Publicado originalmente no site objETHOS
Desde que chegou ao país, em 2016, The Intercept Brasil (TIB) se propôs a fazer um jornalismo de impacto, sem amarras e com transparência, “responsabilizando poderosos por meio de um jornalismo destemido e combativo”. A agência de notícias tem cumprido com maestria essa função e, mais do que isso, tem nos ensinado muito sobre inovação e transparência.
Desde 9 de junho, quando o site começou a noticiar as reportagens da Vaza Jato, nós, jornalistas e pesquisadores do objETHOS, temos analisado a cobertura por diversas perspectivas. E arrisco dizer que os desdobramentos do Watergate brasileiro renderão ainda diversas novas reflexões.
A primeira delas diz respeito à transparência. O editorial explicativo com os motivos que levaram o TIB a realizar a série de reportagens é um material essencial para compreender um dos processos de inovação realizados pelo site, nunca antes visto na história do jornalismo.
Depois do editorial, uma postura inédita, que não é comum entre jornalistas, passou a fazer parte da rotina de membros da equipe do TIB. O editor-executivo Leandro Demori e o cofundador e colunista Glenn Greenwald passaram a participar de entrevistas nos mais diversos e distintos meios para responder dúvidas acerca da cobertura do vazamento. Eles estiveram, inclusive, em audiências na Câmara e no Senado para esclarecer dúvidas. O juiz Sergio Moro esteve no Senado; o procurador-chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, entretanto, não apareceu.
Além disso, Demori e outros editores também têm corrido o Brasil ocupando outros espaços, principalmente nas universidades. Em uma das oportunidades precisaram, inclusive, de segurança ampliada em função de ameaças.
Não só essa postura dos repórteres é inovadora, mas também a estratégia de divulgação/distribuição das reportagens. Inicialmente, assim que estavam com os materiais em mãos, o site recebeu a negativa de alguns veículos para divulgar o conteúdo em parceria. Dessa forma, resolveu dar o primeiro pontapé e deu o furo sozinho. A partir dos desdobramentos e repercussões, novos veículos entraram na empreitada de checagem, edição e divulgação dos materiais, como El País, Veja, Folha de S.Paulo. O intuito, conforme mencionou Demori em entrevista, é atingir as mais variadas audiências, desconstruindo o discurso feito em torno da operação. Do ponto de vista da inovação, o modus operandi se assemelha ao realizado no caso Snowden: vários veículos estão ajudando na apuração e edição, descentralizando a enorme quantidade de materiais entregues pela fonte.
Jornalismo de impacto
O salto de reconhecimento público que o site teve após o primeiro crowdfunding das eleições (objeto de estudo da minha pesquisa de mestrado), e após a Vaza-Jato, levou os números da campanha recorrente de membros a um alto patamar: hoje, 11.493 pessoas doam dinheiro para que a equipe faça jornalismo. Muitos ainda não conheciam o TIB, mas, após a cobertura de impacto acerca das ilegalidades cometidas por agentes públicos, passaram a financiar e consumir outros conteúdos investigados pelo site, haja visto que é uma prática permanente da equipe.
Em julho de 2019, o editor-executivo Leandro Demori esteve na UFSC, em um desses momentos viabilizados a partir dessa forma inovadora de atuar, e, diante de um auditório lotado, explicou que a receita do site é simples: “Fazer bom jornalismo é a primeira premissa”. E não um simples jornalismo, mas um jornalismo de impacto público: “[…] não adianta só contar historinha, tem que fazer jornalismo, prestar contas e falar ‘lembra disso aqui que você deu dinheiro pra gente fazer? Então, a gente fez e aconteceu tal coisa’. A gente sempre tá fazendo newsletter sobre isso, sempre faz newsletter de impacto: ‘olha, no ano passado, dissemos tal coisa, graças a isso bloquearam essa grana aqui dessa servidora, ou houve essas demissões, ou soltamos 130 pessoas da cadeia’. A gente tem sempre preocupação em comunicar impacto pro público. Acho que isso é o que faz que tenha o clique da decisão de doar dinheiro, e é muito importante, a gente não tá contando historinha”.
A entrega desse jornalismo de impacto, somada à inclusão da sociedade nesses debates (por meio das palestras, por exemplo), é altamente positiva e essencial em tempos de crise na profissão, e é também considerada uma das apostas para o futuro do jornalismo de acordo com Jeff Jarvis, professor da City University de Nova York, em entrevista ao El País. Ele destaca que o caminho é a produção de materiais originais, fugindo do comum e do óbvio. Dessa forma, os profissionais precisam voltar-se para outras métricas, como as de valor, criando conteúdo valioso para as pessoas, incluindo “jornalismo investigativo, agindo como vigilantes do poder”, colocou Jarvis.
Essa é exatamente a postura adotada pelo site ao longo desses três anos. A agência de notícias segue fiel ao que se propôs quando chegou ao país: transparência aliada a um jornalismo de impacto, não só na cobertura da Vaza Jato, mas em todas as demais realizadas pelo veículo.
Como vigilante do poder, o site também presta contas de todos os seus resultados. No editorial de um ano de lançamento, em agosto de 2017, eles reafirmaram seu compromisso com o jornalismo independente e de impacto, e lembraram de fatos emblemáticos e de grande repercussão naquele ano, que refletiram nas mais diversas esferas e poderes.
“Para nós, esse tipo de responsabilidade e transparência é o objetivo mais nobre do jornalismo e o mais potente fator para o fortalecimento da democracia”, dizia o texto.
Vale lembrar que as prestações de contas também chegam em forma de newsletter (também gratuita), como contou Demori, mostrando os resultados obtidos pelo TIB a partir dos mais diversos assuntos. A imagem abaixo, por exemplo, refere-se ao caso do médico ginecologista Felizardo Batista, denunciado por abuso sexual, que teve seu inquérito avaliado por um “amigo”. Conforme o texto da newsletter, Batista foi afastado da função médica.
As novas práticas executadas pelo site, seja ocupando espaços para aproximar a sua forma de fazer jornalismo da sociedade ou prestando contas do trabalho realizado, inspiram, provocam reflexões e debates, apresentando-se como transformações positivas no jornalismo. Os desfechos relatados acerca de reportagens de outros assuntos (como vimos acima), no caso dos vazamentos da Vaza Jato, ainda estão por vir. Enquanto isso não acontece, a cobertura nos deixa muitas lições para serem incorporadas no dia a dia profissional, unindo forças para robustecer o jornalismo, a sociedade e a democracia.
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Tânia Giusti é mestre em Jornalismo pelo PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS.