Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O trinômio proibido

A clareza com a lucidez, a elegância pela simplicidade e o tom sereno banhado na sagacidade formam um trinômio raro, bem-vindo, no mundo atual. Especialmente no Brasil, onde se presencia rotineiramente, até do próprio presidente da República, traços degradantes de moral e precária ou nenhuma educação. Jayme Sirotsky conseguiu passar esta raridade em seu discurso por ocasião do aniversário de 30 anos da Associação Nacional dos Jornais ao chamar a atenção para um trinômio proibido que merece muito mais do que reflexão. Posicionamento.

É perigosa a mistura que estamos presenciando cada vez mais hoje em dia. A mistura dos meios de comunicação com a política com a religião. No Brasil, na América Latina, no mundo. Uma bomba viral radioativa que engolimos sem perceber e estoura sorrateiramente dentro de nossas entranhas. Explode enquanto estamos dormindo, em escritórios impenetráveis, em restaurantes proibitivos para o homem comum, durante o vôo de jatinhos particulares, em lugares que não vemos. E que causa devastação por gerações afora.

A religião é especialista milenar na arte das multidões; a política é catedrática milenar na arte de copiar a religião para amealhar seus seguidores; a comunicação é a pílula mágica aperfeiçoada (de modo tacanho, pelo viés do nivelamento rasteiro) pela religião e pela política. Como sobreviver à soma dessas três forças? Comparável à força abominável da pornografia, dos hackers e duvidosos marketing diretos que se apoderaram rapidamente dos recursos das ferramentas da internet e infestaram o mundo, as casas, as mentes mais indefesas. Eterno dilema? Será que algo nunca será somente bom, tem que ser igualmente ruim também? Há uma terceira via?

Anarquia de princípios

São prováveis inúmeras ilações acadêmicas, da sociologia à psicologia, da economia à historiografia, da teologia à antropologia. Uma, no entanto, será inquestionável para justificar o status quo, a iminência avançada daquela mistura perigosa: a destruição da família tradicional; pai, mãe, filhos, com a probabilidade de um ou mais parentes idosos, todos ao redor da mesa de jantar como cenário rotineiro desta família que começou com um casamento convencional (homem e mulher) e se estendeu até a idade adulta dos filhos…

Uma visão conservadora, um tom antiquado, um ângulo ultrapassado. Talvez. Mas está aí o desafio de nosso tempo: como conciliar a liberdade de expressão num mundo totalmente categorizado, planificado, globalizado, com a anarquia de princípios morais vigente?

Triângulo das Bermudas

Mas o perigo também ronda a própria comunicação, Sirotsky. É tão antigo quanto o primeiro veículo de comunicação o risco da mistura da notícia com o produto anunciado com a vontade do dono do veículo. Um trinômio amargo.

É igualmente perigoso, embora tenha ultrapassado o status de perigoso para desumano, posto que é residente, real, palpável: o trinômio empresa, ciência e saúde; o caso dos remédios, cujas pesquisas que lhes dão origem nas universidades são fomentadas pelos grandes laboratórios farmacêuticos, que por sua vez são controlados pelas bolsas de valores. Trinômio que mata.

Não menos diferente se vê quanto à equação de três elementos compostos: educação mais profissão vezes produtos de massa mais capital vezes economia de escala. É um trinômio que cega; do esporte à cultura, do entretenimento à alimentação, da individualidade ao relacionamento social. Sem esgotar o baile de trinômios proibidos, perigosos, culmina o da produção tendendo à agressão ambiental ao desequilíbrio da distribuição de renda. Trinômio que mantém a miséria.

Não há dúvida, estamos todos náufragos num triângulo das Bermudas. Uns agarrados à fé, outros agarrados à certeza de que só o trabalho (com o capital ou com as mãos mesmo) é a saída, outros convictos de que a comunicação é a única salvação. Justamente num tempo em que a mistura de etnias, por exemplo, é tão festejada. Como entender o homem?

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Escritor e jornalista