Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Moeda do Facebook não será criptomoeda, diz porta-voz de Instituto de Criptoanarquia

Criptoanarquista e especialista em segurança digital Milan Pulkrabek na frente do Paralelní Polis, em Praga, República Tcheca. (Foto: PARALELNÍ POLIS/REPRODUÇÃO)

Publicado originalmente no site da Agência Pública

“Ergam-se, vocês não têm nada a perder a não ser as cercas de arame farpado!”

Como em um anúncio profético de revolução, Timothy C. May publicou em 1992 o Manifesto Criptoanarquista, direcionado à comunidade Cypherpunk – um grupo de entusiastas da criptografia que surgiu em meados dos anos 1980. Quase trinta anos depois, a criptografia ainda não se alastrou e o debate sobre privacidade, principalmente com a popularização da internet e a criação de redes sociais, está cada vez mais quente.

Em 2018, o jornal britânico The Guardian revelou como dados de usuários do Facebook foram usados pela empresa Cambridge Analytica para a segmentação de anúncios nas campanhas do brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) e de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos em 2016. Ainda assim, a rede social continuou crescendo em número de usuários e ações na bolsa, e outros aplicativos que coletam dados surgiram. “Nós tivemos o escândalo da Cambridge Analytica e mesmo assim continuamos compartilhando abertamente nossas fotos com algum aplicativo só por diversão”, lamenta Milan Půlkrábek, consultor em segurança da informação e membro do Instituto de Criptoanarquia.

O instituto tem sede no edifício Paralelní Polis, em Praga, na República Tcheca. O espaço abriga também o CryptoLab – um “hackerspace” para desenvolvimento de ferramentas de criptografia e segurança digital -, um café e um coworking, que só aceitam criptomoedas como forma de pagamento. Além disso, o instituto organiza um congresso anual de hackers. A sexta edição vai acontecer entre 4 e 6 de outubro, em Praga.

De maneira geral, os criptoanarquistas são entusiastas das criptomoedas, como o bitcoin, a litecoin, a etherum e a monero. Mas viram com maus olhos o lançamento da libra, anunciada como uma criptomoeda do Facebook em parceria com outras empresas, como Uber e Paypal. “Definitivamente, não é uma criptomoeda nos termos do bitcoin, porque não é descentralizada”, defende Půlkrábek. Ou seja, é administrada por um consórcio, a Libra Association, encabeçado pelo Facebook.

No white paper (documento oficial da proposta) da libra, as empresas envolvidas esclarecem que o sistema será criptografado e com código aberto (open source), além de administrado por um conselho independente. Além disso, a plataforma vai criar uma carteira digital, que estará disponível no WhatsApp, no Facebook Messenger e em um aplicativo próprio.

A libra não foi bem aceita também entre políticos e entidades financeiras. O executivo responsável pela iniciativa, David Marcus, foi sabatinado duas vezes na última semana por representantes da Câmara e do Senado americano. No Twitter, o presidente americano, Donald Trump, clamou por uma regulamentação da nova moeda – o que Půlkrábek acredita que irá acontecer, sendo mais um motivo para rejeitar o projeto. “O Facebook não está disposto a fechar seu negócio. Se algum governo disser ‘mude isso no código da libra ou nós vamos fechar seus negócios’, eles vão fazer isso.”

Em entrevista à Pública, o criptoanarquista fala sobre o dilema entre regulação e privacidade dentro de sistemas criptografados e anônimos, como criptomoedas, blockchain, deep web. Leia a seguir:

Você pode nos explicar o que é a criptoanarquia e por que vocês defendem essa forma de sociedade?
Antes de mais nada, a criptoanarquia não é um novo sistema social; é mais uma série de ferramentas que podem nos ajudar a conquistar mais liberdade individual e econômica e um nível maior de privacidade. Não é como se a criptoanarquia quisesse mudar a maneira como as pessoas se comportam ou se relacionam.

