Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bolsonaro, Macron e os personalismos midiáticos

(Foto: Frederico Mellado / ARG)

Nos últimos dias, a Floresta Amazônica (mais precisamente os incêndios que lá ocorrem) tem sido um dos principais assuntos debatidos em rodas de conversa Brasil afora. Nas redes sociais, internautas das mais variadas tendências ideológicas se posicionaram sobre os crimes ambientais na maior floresta equatorial do mundo. Para os opositores do atual governo, as declarações de Bolsonaro, favoráveis ao agronegócio e ao afrouxamento da fiscalização ambiental, incentivam o desmatamento. Por outro lado, os fiéis defensores do “mito”, alinhados ao discurso do Planalto, acusam ONGs de estarem por trás dos incêndios e, como não poderia deixar de ser, mencionam exaustivamente que na época do PT também havia degradação da floresta (nesse sentido, a própria Rede Globo utilizou uma fala descontextualizada do ex-presidente Lula para insinuar que as políticas para a Amazônia do petista e de Bolsonaro eram semelhantes).

Como tudo que diz respeito à Amazônia reverbera rapidamente em escala planetária, celebridades de diferentes áreas, como Madonna, Cristiano Ronaldo, Leonardo DiCaprio e Demi Lovato, também se manifestaram sobre o que tem ocorrido no norte do Brasil. Já no âmbito geopolítico, a Floresta Amazônia sempre despertou a cobiça das principais nações imperialistas, sobretudo os Estados Unidos – além de ajudar a regular o clima global, ela abriga o maior aquífero do planeta, possui inúmeros recursos naturais e concentra enorme biodiversidade, o que, para o sistema capitalista, pode ser traduzido por uma única palavra: “lucro”.

Não por acaso, Donald Trump, Evo Morales, Angela Merkel, Emmanuel Macron e o Papa Francisco, entre outros chefes de Estado, cada um com o seu interesse específico, têm acompanhado atentamente o que acontece na Amazônia. Em sua conta no Twitter, Macron disse que a Amazônia em chamas se tornou uma crise internacional que precisa ser discutida pelos países membros do G7. Não obstante, esse tuíte foi o suficiente para gerar um mal-estar entre os presidentes da França e do Brasil e para que a mídia brasileira transformasse o complexo jogo de interesses que envolve a geopolítica da Amazônia em um mero conflito pessoal entre Macron e Bolsonaro.

Desse modo, todo um cenário multifacetado, que abrange dimensões ambientais, geopolíticas, históricas, econômicas e sociais passou a ser abordado pela mídia de uma maneira personalista e maniqueísta. Isso significa (equivocadamente) que, se você for contrário à política de Bolsonaro para a Amazônia, deverá ser, necessariamente, favorável a Macron (por mais que não concorde com sua postura neoliberal); e, por outro lado, para defender o governo Bolsonaro, também deverá atacar a figura de Macron (por mais que você o tenha elogiado em um passado recente). Consequentemente, a mídia conseguiu desviar o foco da questão principal — a soberania brasileira sobre a Amazônia — para uma pauta secundária: os antagonismos e as ofensas mútuas nas redes sociais entre Bolsonaro e Macron.

Nesse sentido, o exército virtual bolsonarista agiu prontamente para atacar a figura de Emmanuel Macron, ressaltando, entre outras questões, que a poluição do ar na França é intensa (como se isso justificasse os incêndios na Amazônia) e que o governo francês reprimiu violentamente os protestos dos chamados “Coletes Amarelos” (que até pouco tempo eram considerados pelos conservadores brasileiros como “manifestantes baderneiros”, pois não faziam mobilizações pacíficas aos domingos com o uniforme da seleção francesa). Por sua vez, um internauta mencionou que “Macron persegue Bolsonaro porque, enquanto a esposa do presidente francês é 24 anos mais velha do que ele, Michelle Bolsonaro tem 27 anos a menos do que seu marido”. Aproveitando a deixa machista, o próprio Jair Bolsonaro respondeu: “Não humilha cara. kkkkkkk”. Ainda nessa linha familiar, Eduardo Bolsonaro, cotado para ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos ou mesmo chanceler, compartilhou um vídeo nas redes sociais que chamava Macron de “idiota”; e Carlos Bolsonaro escreveu: “o povo venezuelano é massacrado por um ditador comunista e o Dória francês [referência a Macron] e seus amigos não dão um pio”.

Se, para o exército bolsonarista, linchar virtualmente Macron foi tarefa fácil, pois eles mudam rapidamente seus posicionamentos de acordo com as circunstâncias, para a grande mídia, “virar a casaca” e atacar o presidente francês foi algo mais complicado. Afinal de contas, o neoliberal Macron, escolhido a dedo pelos banqueiros para governar a sexta maior economia do planeta, era tido até então como um governante “apolítico”, “nem de direita, nem de esquerda” e “avesso a polarizações”. O jornalista Pedro Bial inclusive já apontou em seu programa na Rede Globo que Macron pode ser um exemplo para que o Brasil supere a polarização política dos últimos anos.

