Publicado originalmente no site objETHOS
Na última semana, muito se falou sobre as queimadas na Floresta Amazônica e algumas perguntas foram respondidas, mas ainda existem questões que precisam ser apuradas e divulgadas. Diante da repercussão desse tema, precisamos refletir sobre que tipo de informação as pessoas encontram no jornalismo brasileiro quando procuram se informar sobre o incêndio na Amazônia.
O interesse pelo tema ganhou destaque no ciberespaço. De acordo com o Google Trends, na última semana os termos “queimadas Inpe”, “queimadas na Amazônia” e “incêndio na Amazônia” apresentaram um aumento repentino de buscas no Google. Em especial, a pesquisa realizada por internautas no Brasil para o termo “queimadas na Amazônia” apresentou índices entre <1 e 1 no dia 18 de agosto, o que significa que não foram registrados dados suficientes de buscas sobre o termo.
No dia 23 de agosto, às 20h, foi registrado o pico de popularidade do termo, com buscas realizadas a partir de todos os estados brasileiros. O Twitter também traz indícios sobre o interesse da população no tema: as hashtags #PrayForAmazonas (“reze pela Amazônia”, em português) e #ForaSalles (referindo-se ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles) foram indicadas como Assuntos do Momento. De acordo com o Monitor do Debate Político no Meio Digital, esse foi um dos temas mais debatidos no Facebook; foram identificados mais de 200 mil compartilhamentos de postagens de páginas que mencionavam as queimadas na Amazônia.
O interesse da população por informações sobre os incêndios na Amazônia esteve em evidência. Também se observou o interesse do jornalismo brasileiro por essa pauta, que trouxe diferentes destaques ao noticiar a prática das queimadas na Floresta Amazônica e a repercussão dos focos de incêndio nesse território. Assim, ao considerar o destaque do tema na imprensa nacional e o interesse da população, questiona-se: o que o jornalismo brasileiro noticiou sobre as queimadas na Amazônia?
Para fazer essa leitura, parte-se do princípio que o jornalismo é uma atividade humana que produz uma forma social de conhecimento, de modo que suas narrativas elucidam questões importantes para a comunidade onde atua. Como Adelmo Genro Filho e Eduardo Meditsch evidenciam em suas pesquisas, o jornalismo é um tipo de conhecimento que não tem base na lógica da universalidade, como o conhecimento científico, mas que se cristaliza na singularidade do fato noticiado.
Esse conhecimento produzido pelo jornalismo pode subsidiar o debate entre as pessoas e ajudar a entender melhor os acontecimentos que estão em evidência. Ao refletir sobre o que o jornalismo brasileiro noticiou sobre queimadas na Amazônia, propõe-se uma reflexão sobre qual conhecimento foi produzido pela imprensa nacional e quais informações os internautas encontraram nos principais portais de notícias.
Ao buscar responder o questionamento apresentado nesse texto, três aspectos chamaram atenção: 1) a escassez de profissionais dos grandes jornais nacionais fazendo a cobertura jornalística nas regiões das queimadas, 2) as declarações polêmicas do presidente Jair Bolsonaro novamente pautaram a imprensa nacional e 3) o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foi uma das principais fontes jornalísticas citadas pela imprensa.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo publicada em 14 de agosto, no dia 10 de agosto (sábado), fazendeiros do Pará promoveram o “dia do fogo”. Nessa data, foram realizadas queimadas no entorno da BR-116 e, ao contabilizar os focos de incêndio nas cidades paraenses de Novo Progresso e Altamira, foram observados 318 focos. No domingo, 11 de agosto, esse número aumentou para 440 ocorrências. A principal fonte da região utilizada pela Folha de S.Paulo e por outros veículos de comunicação foi um jornal do município de Novo Progresso (PA), o Folha do Progresso.
No final da última semana, alguns veículos começaram a trazer notícias com relatos da população local indicando que enviados especiais estavam trabalhando na cobertura das queimadas. O Estadão publicou no dia 25 de agosto (domingo) uma notícia contando como os incêndios afetaram os índios que vivem no sul do Amazonas. Índios brigadistas trabalham para conter o fogo, o que acontece no turno da noite, quando o calor diminui e a umidade aumenta. Os índios estão aguardando equipes de brigadas do Ibama para ajudar no combate às queimadas; enquanto isso, também ajudam na fiscalização, trocando informações com o Ibama e o Instituto Chico Mendes.
A revista Globo Rural, do Grupo Globo, também publicou uma notícia, no dia 25 de agosto, indicando o uso do WhatsApp para convocar o “dia do fogo” no Pará. Entretanto, mais do que restringir a notícia ao uso do aplicativo, o jornalista, que está em Cachoeira da Serra (PA), traz informações do Ministério Público e das delegacias dos municípios com maior incidência de queimadas. Também apresenta declarações de pessoas que estavam nas terras já queimadas e confronta o que foi dito por essas pessoas com o que foi observado na região.
Entre a notícia da Folha de S.Paulo sobre o “dia do fogo”, publicada em 14 de agosto, e as notícias com cobertura local de grandes veículos, no dia 25, as manchetes de grandes jornais repercutiram as declarações polêmicas de Jair Bolsonaro. Durante a semana, Bolsonaro declarou à imprensa que os incêndios teriam sido provocados por organizações não-governamentais (ONGs) que estavam insatisfeitas com os cortes de verbas; a fala foi reiterada pelo presidente em outros momentos.
