Publicado originalmente no blog Jornalismo nas Américas
Dos novos veículos que surgiram no Brasil nos últimos anos, o Projeto #Colabora se distingue por ter formado uma rede de 260 jornalistas espalhados pelos quatro cantos do país. De acordo com Agostinho Vieira, fundador do site, esses colaboradores são um dos principais ativos do projeto, sem fins lucrativos, que está quase completando quatro anos e projeta fechar 2019 com uma receita de R$ 1,8 milhão.
“Temos contatos de gente que pode eventualmente fazer um trabalho jornalístico em qualquer lugar do Brasil. Se precisarmos de alguém que faça vídeo no Piauí, temos. Um infográfico no Maranhão, temos”, descreveu ao Centro Knight. Jornalista veterano, Vieira tem mais de trinta anos de carreira na imprensa tradicional, com larga experiência em cargos executivos em grandes redações, como a do jornal O Globo e a da Rádio CBN.
A rede do #Colabora começou a se formar pouco antes do nascimento do site. A ideia começou como uma ação de marketing para chamar a atenção para o lançamento.
“Faltando um mês para o lançamento do #Colabora (outubro de 2015), nós convidamos os amigos para escrever, fotografar e filmar. Seria uma ação de lançamento, justificada pelo nome do projeto. Tivemos cerca de trinta colaborações. Da [jornalista] Flávia Oliveira até a ministra do Meio Ambiente na época, Izabella Teixeira. Acontece que o que era para ser uma ação pontual virou rotina”, lembrou Vieira.
O resultado é que hoje a seção “quem somos” do site, tradicional em praticamente todos os veículos de mídia alternativa e em muitas startups, é bem maior que a da maioria.
“As pessoas nunca mais foram embora e os trinta iniciais viraram quase 300 hoje, com as mais diferentes habilidades. Cerca de 10% trabalham voluntariamente, sem receber nada do #Colabora”, disse o jornalista.
É essa rede que faz reportagens não apenas para o Projeto #Colabora, mas também para o #Colabora Marcas, braço comercial do site, que produz o conteúdo contratado para empresas em seus sites e projetos institucionais. Ele é hoje responsável pela maior parte das receitas do site: em julho de 2019, respondeu por 84% do total.
Conteúdo para marcas: receita inesperada
No início, no entanto, assim como a rede de colaboradores, a produção de conteúdo para marcas não estava nos planos do site. O #Colabora surgiu do desejo de Vieira de continuar o trabalho que já realizava no seu blog sobre sustentabilidade e economia criativa. Para isso, convocou outras duas jornalistas com quem havia trabalhado: Valquíria Daher e Liana Melo, conforme informou na época o Centro Knight.
“Esse é o tema mais importante a ser coberto pelo mundo hoje, principalmente quando se olha sob o ponto de vista dos ODSs [Objetivos do Desenvolvimento Sustentável]. Não existe nada mais relevante do que erradicar a pobreza (ODS1), erradicar a fome (ODS2), saúde de qualidade para todos (ODS3), educação de qualidade para todos (OSD4) e todos os outros objetivos do desenvolvimento sustentável”, explicou Vieira.
Segundo o fundador, a ideia de colocar no ar um site para produzir reportagens sobre desenvolvimento sustentável pareceu relativamente fácil, sobretudo do ponto de vista financeiro. Ao contrário do que parece ser a experiência da maior parte dos jornalistas que se aventuram a lançar seus veículos alternativos, o #Colabora não havia publicado nenhuma linha quando fechou o primeiro anúncio.
“Éramos apenas uma apresentação de PowerPoint quando conseguimos nosso primeiro patrocínio, da Coca-Cola. Logo descobrimos que não seria tão fácil”, lembra Vieira. “Publicidade é receita com viés negativo para toda a mídia, seja o #Colabora, O Globo ou o New York Times”.
Ao longo do tempo, a realidade se impôs e ele se deu conta de que não conseguiria manter o site dessa forma. O mercado de mídia em 2015 já não era favorável nem para os grandes veículos, muito menos para as startups de jornalismo. Foi aí que apareceu uma oportunidade: “Seis meses depois [do lançamento do site], surgiu produção de conteúdo para terceiros [como fonte de receita]. Fomos contratados para fazer um site institucional, também para a Coca-Cola”, explica o jornalista.
Surgiram outros projetos na medida em que empresas e instituições de diferentes setores precisavam de conteúdo sobre sustentabilidade, a especialidade do Projeto #Colabora, como a Enel (distribuidora de energia), a B2W (comércio eletrônico), e a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos).
A partir daí, o modelo de negócio se consolidou e isso se refletiu na estrutura do site, hoje dividido entre o Projeto #Colabora, que faz uma cobertura jornalística do desenvolvimento sustentável, e o #Colabora Marcas, que produz o conteúdo contratado para empresas em seus sites e projetos institucionais.
Superávit é reinvestido no site
Segundo Vieira, o site arrecadou R$ 1,5 milhão em 2018, com resultado positivo de 8%. Para 2019, a projeção é alcançar R$ 1,8 milhão, com margem menor, de 5%, devido a investimentos na reformulação do site e na mudança de sede. Todos os dados financeiros são abertos e atualizados periodicamente no site.