Mesmo com todo o apoio anterior ao presidente francês, a mídia tinha um cínico argumento para blindar Bolsonaro das falas de Macron: a defesa da soberania nacional. Segundo a Folha de S.Paulo, Macron está usando Bolsonaro como trampolim para ganhar prestígio internacional. Danilo Gentili, apresentador do programa The Noite, no SBT, escreveu em seu Twitter que “Macron não consegue apagar o fogo que colocam em pneus nas ruas de Paris nos protestos e quer apagar incêndios florestais no país alheio”. A Rede Record, fiel aliada do governo, cedeu consideráveis espaços em seus noticiários para as declarações de deputados da bancada ruralista que afirmavam que Macron não estaria preocupado com a preservação ambiental, mas com medo do acordo fechado entre Mercosul e União Europeia. Ainda segundo os ruralistas ouvidos pela emissora de Edir Macedo, alguns países europeus teriam interesse em tirar do mercado produtos brasileiros, mais baratos e de melhor qualidade. Seguindo essa linha de raciocínio, um artigo do site O Antagonista apontou que o “espertalhão Macron usou a carta da ‘Amazônia em chamas’ para sabotar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul que enfrenta forte resistência dentro da França, principalmente por parte dos agricultores que temem a concorrência do agronegócio brasileiro”.

Ora, é extremamente contraditório que uma mídia que comemorou efusivamente a entrega do pré-sal para os grandes capitalistas internacionais, que é favorável a todo tipo de venda a preço de banana do patrimônio nacional e que está em forte campanha pela privatização da Petrobras agora estar se passando por “defensora” do Brasil contra o imperialismo francês. Trata-se de uma postura extremamente cínica, que deve ser denunciada.

No entanto, não foram apenas os setores conservadores que tiveram de reaver os seus discursos sobre Macron após as polêmicas envolvendo os presidentes francês e brasileiro tornarem-se o centro dos debates sobre os incêndios na Amazônia. Parcela considerável da esquerda (aquela que sempre cai nas armadilhas narrativas da grande mídia), no melhor estilo “o inimigo do meu inimigo é meu amigo” e sem qualquer preocupação em fazer uma análise holística sobre o que realmente está por trás das reais “preocupações” das nações imperialistas em relação à maior floresta equatorial do planeta, prontamente se apresentou para “defender” o presidente francês e, não obstante, qualificar como “bolsonarista” quem denunciasse as segundas intenções de Macron.

Fazendo um caminho inverso aos apoiadores de Bolsonaro, mas igualmente personalista, algumas feministas utilizaram o fato de Macron ser casado com uma mulher mais velha para demonstrar total apoio ao presidente francês, negligenciando assim o caráter político de seu governo, fator que, em essência, define a atuação de um homem público. No Facebook, um professor escreveu que apoia a atitude de Macron em convocar a cúpula do G7 para propor uma saída para a crise na Amazônia pois a Guiana Francesa, território ultramarino da França, também faz parte da chamada Amazônia Internacional.

Já páginas da web que se consideram “progressistas”, como Catraca Livre e Quebrando o Tabu, criticaram um partido político da esquerda brasileira que denunciou, em seu site, os interesses imperialistas da França sobre a Amazônia alegando que “os extremos sempre se encontram”, a partir de uma falsa premissa de que a “extrema-esquerda” estaria ao lado da “extrema-direita” de Bolsonaro nos ataques contra Macron. Nada mais fora da realidade, pois, ao contrário do que pensam as mentes maniqueístas, é devidamente possível defender a Amazônia dos ataques do atual governo brasileiro sem, necessariamente, apoiar as políticas imperialistas de Macron. Uma coisa não anula a outra.

Em suma, boa parte dos brasileiros anda tão desorientada politicamente que neoliberais (conhecidos por seus apoios às políticas entreguistas) cinicamente se dizem defensores das riquezas de nosso país e indivíduos que se consideram à esquerda do espectro político ingenuamente acreditam nas “boas intenções” do presidente de uma nação imperialista. Definitivamente, a geopolítica amazônica é muito complexa para ser resumida entre apoiar Macron ou Bolsonaro.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestre em Geografia pela UFSJ e professor do PROEJA do IFES – Campus Vitória. Autor (em parceria com Vicente de Paula Leão) do livro A influência dos discursos geopolíticos da mídia no ensino de Geografia: práticas pedagógicas e imaginários discentes, publicado pela editora CRV.