Hoje em dia, conseguir certo nível de privacidade e segurança é mais difícil do que nunca, porque estamos compartilhando muita informação com os outros, tanto voluntária quanto involuntariamente. Governos e empresas estão nos espionando, nossos dados, nossas vidas pessoais. Então, a criptoanarquia resgata nossa privacidade e assim podemos ser mais livres nos nossos relacionamentos e relações de negócios.

Que ferramentas são essas de que você fala?
São muitas ferramentas, mas basicamente tudo que envolve criptografia. Por exemplo, aplicativos de envio de mensagens criptografadas, como o Signal, e-mails criptografados, criptografia PGP e também as ferramentas para liberdade financeira, que são as criptomoedas.

Na verdadeira criptoanarquia, as criptomoedas são completamente anônimas, como é o caso da monero. Você consegue enviar e receber dinheiro sem nenhum terceiro saber e sem que ninguém possa interromper ou modificar as transações.

E quando surgiu a ideia da criptoanarquia?
A história não é tão longa quanto a evolução dos sistemas anarquistas durante o início do século XX, como o anarcocomunismo e o anarcocapitalismo. A criptoanarquia é um pouco diferente. Na década de 1980, alguns cypherpunks nos Estados Unidos e ao redor do mundo começaram a explorar técnicas de conseguir mais privacidade através da criptografia. Esse foi o começo da criptoanarquia.

Quando a internet surgiu, muitas pessoas viram como uma oportunidade de ser um espaço mais livre e menos centralizado, onde todos poderiam ter voz. Hoje em dia, a internet se mostra também um ambiente de monopólio de grandes corporações e não tão democrática. Por que você acredita que isso aconteceu?
Talvez isso seja parte da evolução natural de uma tecnologia, mas eu não acho que tenha deixado de ser um espaço livre e democrático. É verdade que temos grandes corporações, como o Google e o Facebook, e também algumas grandes empresas na China que controlam muitos servidores, mas ainda há muitos espaços onde as pessoas podem expressar tudo que quiserem, de maneiras anônimas e privadas. É preciso reconhecer que coisas assim existem.

O que queremos dizer é que muitas pessoas não sabem diferenciar o que é o Facebook ou o Google do que é a internet, e só acessam a rede através desses servidores centralizados. Como isso pode mudar?
A internet está sendo usada pelas pessoas há apenas vinte anos, a maioria das pessoas usa há menos de dez anos. Então, ainda é uma forma muito nova de se comunicar. É completamente novo que possamos nos comunicar com pessoas do outro lado do mundo como fazemos agora, você no Brasil e eu na República Tcheca. E estamos conversando como se fôssemos vizinhos.

É uma tecnologia muito recente historicamente, e as pessoas ainda não estão prontas para tamanha revolução. Por isso, não é possível mudar isso de uma forma simples e rápida. É preciso que as pessoas se acostumem com isso e sejam educadas para usar a tecnologia. Imagino que no Brasil, assim como na República Tcheca, as crianças não são ensinadas sobre como usar e se comportar na internet pelos professores, porque até para eles é uma nova tecnologia. Eu fiz algumas palestras em escolas e vi que as crianças são até mais bem informadas que os professores.

Aqueles que usam internet há mais tempo e com certa frequência com certeza já ouviram falar da deep web ou da dark net. Mas ainda não está claro para as pessoas como essas outras formas de navegar podem ser usadas, sem ser para criminosos. Você pode explicar um pouco sobre isso?
Os próprios termos dark net ou deep web não são claros. As pessoas pensam que não é possível acessar essas partes da internet sem credenciais, mas o que acontece é que só não é possível acessá-las pelo browser normal.

A deep web, na verdade, é uma camada da internet, que é basicamente igual à internet comum, com serviços e sites comuns. Mas você não consegue entrar pelo Chrome, pelo Firefox ou pelo Explorer sem alterar suas disposições. É preciso conectar ao Tor, que é um simples conector para a deep web. Lá você vai encontrar serviços e sites escondidos e que nenhuma autoridade pode desligar facilmente, porque a localização dos servidores não é conhecida, como na internet comum.

