Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobre credibilidade, relevância e estratégias de sobrevivência para o jornalismo

(Foto: Mafalda e Libertad/Domínio Público)

Publicado originalmente no site objETHOS.

A queda de confiança dos públicos é uma das maiores questões enfrentadas atualmente pelo jornalismo em diversos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi de 34% a porcentagem daqueles que confiavam pouco ou nada na mídia, em 2015, para 39% em 2019, de acordo com dados do Instituto Gallup. O problema é grave, visto que o jornalismo trabalha (ou deveria) basicamente para informar a população sobre aquilo que acontece de mais relevante dentro de sua área de cobertura, ajudando a organizar a vida em sociedade e a fiscalizar os poderes das demais instituições.

Mas o jornalismo também tem feito a sua parte para aumentar essa descrença. Não são raros os casos de notícias publicadas sem que as informações tenham sido verificadas, assim como é comum ver discursos racistas, xenofóbicos ou declarações mentirosas de governantes serem reproduzidos acriticamente. Sem falar na repetição de fórmulas que nada contribuem para a mudança social, como foi o caso da cobertura da grande mídia norte-americana sobre os assassinatos em massa nos Estados Unidos, na semana passada (o Farol Jornalismo também falou dela, aqui).

John Temple, diretor do programa de reportagem investigativa em Berkeley, criticou a cobertura jornalística feita sobre esses episódios desde Columbine, em 1999, até hoje. Em um texto desesperançoso publicado na The Atlantic, ele diz que conseguiu ver onde estão os limites do jornalismo: todas as coberturas de tragédias desse tipo, diz ele, utilizam a mesma fórmula e terminam da mesma maneira — ritual que faz com que o jornalismo pareça fútil. “Sou forçado a perguntar por que os jornalistas estão fazendo esse trabalho dessa maneira e se, no final, vale a pena. Os jornalistas sentem a necessidade de testemunhar. Mas para o mesmo horror, de novo e de novo? Não posso mais dizer que acredito que aprendemos com coisas terríveis”, declarou.

No cenário de crise de credibilidade, talvez seja importante nos perguntarmos, afinal, para quê serve o jornalismo. Ou melhor: qual tipo de jornalismo importa, e como as organizações jornalísticas podem ser mais democráticas e acessíveis. Harry Backlund, do laboratório de jornalismo City Bureau, tentou responder a essa questão promovendo encontros entre jornalistas locais (de Chicago), e eles concluíram que muitos recursos jornalísticos são destinados para “servir às necessidades abstratas de uma minoria confortável, passando completamente por cima das necessidades básicas da maioria”. Em outras palavras, as questões mais relevantes para a vida da população (como encontrar moradia, abrigo, comida, transporte e oportunidades econômicas) não estavam recebendo a atenção que deveriam pelos jornais. Como observa Backlund em seu texto, “nós ouvimos um coro de dicas para “viver mais inteligente”, mas quase um silêncio sobre como sobreviver nos Estados Unidos”.

Ouvir os públicos para recuperar a confiança
Talvez a chave para a recuperação da confiança perdida esteja na conexão mais profunda e persistente com as necessidades das audiências. No Brasil, há uma pesquisa que busca fundamentar as bases para a construção de um jornalismo de novo tipo, pensado a partir das demandas dos públicos: o GPSJor. O estudo constatou um forte desejo por conteúdo hiperlocal, ou seja, por notícias que falem sobre o que acontece nos bairros e rincões mais distantes. Um dos entrevistados aponta que há certas localidades da cidade de Joinville/SC (onde a pesquisa foi feita) que são praticamente desconsiderados pela mídia local, prejudicando a identificação dos moradores com o jornalismo praticado pelos veículos. Outros entrevistados reclamam da cobertura já existente sobre os bairros da periferia, que são retratados nos extremos: ou é crime/violência, ou são histórias de sucesso/superação.

Mais uma demanda importante identificada pela pesquisa foi o jornalismo comunitário, ou seja, aquele produzido em conjunto com as populações menos favorecidas. Essa necessidade de descentralização da notícia também remete a uma presença mais efetiva e menos oportunista do jornalismo na comunidade. Isso também pode ajudar a compreender como melhorar o engajamento e a participação dos públicos – já que as pessoas tendem a participar mais nas mídias em que já se sentem representadas. Em outro estudo, desta vez ouvindo representantes de mídias, Mônica Guzmán (2016) chega a conclusão similar: a credibilidade se constrói quando o público sabe que o trabalho jornalístico está criando algo de valor para a comunidade. E quando essas informações são publicadas em estilo e linguagem que soem familiares.

Na crise, só sobrevive o que for útil
Em tempos de audiências cada vez mais fragmentadas em rede e a possibilidade de ler uma notícia de cada veículo, todas na timeline do Facebook, Twitter ou enviadas pelo WhatsApp, ganhar a atenção da audiência se torna uma disputa acirrada, na qual ganha quem for mais bem-sucedido em entregar conteúdo relevante e confiável. O jornalismo precisa, mais do que nunca, provar que é útil para as pessoas. Que o seu trabalho é sério e seu conteúdo é compatível com a verdade.

E mais: é preciso ser capaz de transmitir as mensagens de forma eficaz e convidativa, utilizando as potencialidades de dispositivos móveis e mídias sociais (de acordo com pesquisas como o Digital News Report, o consumo de notícias nessas plataformas tem aumentado ano após ano), usando linguagens mais próximas do público e, principalmente, buscando abordagens que fujam da reprodução de padrões de cobertura que nada têm a acrescentar ao jornalismo e às pessoas.

Só assim é possível melhorar o engajamento dos públicos, fundamental para garantir a sobrevivência jornalística em um cenário no qual não se pode mais contar apenas com receitas publicitárias para financiar a produção de notícias. Bons exemplos, como o The Intercept Brasil, atestam a correlação entre confiança e sustentabilidade, como observa a pesquisadora Tânia Gusti. E, além disso, uma conexão mais profunda com as necessidades informativas dos públicos evita que organizações jornalísticas usem seus já escassos recursos de um jeito errado.

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Andressa Kikuti é doutoranda do PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS.