Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Para inglês ver?

(Foto: Reprodução Globoplay)

Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.

O que aconteceu entre as quatro paredes da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, durante a reunião de terça-feira (16 de junho) entre a procuradora-geral Raquel Dodge e os procuradores da força-tarefa da operação Lava Jato?

O que se sabe é que a conversa girou em torno das denúncias publicadas pelo site The Intercept Brasil. Nas últimas oito semanas, o site vem divulgando mensagens e áudios sobre processos, interrogatórios e acordos com delatores que foram trocados, por meio do aplicativo Telegram, entre os procuradores e o então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR). Antes e depois da reunião, o conteúdo de vários noticiários insistia na tecla de que o objetivo do encontro era mostrar o apoio da procuradora-geral à Lava Jato, símbolo do combate à corrupção no Brasil.

O que não sabemos da reunião? Nada. O que foi publicado são somente especulações que reforçam para o nosso leitor a imagem de que qualquer conteúdo de noticiário que falar mal da força-tarefa é a favor da corrupção. Não sei se algum colega tem o bastidor do que foi conversado. Se tem, ele ainda não publicou.

Esse é um dos lados da questão. O outro é a grande demanda dos nossos leitores por informações a respeito de tudo que acontece com a força-tarefa da Lava Jato. Em uma situação desse tipo, a melhor saída para o repórter é publicar os fatos reais que ele sabe sobre a situação.

Em primeiro lugar, o que vem sendo publicado pelo site são várias conversas que revelam situações de ilegalidades cometidas por procuradores, especialmente o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol – há um vasto material disponível na internet. Raquel Dodge é chefe de Dallagnol e dos outros procuradores. Portanto, é seu dever chamá-los para tirar a situação a limpo.

O que ela ouviu dos procuradores da força-tarefa e o que respondeu a eles é um assunto que não veio a público. Mas certamente não tem nada a ver com apoiar ou não a Lava Jato. Tem a ver com o comportamento dos seus comandados na operação. Também tem a ver com o legado que Raquel Dodge irá deixar no cargo que ocupa. Portanto, a conversa entre eles foi tensa.

Por três motivos, ainda não terminou essa conversa entre a procuradora e seus colegas da força-tarefa. O primeiro: o The Intercept Brasil, alegando o grande volume de informações que possui, vem publicando o conteúdo a conta-gotas. Portanto, ninguém sabe o que vem por aí. O segundo motivo: ainda faltam dois meses e algumas semanas para o fim do mandato de Dodge. O que significa que ela pode chamar o pessoal da Lava Jato para “novos esclarecimentos”. E, por último: as redes sociais. Antes da existência da internet, o legado deixado por uma pessoa ficava repousando em uma prateleira empoeirada de alguma biblioteca. Hoje, é lembrado a todo o momento, graças à visibilidade dada pela internet.

Dentro dessa linha de raciocínio, podemos escrever com tranquilidade que a reunião não foi para Raquel Dodge tornar público o seu apoio à Lava Jato. Isso é óbvio. A reunião foi para ela tirar a limpo o que aconteceu, o que é sua obrigação.

A nossa obrigação como repórteres é saber o que realmente foi conversado dentro das quatro paredes da PGR. É do interesse do nosso leitor saber o que aconteceu. A reunião não foi “só para inglês ver”, como diz o dito popular. É simples assim.

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Carlos Wagner é jornalista.