra ataques virtuais ainda não mostraram de que forma vão coibir esse tipo de ação com isonomia. Em março, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, instaurou inquérito com o objetivo de apurar ofensas e ameaças virtuais contra autoridades. Em abril, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, protagonizou o controverso episódio que retirou do ar reportagem e nota divulgadas pela revista digital Crusoé e pelo site O Antagonista, que davam conta de possível relação de Dias Toffoli com Marcelo Odebrecht no âmbito da Lava Jato. Moraes voltou atrás na decisão. As investigações seguem em aberto e devem ser concluídas no mês de agosto. Aguardemos!
Ainda como reação aos ataques virtuais à vida política, recentemente foi sancionada uma lei que tipifica o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral. Mas Bolsonaro vetou parte do texto aprovado pelo Congresso em que ficava prevista a mesma pena para aqueles que compartilhem informação falsa sabendo que ela não é verdadeira. A lei, proposta pelo deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA), prevê prisão de até oito anos para aqueles que fizerem acusações falsas a um candidato visando afetar sua candidatura.
Ao que tudo indica – e cada uma a seu modo -, as iniciativas do Congresso e do STF parecem focar no esforço de preservar as instituições frente à hostilidade do ambiente virtual. Porém, considerando o suspense sobre o inquérito do STF, sobra para a CPMI do Congresso dedicar-se de forma mais coerente sobre os limites entre o combate efetivo ao assédio virtual e a censura jornalística. Também é necessário discutir a produção e distribuição de notícias falsas e que mecanismos podem estancar a prática – considerando, por óbvio, que a lei seja válida para todos.
As fake news corroem a democracia
A influência das notícias falsas para determinar resultados em processos políticos-eleitorais tem preocupado pesquisadores, políticos, jornalistas e ativistas sociais em todo o mundo. As fake news não são propriamente uma novidade, mas, com a massificação de aplicativos de diálogo e de redes sociais, a distribuição de informações falsas ampliou exponencialmente sua escala e pode interferir de forma irreversível nos mais diversos cenários políticos.
No Brasil, um escândalo sobre a compra de pacotes de disparo de informações em massa contra o Partido dos Trabalhadores (PT), nas eleições de 2018, foi revelado por reportagem da Folha de S.Paulo e abriu lastro para o impacto de informações falsas nos rumos do resultado eleitoral. Empresas apoiadoras de Bolsonaro pagaram por estes serviços, o que caracteriza doações empresariais de campanha, ação vetada pela legislação eleitoral.
A denúncia feita ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo PT, após a reportagem, coloca em xeque a eleição de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, mas ainda aguarda desdobramentos. Na ausência de uma resposta do TSE, a CPMI do Congresso poderia ser um instrumento para desvelar como o uso de perfis falsos e a disseminação de desinformação foram utilizados com o intuito de influenciar os resultados eleitorais de 2018.
Semelhantes ao exemplo brasileiro, outros processos também sofreram a influência da guerra de distribuição de notícias falsas, como foram os casos das eleições norte-americanas que elegeram Donald Trump e o referendo para a saída do Reino Unido da União Europeia (brexit). Outro exemplo latino-americano, apresentado pelo professor Gérman Ortiz Leiva, da Universidade de Rosário, em palestra ministrada na Universidade Federal de Santa Catarina, em novembro de 2018, foi o último processo eleitoral na Colômbia, fortemente influenciado pelas fake news, que elegeu Iván Duque, porta-voz da campanha do “não” no plebiscito sobre os acordos com as FARC, em outubro de 2016.
As fake news, nas palavras da pesquisadora Lívia Vieira, “guardam em si o caráter deliberado de desinformação, utilizando para isso artifícios como falta de contexto e manipulação”. A notícia falsa, portanto, revela seu efeito desastroso sobre processos políticos e debates públicos mesmo em países com maiores mecanismos para salvaguardar direitos democráticos. Investigar de forma transparente e criar instrumentos com força de lei são atitudes necessárias para combater o assédio virtual e a disseminação de notícias falsas, mas elas precisam ser pensadas através de uma perspectiva democrática radical, que amplie direitos e fortaleça ferramentas de acesso à informação.
O caráter punitivo precisa ser aliado a ações de caráter educativo, a começar pela pluralidade comunicacional, a educação para a mídia e a valorização do jornalismo de qualidade.
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Clarissa Peixoto é mestranda no POSJOR e pesquisadora do objETHOS.