Publicado originalmente no site objETHOS
Considerado um mal necessário diante de um contexto de crise e de queda da publicidade tradicional, o conteúdo patrocinado é uma forma de mídia paga em que o conteúdo comercial é entregue dentro do design e forma do conteúdo editorial. Em artigo publicado anteriormente no ObjETHOS, após observar as homepages de alguns veículos jornalísticos brasileiros, chamei atenção para o fato de que muitos deles não passam de clickbait.
Fiz novamente o exercício e a constatação foi semelhante: na home da Gaúcha ZH, “Mulheres chocam médicos removendo rugas com esse truque”; no Estadão, “O fim do diabetes? Cientistas de São Paulo relatam uma sensação”. Só para ficar em dois exemplos.
Mas será que é possível encontrar conteúdo de qualidade nos textos patrocinados? Neste artigo, Mia Čomić dá dois exemplos que podem significar um necessário salto de qualidade no que se refere ao tema. O primeiro é do The New York Times, que publicou este material pago pela Netflix sobre por que o modelo prisional masculino não funciona para mulheres presas, como parte da campanha para a nova temporada da série Orange is the New Black. Para Mia Čomić, o conteúdo, que conta uma história real, coloca em questão um assunto normalmente marginalizado, e tem valor para o leitor.
O outro exemplo vem da revista The Atlantic, que deu o passo ético após enfrentar uma crise. Em 2013, eles criaram um conteúdo patrocinado de página inteira para a Igreja da Cientologia e tiveram que retirá-lo do ar 24 horas depois devido à controvérsia e pressão pública. Mia Čomić conta que os editores pediram desculpas e admitiram o erro. “Desde então, a The Atlantic atualizou suas regras e diretrizes e fez um bom trabalho ao distinguir o conteúdo editorial do patrocinado”, afirma. Prova dessa mudança é o Re:think, projeto que ganhou o prêmio da Adweeks 2018 na categoria Branded Content. Trata-se de um estúdio dentro da The Atlantic que produz documentários, podcasts, revistas e artigos sobre temas como “a ética da inteligência artificial” (documentário feito para a Hewlett Packard Enterprise).
Entre as diretrizes da The Atlantic para conteúdos patrocinados está:
– Como em toda publicidade, o conteúdo patrocinado não reflete necessariamente a opinião da The Atlantic. Consequentemente, exibiremos com destaque o aviso “Conteúdo Patrocinado” de isenção de responsabilidade. Além disso, garantiremos que tratamento e design do conteúdo patrocinado são claramente diferenciados do conteúdo editorial.
Mas será que isso é suficiente? Para o jornalista Andrew Sullivan, “a inovação em publicidade e geração criativa de receita online são importantes. Sem eles, o jornalismo morrerá. Mas se os conteúdos patrocinados se tornarem efetivamente indistinguíveis do editorial, não corremos o risco de destruir a vila para salvá-la?”.
Neste sentido, algumas práticas éticas podem auxiliar organizações jornalísticas a tomarem melhores decisões frente aos conteúdos patrocinados:
– O veículo jornalístico deve ter uma equipe para criação de conteúdo patrocinado, que pertence à área comercial (e não à redação). Jornalistas que fazem textos para marcas não fazem reportagens e vice-versa.
– Instalar um plugin de uma empresa terceira que personaliza conteúdo patrocinado é um risco muito grande, pois o veículo jornalístico perde o controle do que exibe em sua própria homepage (vide os exemplos da Gaúcha ZH e Estadão). Ou seja, os editores não devem dar acesso total às marcas e permitir que elas publiquem o que quiserem sem supervisionar o processo.
– O gancho para o conteúdo patrocinado é sua utilidade para o leitor, e não um simples estímulo ao clique às custas de má qualidade. Marcas que entenderem isso (como a Netflix) podem levar aos leitores de notícias temas bastante pertinentes.
– Em termos de design, o conteúdo patrocinado deve se distinguir do editorial, de modo a sinalizar para o leitor que se trata de publicidade. O objetivo deve ser captar a atenção do leitor (e seu consequente clique) pelo assunto, e não fazê-lo cair numa armadilha achando que está lendo uma notícia.
– Criar regras e diretrizes claras – e disponibilizá-las publicamente – é essencial para a transparência com o leitor e para evitar possíveis crises.
Tais procedimentos éticos podem dirimir crises e resguardar a credibilidade dos veículos jornalísticos que realmente se importam com ela.
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Lívia de Souza Vieira é professora de Jornalismo na Faculdade IELUSC e pesquisadora associada do ObjETHOS.