Por isso há sites com atividades ilegais, como lojas para compra de drogas ilegais, documentos falsos e bancos de dados para senhas secretas ou credenciais ilícitas. É basicamente um mercado totalmente livre, sem nenhuma regulação.

Mas não é só isso. Lá você encontra informações de pessoas que foram perseguidas por governos, por exemplo. E até quando se trata desses chamados mercados ilegais, em alguns países onde remédios comuns são considerados drogas ilegais. Na deep web as pessoas podem ter acesso a isso e salvar suas vidas.

E o blockchain? Você pode explicar um pouco mais como funciona essa tecnologia e como ela muda a relação de confiança entre as pessoas?
O blockchain muda completamente a maneira como transferimos recursos, ou, melhor dizendo, dinheiro. Estamos acostumados a ter um governo que emite e que dá valor ao dinheiro e a guardá-lo em bancos, também autorizados pelo governo. Então, basicamente, esse dinheiro não é nosso. Eu tenho que confiar nesses terceiros, que são o Estado ou os bancos, se eu quiser, por exemplo, transferir dinheiro para você. Eu terei que confiar que o governo e o banco não vão interromper, bloquear ou impedir essa transação. Ou que o governo não vai invadir ou fechar minha conta, por exemplo.

Com as criptomoedas, dentro do blockchain, não é possível que uma única identidade controle os fundos e transações, porque há forte criptografia no processo. Todas as transações no blockchain são automatizadas e confirmadas pelos chamados “mineradores”, e o sistema computacional não permite que esses processos sejam alterados.

Com criptomoedas bem estabelecidas, como no caso do bitcoin, é impossível. Não há nenhuma entidade capaz de alterar uma transação. Mesmo se juntássemos as forças dos governos dos EUA e da China, não conseguiríamos alterar uma transação no blockchain. É matematicamente seguro.

Além do dinheiro, o blockchain pode ser usado para outros tipos de transferências, como de informação?
Eu sou um pouco cético quanto a isso. Eu diria que há muito burburinho sobre isso. O blockchain não é uma tecnologia muito rápida nem muito eficiente. Sua característica forte é que é imutável. Mas não é possível usá-la com big data, por exemplo. Mas pode ser usado para qualquer coisa que você quiser armazenar ou transferir e é garantido que não será mudado.

Como os crimes podem ser combatidos em um mundo completamente criptografado, como defendido pela criptoanarquia, através de ferramentas como o blockchain e a deep web? Não é perigoso?
É uma pergunta muito difícil porque primeiro é preciso definir o que é crime. Crime é aquilo que os governantes dizem que é? Ou o que a Igreja diz que é crime? Em alguns países, uma coisa pode ser legal, permitida, e em outros a mesma coisa pode ser considerada ilegal. Então, a questão central é se é possível definir o que é crime em escala mundial.

Há países em que, por exemplo, a maconha é perfeitamente permitida, em outros você pode ser preso por isso, e ainda há outros onde você pode ser morto. Então, é difícil dizer como combater os crimes online se não é possível definir o que é crime.

E como as pessoas podem confiar umas nas outras em um ambiente anônimo, com identidades resguardadas?
Normalmente, mesmo nesses mercados ilegais da deep web, a confiança se baseia na reputação. Você pode comprar algo de alguém que você não conhece pessoalmente ou cuja verdadeira identidade você não sabe, mas que você conhece e cujo histórico de negócio e transações financeiras pode ver. Se for bem classificado e se os clientes estiverem satisfeitos, você tem maior probabilidade de ter uma boa experiência de compra com essa pessoa.

Também há alguns serviços que, se você quiser comprar de alguém anônimo, a transação será confirmada por ambos os lados. E, se o vendedor ou usuário é novo, ele vai ter preços bem mais baixos, por exemplo.

E quando se trata de desinformação? Como confiar no que você vê online sem conhecer a identidade dos autores?
Novamente reputação. E quando se trata de informação, também é indicado procurar mais de uma fonte. O problema é que, em um ambiente anônimo, muitas postagens podem vir da mesma fonte sem que você saiba. E não temos como distinguir se é uma informação independente ou de uma fonte só.

