Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

O que os militares nos quartéis estão falando de Bolsonaro?

(Crédito: Fotos Públicas/Marcos Corrêa-PR)

Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas

Há um personagem no cenário nacional que nós, repórteres, estamos deixando de lado: os militares da ativa das Forças Armadas que vivem nas guarnições espalhadas pelo Brasil. Em novembro de 2018, logo depois da vitória nas urnas do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ), escrevi um post: “Em caso de corrupção no governo Bolsonaro, a primeira vítima é o Exército Brasileiro”. Ali, argumento que, no imaginário popular, as Forças Armadas assumiram o governo com o presidente, por ter sido ele capitão do Exército e pela sua carreira parlamentar de trinta anos ter tido foco nos interesses da corporação. Essa linha de raciocínio foi reforçada logo nos primeiros dias de mandato, com a nomeação de vários generais da reserva para ocupar postos no governo. Pela última contagem, incluindo outras patentes, são 130 militares da reserva e da ativa ocupando postos no governo.

Antes de seguir a conversa. A seguir com essa estratégia de administrar o país causando confusão toda a vez que abre a boca, Bolsonaro está detonando as conquistas sociais, principalmente as relativas ao meio ambiente, corroendo as instituições (por exemplo, fazendo vistas grossas para as gravíssimas denúncias do site The Intercept Brasil a respeito de Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública) – há material na internet. E, nesse roldão, Bolsonaro está destruindo a imagem das Forças Armadas perante a população. A última do presidente: “É só você deixar de comer menos um pouquinho. Você fala para mim em poluição ambiental. É só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também.” Resposta dada pelo presidente da República a uma pergunta feita por jornalistas sobre ser possível conciliar preservação com crescimento econômico. No final de tudo, vai restar uma grande confusão.

Voltando à nossa conversa. Por minha carreira de repórter focar em conflitos agrários e crime organizado nas fronteiras, tenho um bom número de fontes nos serviços de inteligência das Forças Armadas. E, nos últimos tempos, tenho conversado muito com jovens que ingressaram na carreira militar. O que sei é que existe uma grande diferença entre as Forças Armadas que se envolveram no golpe militar de 1964 e as de hoje. A maioria dos militares da geração de 64, quando deram baixa, foram para casa colocar o pijama. Hoje, ao dar baixa, há um vasto mercado de trabalho ao redor do mundo à sua espera. Graças à excelência da formação das escolas militares. Como me falou um tenente, “é uma gurizada esperta”. No início da minha carreira de repórter, em 1979, a gente dizia “ouvir as vozes dos quartéis”, que era conversar com militares para poder entender as entrelinhas das declarações dos generais que governavam o país (1964 a 1985). Precisamos voltar a conversar com os jovens oficiais, os graduados e os soldados especializados nos quartéis para conseguir entender as entrelinhas das declarações do governo federal.

É importante entender as “entrelinhas” das declarações para conseguir explicar ao nosso leitor o que não foi dito. Mas ficou registrado. Bolsonaro é um cara esperto. Em toda a sua carreira, ele soube analisar o contexto e usá-lo a seu favor. Ele conseguiu passar nos testes de seleção para a Academia Militar de Agulhas Negras em 1977. Em 1986, publicou um artigo na Veja criticando os salários dos militares. Foi preso durante quinze dias (depois, foi absolvido). Foi para a reserva e virou parlamentar por três décadas. Bolsonaro trabalha para o Bolsonaro. O resto gira ao redor dele, inclusive as Forças Armadas. É simples assim.

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Carlos Wagner é jornalista.