No dia 21 de agosto (quarta-feira), vários portais de notícias destacaram essa fala, dentre eles o G1, que publicou: “Bolsonaro diz que ONGs podem estar por trás de queimadas na Amazônia para ‘chamar atenção’ contra o governo”. Mais tarde, o Jornal Nacional apresentou uma notícia de mais de sete minutos com a chamada: “Declaração de Bolsonaro sobre queimadas provoca protestos”. Apesar de questionar a declaração do presidente, as notícias sobre as queimadas retomaram a fala de Bolsonaro nos outros dias.
Durante a semana, os grandes jornais brasileiros também destacaram: 1) a relação entre as políticas públicas do governo Bolsonaro para o meio ambiente e o aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia; 2) a chuva escura em São Paulo, que apresentou partículas de queimadas; 3) a repercussão nos sites de redes sociais, com declarações e uso de hashtags por políticos e celebridades, e 4) a repercussão internacional, com risco de sanções pelo G7. Nesse cenário, o jornalismo brasileiro teve uma importante contribuição das agências de fact-checking, que trabalharam para diminuir a desinformação sobre as queimadas na Amazônia. A Agência Lupa, por exemplo, buscou verificar a veracidade de imagens publicadas por famosos em sites de redes sociais. Considerando o número de seguidores e a influência desses perfis no ciberespaço, esse tipo de atividade é de grande relevância para a difusão de uma informação mais consistente. Também foi observada uma preocupação em explicar a importância da Floresta Amazônica pela sua biodiversidade e para o equilíbrio do clima do planeta, corrigindo a falsa informação de que ela é o pulmão do mundo, como destacado pelo Jornal Nacional do dia 23 de agosto (sexta-feira), que levou ao ar uma notícia de quatro minutos.
Outro ponto de destaque é o uso do Inpe como uma das principais fontes jornalísticas para apurar a ocorrência das queimadas. O Inpe disponibiliza em seu site o Programa Queimadas, com informações diárias baseadas no monitoramento através de satélite dos focos de queimadas no Brasil. Os interessados também podem receber por e-mail relatórios diários sobre as queimadas e alertas de queimadas em Unidades de Conservação.
O instituto foi notícia em julho, quando o presidente Bolsonaro questionou os dados sobre desmatamento divulgados no site. O então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, defendeu a cientificidade dos dados divulgados pelo instituto e foi exonerado do cargo devido às divergências com Bolsonaro. Entretanto, o uso recorrente desses dados pelo jornalismo brasileiro mostrou a importância da população ter acesso a dados abertos dessa natureza. Os dados científicos apresentados pelo Inpe podem ser de difícil interpretação, o que evidencia a importância de serem trabalhados jornalisticamente, buscando informar a população de maneira adequada.
Ao tentar refletir sobre a cobertura jornalística realizada por jornais brasileiros acerca das queimadas na Amazônia, observou-se uma preocupação em indicar a localização dos focos de incêndios e noticiar seu início com o “dia do fogo” no Pará. As reportagens também relacionaram o aumento da ocorrência de desmatamento e de queimadas com a política adotada pelo governo Bolsonaro, que diminuiu o investimento na fiscalização e na prevenção de desmatamento e de queimadas, questionou os dados apresentados pelo Inpe, acusou as ONGs pelas queimadas realizadas em agosto deste ano e minimizou a importância de acordos internacionais para a preservação da floresta. A imprensa brasileira destacou, ainda, a repercussão do avanço das queimadas na internet e no cenário internacional.
Numa semana em que a população demonstrou grande interesse pelo tema, o jornalismo produzido pelos grandes jornais nacionais apresentou um conhecimento construído a partir de declarações coletadas em gabinetes de Brasília, dados disponíveis no ciberespaço e afirmações elencadas por especialistas nacionais e internacionais. Esse tipo de cobertura não é suficiente para responder questões importantes — para isso, muitas vezes é preciso ir até o local onde o fato está acontecendo. Também se evidencia a necessidade de fazer novas perguntas para ampliar a pauta e construir notícias mais consistentes.
Já se sabe onde as queimadas iniciam, mas qual a situação legal dessas terras? Existem processos solicitando a posse dessas terras? Já se sabe que antes da queimada ocorreu o desmatamento, mas como a queimada é operacionalizada e quem executa essa operação? Que pessoas ou instituições estão por trás de quem executa as queimadas? Já se sabe que ONGs com representantes nacionais e internacionais atuam na região, mas como elas atuam? Como elas se relacionam com os povos indígenas e com instituições oficiais, como Ibama e ICMBio?
Já se sabe que o aumento das queimadas interfere no clima e em relações comerciais, mas como elas interferem na vida das pessoas que moram na região? Por fim, o que os ambientalistas que atuam na região têm a dizer sobre os bastidores das queimadas? A compreensão dessas relações e sua divulgação através de uma cobertura jornalística pode trazer um conhecimento que realmente sustente o debate da população. Resta saber se a população ainda vai estar tão atenta ao tema quando essas questões forem respondidas.
***
Silvia Meirelles é pós-doutoranda no POSJOR/UFSC e pesquisadora do ObjETHOS.