O anonimato tem esse problema de que não é possível ter certeza de tudo. Mesmo que se conheça a identidade de uma pessoa, nem sempre é claro que se pode confiar nela. Estamos sempre nos baseando em uma reputação.

Sendo assim, por que você acha que as pessoas continuam preferindo confiar em governos e grandes companhias em vez de na criptografia?
De novo, como falamos, a internet é nova e as ferramentas de criptografias, como as criptomoedas, são supernovas. Elas estão aqui há apenas dez anos e mudam completamente a forma como fazemos transações. Além disso, essa tecnologia e esse tipo de dinheiro vêm com uma grande necessidade de responsabilidade. Com as criptomoedas, você é seu próprio banco. Se você perder suas chaves de criptografia privada, se você enviá-las para alguém, você basicamente perde seu dinheiro. E não tem ninguém que possa responder por isso.

Quando você usa um banco, se você enviar dinheiro para algum lugar por engano, eles podem fazer algo, ou podem dar seu dinheiro de volta. Se alguém roubar seu cartão de crédito, isso também pode ser resolvido pelo banco. E isso não é possível no mundo das criptomoedas, porque o blockchain é imutável.

Por cem anos, os governos nos contaram que nós não precisávamos ser responsáveis porque eles cuidariam de nós; então, as pessoas perderam sua habilidade de ter um pouco de responsabilidade e passam a depender de que os outros façam por nós.

Você acha que, com o desenvolvimento da tecnologia, as pessoas vão naturalmente começar a usar mais ferramentas de criptografia?
Deixe-me usar minha bola de cristal [risos]. Brincadeira. Eu acho que, como eu disse, nós ainda estamos no começo. Existe algo chamado “curva S” [veja um vídeo sobre o conceito aqui] para novas tecnologias, que mostra como essas inovações estão sendo adotadas pela população. Então, no começo há só alguns usuários [os chamados early adopters, pioneiros na utilização], depois de certo tempo há um aumento exponencial na quantidade de usuários que passam a utilizar a tecnologia e, quando isso atinge certo ponto, passa a crescer cada vez mais devagar. Mas, em algum momento, a vasta maioria das pessoas está usando essa tecnologia.

Eu acho que em relação à internet nós já estamos em um alto nível na “curva S”, mas com as criptomoedas nós ainda estamos no início. O dinheiro em papel e moedas estão aqui faz milhares de anos. O bitcoin, por sua vez, está aqui faz apenas dez anos, então comparando…

E quanto à privacidade? Você vê pessoas começando a serem mais cuidadosas com seus dados depois de escândalos como o da Cambridge Analytica?
Infelizmente, não. Você mencionou a Cambridge Analytica, e nesse episódio as pessoas ficaram bravas com o Facebook e… postaram sobre isso em seu perfil no Facebook. Eu sou um pouco cético. Nós temos algumas ferramentas simples para criptografia, como, por exemplo, o aplicativo de mensagens Signal, mas não é tão fácil assim usar criptografia diariamente para comunicações, porque sempre há algo que pode roubar ou espionar nossos dados.

Recentemente, nós vimos esse FaceApp, em que as pessoas estão subindo suas fotos para o aplicativo e ele mostra como elas vão parecer daqui a trinta anos. Nós tivemos o escândalo da Cambridge Analytica e, mesmo assim, continuamos compartilhando abertamente nossas fotos com algum aplicativo só por diversão. Esse app é de graça, mas não há caridade por trás dele, ninguém falou “vamos fazer um app para fazer as pessoas felizes”.

Definitivamente não. Eles querem fotos das pessoas, querem nossos dados.

Ainda falando de Facebook. Recentemente a empresa se juntou a outras para anunciar o lançamento de uma criptomoeda chamada libra. Ela pode ser confiável mesmo administrada por grandes companhias, como Facebook e outras?
Primeiramente, eu não chamaria isso de criptomoeda. O Facebook chama dessa forma, algumas pessoas chamam de sistema de pagamento, algo como o Paypal. Eu diria que a libra é algo entre os dois. Não é somente outro sistema de pagamento, porque eles têm seu próprio dinheiro, mas definitivamente não é uma criptomoeda nos termos do bitcoin, porque, como você mencionou, não é descentralizada. Eles vão ter algum tipo de blockchain, mas com acesso limitado a isso.

