Publicado originalmente no site Balaio do Kotscho
O sujeito liga para um disque-denúncia qualquer e avisa que um carro está sendo roubado na esquina da casa dele.
Em vez de mandar uma patrulha atrás do ladrão, a polícia resolve investigar o autor da denúncia.
É isso que está acontecendo no Brasil bolsonariano, com essa história rocambolesca dos hackers fajutos de Araraquara, para esconder o que já foi apurado e denunciado pelo The Intercept e outros veículos sobre o modus operandi do ex-juiz Sergio Moro e seus procuradores amestrados.
Mas essa blindagem só é possível porque as três grandes redes de TV do país formaram uma rede de proteção que esconde o mais importante – o conteúdo tóxico dos diálogos de Moro com os procuradores da Lava Jato – para noticiar à exaustão o modus operandi dos hackers tabajaras.
Globo, Record e SBT deixaram o jornalismo de lado para formar uma rede nacional com noticiário único, pautado somente por seus interesses comerciais e políticos, assim como fizeram durante a última campanha presidencial.
Varia apenas a forma de manipular as notícias, com as características de cada emissora, mas o resultado é o mesmo.
Record e SBT são mais escrachados. Fazem questão de assumir o papel de porta-vozes do governo e se vangloriam disso.
Já a Globo, como de costume, é mais sofisticada, mais sinuosa, dá um ar de seriedade olímpica aos Bonners do JN e não perde a chance de publicar editoriais sobre a sua “isenção e imparcialidade”, como se todo mundo fosse idiota.
Daqui a cinquenta anos, quem sabe, se ainda existir, a Globo vai pedir desculpas ao país, como fez por ter apoiado o golpe de 1964 e a ditadura militar, e por ter escondido a campanha das Diretas Já, em 1984, pela redemocratização do país.
Até lá, muitos de nós já terão morrido e os mais jovens nem se lembrarão do que eles fizeram, em 2019, para avacalhar e colocar em risco a jovem democracia brasileira, ameaçada pela ditadura da Lava Jato, de braços dados com o boçalnarismo em marcha.
A grande farsa só será desmascarada se, nas próximas revelações da Vaza Jato, aparecerem os diálogos de Moro e os dallagnois com seus chefes e jornalistas, em que eram acertadas de comum acordo as pautas e as edições.
É esse o grande medo dos empresários da mídia e dos seus profissionais, que, para garantir seus empregos, foram assessores de imprensa da República de Curitiba, não repórteres.
Sem se importar com nada disso, Silvio Santos acha graça da grande pantomima e até se sente honrado por sua rede ser chamada de SBT – Sistema Bolsonariano de Televisão.
A Record do bispo Edir Macedo e sua igreja, apoiadores de primeira hora, só quer saber das verbas oficiais de publicidade do governo que ajudou a eleger para investir em novos templos e fiéis, a serviço do seu próprio projeto de poder.
Posso estar enganado, e geralmente estou, mas, diante de tanta hipocrisia, omissão e mentira, acho que até os Bonners já estão um pouco incomodados com a desfaçatez do noticiário que são obrigados a ler todas as noites.
Por mais que se disseminem as redes sociais, a maior parte do eleitorado – que não lê jornais nem tem acesso fácil à internet – ainda se informa pelo Jornal Nacional e suas contrafações mambembes da Record e do SBT.
É a desinformação que garante ainda o apoio de um terço da população ao mito Bolsonaro e ao herói Moro, os protagonistas da grande tragédia bufa.
Tenho certeza que milhões de pessoas Brasil afora já não conseguem entender como a polícia está investigando o denunciante do carro roubado e nada informa sobre o ladrão – no caso, os muitos criminosos que, em nome do combate à corrupção, destruíram empresas e empregos, e faturaram alto com a fama de heróis.
Com a grande mídia (e suas raras exceções), o Judiciário e o Legislativo irmanados na defesa do governo e da Lava Jato, e com a oposição batendo cabeça, sem achar o rumo, está tudo dominado.
Por isso, eles têm um grande objetivo comum: não deixar Lula sair da cadeia tão cedo.
Esse é o grande pavor dos que deram o golpe de 2016 e levaram o país para o fundo do buraco, primeiro com Temer e, agora, com o inacreditável capitão Bolsonaro.
Para garantir esse domínio absoluto, danem-se as leis, o Estado de Direito e a Constituição. Vale tudo.
E vida que segue.
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Ricardo Kotscho é jornalista.