Texto publicado originalmente na Revista de Jornalismo ESPM
O presidente Jair Bolsonaro tem demonstrado que pretende imitar seu colega americano, Donald Trump, em tudo que for possível. A maneira de se comunicar com o público e lidar com a imprensa é um dos exemplos mais ostensivos.
Nenhum governo gosta de jornalismo, a não ser que este lhe seja subserviente, situação que só ocorre em estados totalitários ou onde veículos de comunicação não tenham independência.
Expressões de desagrado dos poderosos contra jornalistas que revelam fatos que lhes possam ser desfavoráveis ou opiniões com as quais não concordem são bem-vindas: significam que a missão da imprensa está sendo bem cumprida.
Os casos de Trump e de seu candidato a clone Bolsonaro são diferentes do que se via antes, e muito mais graves. Ambos são ostensivamente hostis à imprensa, a ameaçam e criam um clima de ódio contra ela no seio de seus seguidores.
Os líderes comunicam-se com seus fiéis pela linha direta das redes sociais, que manejam com habilidade e sem nenhum sentimento de obrigação com a verdade factual, para disseminar mentiras e incentivar agressões contra jornalistas.
Foi o que se viu, por exemplo, no caso de Carlos de Lannoy, repórter da Rede Globo, ameaçado de morte após noticiar o assassinato de duas pessoas por militares do Exército no Rio de Janeiro.
Ou de Constança Rezende, de O Estado de S.Paulo, vítima de postagens falsas às quais o próprio presidente deu guarida e divulgação, após ela ter revelado as ligações suspeitas entre Flávio Bolsonaro e as milícias.
O presidente brasileiro, a exemplo do americano, se sustenta no Twitter e nas lives, mas não deixa de ter um pé na canoa da mídia tradicional, lá por meio da Fox News, aqui principalmente da Record, mas também do SBT e Rede TV!.
Mas, para quem pratica o jornalismo crítico, necessário para a saúde da democracia, como os grupos Folha, Globo e Estado, Bolsonaro só lhes reserva ofensas e intimidações.
Jornalistas brasileiros podem aprender com a experiência de seus colegas nos Estados Unidos sobre como reagir ao comportamento de um presidente como Bolsonaro e Trump. Devem procurar se instruir principalmente com os erros dos americanos.
Não é o que parece vir acontecendo. Aqui, como lá, a imprensa vem caindo nas armadilhas montadas pelo seu inimigo. Uma delas é a forma de reagir aos destemperos do chefe de governo em assuntos de costumes morais e cultura.
Quando Trump e Bolsonaro se expressam de modo radical e desconectado da realidade a respeito desses temas, conseguem mobilizar suas bases e dar-lhes vigor renovado.
Responder com indignação excessiva e gastar demasiados tempo e espaço com essas questões é fazer o jogo do populista. Em vez de focar no que interessa a toda a sociedade (a capacidade ou incapacidade do presidente para gerir a nação), a imprensa distrai a si e à população com “golden shower”, “nazismo de esquerda”, menino de azul e menina de rosa etc.
Não que se deva ignorar esses despautérios. Mas deve-se dar a eles o destaque merecido, ou seja, pequeno. E a linguagem do jornalismo não pode se nivelar pelos padrões da que se usa nas redes sociais.
Se o público percebe, pelo estilo e vocabulário, que os veículos tradicionais lhe dão mais ou menos a mesma coisa que WhatsApp, Twitter e Facebook, a tendência é avaliar tudo negativamente.
É o que tem ocorrido nos Estados Unidos, onde a credibilidade de todos os meios está em baixa, e também no Brasil, de acordo com pesquisa Datafolha de 3 de abril, segundo a qual a maioria das pessoas vê com receio e desconfiança as informações que recebe tanto das mídias sociais quanto da imprensa profissional.
Essa equiparação é o pior que poderia ocorrer para a democracia e significará a vitória de Bolsonaro e Trump em sua guerra contra o jornalismo.
É nesse ambiente que a mentira ganha. Nesse item, o aprendiz ainda está muito aquém do mestre: nos três primeiros meses no poder, Bolsonaro emitiu na média uma mentira por dia; em 27 meses, Trump proferiu onze mentiras diárias.
Modelos de negócios
A saída para os veículos pode ser virarem clubes. O colunista do Financial Times Simon Kuper comentou possíveis razões por que a “mídia de elite” (como ele classificou jornais e revistas da também chamada “imprensa de legado”) estar sobrevivendo, até com algum sucesso, aos ataques que sofrem de líderes populistas.
Segundo ele, talvez “semiconscientemente”, esses veículos resolveram dobrar a aposta na linha editorial de centro-esquerda moderada que os caracterizava.
Assim, vêm recebendo adesão dos segmentos sociais que concordam com essa ideologia e cerraram com eles fileiras comuns, alienando os seguidores do populismo. Converteram-se em espécies de clubes, e seus leitores se transformaram em membros. Alguns, como a revista The Atlantic, já designam seus assinantes como membros. Outras, como The Nation, organizam (e faturam com isso) cruzeiros e viagens em que suas estrelas conversam com leitores sobre temas políticos e culturais de interesse comum.
Empatia com leitor pode dar lucro
No New York Times, que ainda não adota a nomenclatura de membros para os leitores, mas que com seus quase 5 milhões de assinantes é considerado o caso de maior êxito entre os sobreviventes da onda populista, uma palavra de ordem é criar máxima empatia com a audiência. Primeiro, para atraí-la e mantê-la fiel. Depois, para poder cobrar mais por anúncios colocados próximos às matérias que mais a emocionam. Faz um ano que o jornal adotou o Project Feels.
Com base em ciência de dados, inteligência artificial e algoritmos, identificam-se as reportagens ou entrevistas que mais podem levar os leitores a um espírito inspirado, divertido, aventureiro. Depois, é oferecido aos anunciantes que coloquem suas peças publicitárias perto dessas matérias por um preço premium.
Uma pesquisa com leitores voluntários que se dispuseram a dizer que emoção (numa lista de dezoito) textos ou fotos ou infográficos do Times lhes provocavam, foi dada a partida ao projeto.
Fundações sem fins
O Seattle Times busca lucro, mas aceita ajuda de fundações sem fins lucrativos para manter a operação viva. Coberturas de temas como educação e pobreza são há anos financiadas por ONGs interessadas nesses assuntos.
O jornal lançou agora um novo fundo, para o qual podem contribuir não só entidades filantrópicas como indivíduos, para financiar sua equipe de jornalismo investigativo.
O projeto prevê um tipo novo de investigação, baseada no engajamento da comunidade local, com foco em diversidade e problemas concretos de pessoas comuns, não na tradicional função de “cão de guarda” do poder político e econômico, embora o jornal prometa manter essa atividade também.
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Carlos Eduardo Lins da Silva é livre-docente, doutor e mestre em comunicação; foi diretor-adjunto da Folha e do Valor.