Com o blockchain do bitcoin, todo mundo pode ler e todo mundo pode escrever no blockchain. Você pode efetuar uma transação no blockchain do bitcoin a qualquer minuto e não precisa de permissão. Mas como a moeda do Facebook é um ecossistema fechado, apenas eles podem efetuar uma transação no blockchain.

Como o Facebook e as outras companhias são entidades legais, eles também terão regulações governamentais, e, como já podemos ver, os governos não estão felizes com isso. Eu não me surpreenderia se, no final, eles não conseguissem aprovação para fazer a moeda.

Para mim, não é mais uma criptomoeda e não é somente um novo sistema de pagamento. É algo no meio do caminho.

Você não acha que a libra pode representar um passo importante para a minimização do monopólio de bancos e governos sobre os dados financeiros?
Eu não tenho certeza porque, no fim, ainda vai continuar sob o controle de governos e bancos. O Facebook não está disposto a fechar seu negócio. Se algum governo disser “mude isso no código da libra, ou nós vamos fechar seu negócios”, eles vão fazer isso.

Donald Trump já disse algo sobre não ser ok que uma companhia crie seu próprio dinheiro, e que o único dinheiro que pode ser utilizado nos Estados Unidos é o dólar e blá, blá, blá, alguma merda assim. Nós podemos ver que eles farão qualquer coisa que puderem contra uma iniciativa como essa, e eles têm poder suficiente para atingir seu objetivo. E o Facebook vai fazer o que o governo americano quer que eles façam.

Por que não aconteceu o mesmo com o bitcoin? Como os governos reagiram a isso?
Eu acho que os políticos nem sequer perceberam o que está acontecendo. Para eles, é apenas uma área no computador. Alguns banqueiros não estão realmente promovendo o bitcoin, mas afirmaram que não é um tipo de golpe, é somente uma nova tecnologia. Alguns deles estão dizendo que não é dinheiro, mas que também não é golpe. Alguns políticos, porém, estão dizendo que o bitcoin é um golpe. Eu acho que eles não sabem realmente o que está acontecendo e não estão preocupados porque não conseguem ver como isso pode mudar o mundo inteiro.

Mas, quando isso vem do Facebook, é diferente, porque todo mundo conhece o Facebook. Eles sabem o que é o Facebook, e se ele diz “Ei, estamos criando dinheiro”, eles não precisam entender mais do que isso. Eles conhecem o Facebook e conhecem dinheiro, então é fácil para eles ter algum tipo de reação.

Considerando que o Facebook é tão famoso, você acha que o anúncio da libra pode tornar as criptomoedas mais mainstream?
Pode ser que sim, mas também pode de alguma forma mudar ou confundir sobre o que as criptomoedas são. As pessoas vão pensar que a libra é uma criptomoeda, então talvez eles pensem mais sobre o bitcoin. Mas elas vão perceber que o bitcoin é completamente diferente.

Eu não sei se isso vai ajudar o bitcoin ou se pode atrapalhá-lo. Eu realmente não sei, e na verdade eu não me importo muito.

Por que não? Você não acha que uma maior utilização de criptomoedas é positiva?
Sim, eu acho. Mas, como eu posso dizer isso… Eu acho que a libra pode ajudar. Talvez não tenha sido certo dizer que eu não me importo. Talvez o mais correto seja dizer que eu não conto com isso. Na verdade, eu não me importo com a tecnologia por trás da libra, porque não é algo interessante para mim desse ponto de vista. Mas, como experimento social, pode ser interessante.

