Parte I
Impossível não falar sobre a guerra das TVs, ou melhor, dos maiores grupos de comunicação do país, Globo e Record, apresentada em rede nacional (e internacional) na última semana (e ainda em percurso) para que todos possam acompanhar e fazer apostas nos possíveis vencedores dessa disputa.
Pelo registro em memória, nunca antes na história comunicacional brasileira se viram tantos bombardeios em nível de imprensa, em especial o telejornalismo de dois grupos, como estão sendo protagonizados pelas emissoras em destaque. Longe de querer defender ou acusar quem quer que esteja por traz dessa lavagem de roupa suja, alguns pontos precisam ser esclarecidos.
1º) Por que a Globo trouxe à baila (forçando a barra junto ao Ministério Público de São Paulo) o caso do bispo Edir Macedo, leia-se, Igreja Universal do Reino de Deus, que é um fato já transitado e divulgado com ampla cobertura midiática?
2º) O que, de fato, precisa ser esclarecido pela Igreja Universal, sua relação direta com a concessão publica de canal de televisão, a Rede Record, e o uso indevido do dinheiro dos féis da igreja?
A título de esclarecimento, de fato a igreja sobrevive e deve ser sustentada pelos seus participantes diretos, neste caso, os membros que congregam na denominação. Isso é lícito e está descrito em várias partes da Bíblia Sagrada, a exemplo do livro de Malaquias 3: 8 a 10. O ato existe para que não haja dependência, ou melhor, ligação financeira da igreja com o Estado.
Um passado de falcatruas
Ressalto um ponto fundamental nessa análise. É que este provimento deverá ser utilizado unicamente na manutenção do templo, espaço de congregação, obras sociais que envolvem, inclusive, o evangelismo (sustentação de obreiros em diversas localidades para pregação do evangelho); bem como sustentação de pastores e os chamados ministros de música e educadores cristãos, para que eles possam trabalhar exclusivamente na obra. Os demais encargos referentes à manutenção das obras e dos templos, como luz, água, limpeza, equipamentos e outros, também são pagos pela própria igreja a partir dos proventos recebidos.
Qualquer que seja a razão pela qual o dinheiro dos membros não tenha sido aplicado nessas atividades se caracteriza como desvio de conduta e, sobretudo, ausência de compromisso com a pregação da palavra de Deus. Ponto.
Parte 2
Dito isto, e crendo que está bem explicado, vamos à segunda parte desta análise, que diz respeito ao papel das duas redes na guerra pela audiência. O sujo fala do mal lavado. Isso está bem exposto.
A Globo não tem moral para falar das negociações da Record. Não é que ela não esteja correta em relação aos fatos ocorridos, mas é que o seu passado e ainda o seu presente está construído em cima de falcatruas, apoio a ditadura (e, portanto, desapoio à democracia) e monopólio comunicacional.
Sem palanque social
Todas essas questões já apresentadas em filmes ou documentários, como o produzido pelo canal 4 da BBC de Londres, Muito Além do Cidadão Kane (de Simon Hartog, 1993), sempre foram veiculadas apenas em centros acadêmicos e sindicatos profissionais e nunca foram esclarecidas e assumidas pela rede. Muito pelo contrário. A empresa, em muitos momentos, sobretudo em campanhas políticas explicitamente construídas e consolidadas nos bastidores da emissora, se vinculou ao sistema econômico governamental para obter benesses.
Hoje, essas temáticas também voltam do passado para fazer parte da cena do crime.
Longe de achar o caminho da Record (infelizmente, quase semelhante à Globo) melhor ou ‘menos pior’, fica claro que a guerra está sendo construída para que o monopólio comunicacional esteja nas mãos de um ou de outro. E desde quando o monopólio de comunicação se caracteriza como exercício da democracia?
Provocações à parte, não se pode esquecer que ao longo da história a nossa imprensa teve muitos momentos de altos e baixos em relação ao sistema político. Ora a imprensa apoiava governos ditatoriais, e se beneficiava com os mesmos, ora tomava posição pró-sociedade.
É bem verdade que o nosso processo de redemocratização é novo e precisa de um longo tempo de maturação para se consolidar. Ainda assim, não é perdendo um monopólio de uma Globo e passando a comunicação para domínio de outro grupo que estaremos consolidando esse tipo de sistema. Muito pelo contrário, estaremos ratificando que a nossa mídia não tem palanque social, não está comprometida com a sociedade e muito menos com uma contribuição transformadora que só mesmo uma imprensa livre pode fazer.
O que estamos assistindo, nem de longe, é um exercício de democracia.
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Socióloga e jornalista, professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB Campus III – Juazeiro) e da Faculdade São Francisco de Juazeiro (BA)