Considerando os dados mais recentes, de julho de 2019, a produção de conteúdo para terceiros gerou 84% de um total de R$ 124.804,67 das receitas do #Colabora no mês. A publicidade respondeu por 13,3%, seguida por doações em forma de trabalho (1,84%) e uma parcela tímida de financiamento coletivo dos leitores (0,83%).
Já a maior parte dos gastos fica com o pagamento da equipe (76%), despesas administrativas (9,39%) e impostos (14,23%). Em julho, houve prejuízo de R$ 33.942,83. O mês de agosto também vai fechar no vermelho, segundo Vieira. Mas, de acordo com ele, isso não muda a projeção de faturamento de R$ 1,8 milhão em 2019, com superávit de 5%. Como se trata de um veículo sem fins lucrativos, toda receita é investida no próprio site.
Há ainda, no entanto, muito a melhorar, como explica o fundador do site: “Nossa inspiração foi o Texas Tribune, que tem patrocínio, financiamento de fundações, publicidade e eventos como o Festival do Texas [Texas Tribune Festival, em inglês]. Fizemos e continuamos fazendo eventos, mas não deram muito resultado. Em financiamento coletivo, não somos bons”, admite o jornalista.
Por isso, o crescimento projetado está relacionado às novas adições da equipe. Das três pessoas que lançaram o site, todas jornalistas, agora são quinze, incluindo três no time de vendas e uma especialista em métricas e engajamento de audiência.
É o caso de Renata Fernandes, que, assim como Vieira, tem uma longa carreira trabalhando na mídia tradicional, mas como executiva de contas, responsável por prospectar e desenvolver relações com anunciantes. Depois de passar quase toda a carreira no departamento comercial do jornal O Globo, ela agora encara o desafio numa pequena startup de jornalismo ainda pouco conhecida do grande público.
“Como não temos uma audiência grande, somos nichados, vender publicidade pura e simplesmente não é o meu cartão de visitas. Tenho de vender mais o conceito de ele estar no ambiente com sustentabilidade como tema. Existe também um pouco de resistência porque as pessoas não conhecem o #Colabora. Na maioria das vezes, quando apresento, é o primeiro contato com a marca”, explicou Fernandes ao Knight Center.
Desde fevereiro no site, ela ainda não fez nenhuma venda nem fechou nenhuma parceria, mas é otimista em relação ao que é possível fazer dentro da estrutura do #Colabora.
“Ainda não consegui fazer venda, estou plantando sementes, e isso me frustra um pouco. No entanto, a pouca coisa com que eu me envolvi, Agostinho diz que [o site] ‘ganhou dinheiro com a Renata’. É uma mudança radical na minha rotina. Trabalhei 21 anos no comercial do Globo, onde tudo é segmentado, e hoje tenho mais liberdade. Ao mesmo tempo, nas mídias tradicionais, o comercial e a redação têm um distanciamento maior. Nós nunca vamos pautar a redação, mas se a gente sabe o que eles estão fazendo, podemos pensar em oportunidades”, explicou a executiva de contas.
Aposta no engajamento da audiência
Na mesma linha do fortalecimento do departamento comercial do #Colabora, a necessidade de conhecer melhor a audiência e identificar oportunidades trouxe ao time a jornalista Vivianne Cohen, especialista em métricas e engajamento da audiência. Além de melhorar os números do site, ela tem a missão de bolar estratégias para aumentar os números de leitores que fazem doações, o que representou menos de 1% das receitas em julho.
Vinda da mesma mídia tradicional que os colegas, Cohen reconhece que encontrou um cenário mais positivo e dinâmico na redação do #Colabora, um site jornalístico que já nasceu digital. Mesmo assim, para se tornar a referência em sustentabilidade no mercado brasileiro, há um longo caminho a cumprir.
“A ideia é ter a cultura de métricas tanto na produção quanto na distribuição de conteúdos. De que forma, através das métricas, podemos melhorar tanto a audiência e o engajamento quanto o conteúdo que é produzido. Meu papel é estar sempre vendo rapidamente os resultados e mudar rapidamente o rumo”, disse Cohen ao Knight Center.
A reformulação do site e a contratação de pessoas para outros setores não diretamente envolvidos na criação de conteúdo estão ligadas também a outras duas novidades lançadas este ano, segundo Vieira. A primeira é a mudança das editorias para os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, aprovados por 193 países. A outra é a criação da bolsa #Colabora de reportagem, com 125 inscritos e quatro vencedores, que receberão R$ 5 mil para produzir suas reportagens. A prioridade foi dada a propostas de reportagens que ocorressem no deserto de notícias, onde não há jornalismo profissional.
“No fundo, temos cinco grandes objetivos. Produzir conteúdo de qualidade, ampliar o share of mind, que pessoas pensem no #Colabora quando pensarem em sustentabilidade, audiência e receita. O quinto item é o propósito. Fazemos jornalismo com propósito. Queremos que isso aqui aconteça”, disse Vieira. “Diferente do tempo que eu era do Globo, isso é importante. Qual é o legado, o benefício para a sociedade? Se não tiver isso, o resto não faz sentido”.
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Júlio Lubianco estudou jornalismo na Universidade Federal Fluminense (UFF), fez mestrado em mídia e comunicação na London School of Economics, é professor do curso de jornalismo da PUC-Rio e apresenta o podcast do BRIO, que discute jornalismo, carreira, mercado e tecnologia.