Você disse que as pessoas vão perceber a diferença entre o bitcoin e a libra. Você pode nos explicar qual é a diferença em termos de tecnologia?
Basicamente, você não precisa de nenhuma permissão de uma rede ou de uma entidade para criar uma transação ou configurar uma conta no bitcoin. Dentro desse mundo, uma conta é somente um número. Com a moeda do Facebook, nós vamos precisar de uma conta e de alguma parte nos autorizar a transferir dinheiro. Essa é a diferença básica. Há algumas coisas que devem ser similares. Há algum blockchain, há alguma criptografia, o código é aberto. Mas a governança é totalmente diferente.

O Facebook afirma que o público-alvo da libra são as mais de 1 bilhão de pessoas sem conta bancária e que eles querem incluir essas pessoas em transações financeiras. Você acha que realmente pode ajudar pessoas? O bitcoin não serviria para isso?
O bitcoin definitivamente já serviria para isso. Mas, claro, isso pode ajudar pessoas sem contas bancárias. Mas há outra coisa. A razão de algumas pessoas não terem uma conta bancária é que em algumas partes do planeta não é possível ter uma, ou é muito caro. Também há pessoas que têm problemas com o governo, e elas não estão autorizadas a ter uma conta.

Eu não tenho certeza se algo como a libra pode ajudá-las porque, em algum ponto, será controlada pelo governo, e, se uma pessoa tem uma questão com o governo, a libra não vai poder ser um caminho alternativo.

O Facebook anunciou também que vai tomar medidas para combater crimes na libra. Isso significa que ela não será totalmente anônima?
Definitivamente, não será anônima. Nós frequentemente escutamos que alguém vai combater o crime, ou as fake news, discursos de ódio ou algo do tipo. Isso é um passo em direção a maiores regulações.

Nós podemos ver isso com a criptografia, e em criptomoedas como a monero e mesmo o bitcoin. Para atacarem as moedas, os políticos dizem que elas são usadas para comprar armas ou vender pornografia infantil, então eles pedem regulação por conta disso. Mesmo que não seja verdade.

No bitcoin, por exemplo, seria realmente estúpido comprar armas, pornografia infantil ou coisa do tipo, porque o blockchain é público. Ele é apenas em parte anônimo. Há algumas agências e companhias que estão aptas a rastrear transações até a pessoa física. Seria realmente estúpido fazer essas coisas com bitcoin.

Além da libra, o Facebook promete privacidade através da criptografia em outras ferramentas, como o WhatsApp. Você considera essas ferramentas confiáveis?
Não. [Risos] É difícil. O WhatsApp usa o protocolo do Signal, que é considerado seguro. Mas há algumas questões com a implementação do protocolo. Imagine que, na sua casa, você tem uma porta com uma fechadura muito forte e segura e um assaltante quer entrar. Ele vai ver sua porta forte e vai tentar entrar pela janela. Ou, se você perder a chave para essa fechadura muito segura, ela não vai servir de nada.

Esse é o problema com soluções como o WhatsApp, que tem código fechado. Eles têm um protocolo de criptografia muito forte, mas pode estar sendo implementado de maneira fraca e não há como auditar.

Outra coisa é que o WhatsApp assumidamente coleta metadados. Eles não podem ler o que os usuários estão escrevendo, mas podem coletar informações sobre quem fala com quem, quanto tempo duram as conversas, entre outras coisas.

E quais são suas dicas para proteger nossa privacidade online?
Primeiro de tudo, devemos criptografar nossos smartphones. Já existem ferramentas para Iphone e Android que criptografam a memória do aparelho. Então, devemos trancar nossos celulares com senhas fortes, não apenas através do Face ID ou códigos de quatro números.

E cuide das suas senhas. Tenha senhas diferentes para cada conta e serviço. Isso é possível através de serviços de armazenamento de senhas, que servem como cofres.

E não compartilhe tudo da sua vida com o mundo inteiro. Isso é básico.

Por último, seja paranoico. Seja paranoico sempre.

***

Ethel Rudnitzki é estudante de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP. Na Pública, fez parte do Truco – projeto de fact-checking – durante as eleições de 2018 e produz reportagens sobre redes sociais e desinformação.

Rafael Oliveira é estudante de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP. Faz reportagens para a Agência Pública desde março de 2019.