Publicado originalmente no blog Jornalismo nas Américas
Uma maratona de jornalismo colaborativo que envolveu cerca de 100 pessoas – quase todas elas mulheres – na Argentina e resultou em treze reportagens publicadas em doze meios está prestes a ser repetida na Colômbia e no México para trazer à luz temáticas sociais relacionadas a direitos humanos e justiça social.
Entre os últimos dias de agosto e o primeiro de setembro, o projeto Historias #EnResistencia publicou reportagens produzidas por 84 profissionais – entre jornalistas, designers, programadoras e outras. As matérias trataram de temas sociais como a situação de pessoas trans encarceradas, a migração de crianças venezuelanas e a importância do trabalho das parteiras na Argentina.
Esse esforço coletivo começou a ser forjado pouco mais de um mês antes, em um fim de semana de julho, em Buenos Aires, quando a organização Chicas Poderosas reuniu 100 pessoas no Mediatón #EnResistencia. A maratona colaborativa foi a primeira realizada no país pelas Chicas, uma rede internacional que busca fomentar a presença de mulheres nas mídias digitais.
“Na Argentina, este é um ano eleitoral, então toda a cobertura jornalística está muito focada em política e eleições. A proposta do nosso mediatón foi falar das problemáticas sociais vinculadas, por exemplo, a direitos humanos, gênero, infância, migração, meio ambiente, povos indígenas, colocá-las na agenda midiática”, disse Belén Arce Terceros, jornalista e membro da rede Chicas Poderosas e uma das organizadoras do projeto, ao Centro Knight.
As profissionais participantes foram selecionadas a partir de inscrições realizadas previamente, com critérios como diversidade regional e trajetórias pessoais e profissionais. O evento foi estruturado de modo que elas recebessem treinamento em habilidades como produção de vídeo e visualização de dados, por exemplo, que depois seriam usadas na produção das reportagens. Estas surgiram a partir de apresentações de treze organizações sociais que falaram sobre os temas com os quais trabalham e que consideram sub-representados nos meios da região.
As participantes do mediatón então se dividiram em grupos segundo o tema que gostariam de trabalhar e a eles foram designadas mentoras, jornalistas mais experientes que atuaram como editoras e coordenadoras das reportagens. As equipes saíram do evento com um cronograma para as quatro semanas seguintes, ao fim das quais os trabalhos tinham que estar prontos para serem publicados em algum meio jornalístico digital, que já haviam sido contatados pelas Chicas e topado participar da iniciativa.
O resultado final superou as expectativas das organizadoras. Gia Castello, também jornalista, membro das Chicas e uma das organizadoras do mediatón, disse ao Centro Knight: “A ideia que tínhamos era que, bem, que venham treze organizações, e se ninguém quiser algum tema, ficarão doze. E depois, se alguém fica pelo caminho? Bom, ao fim se publicarão dez. Mas tivemos treze mesas de trabalho, tivemos que ir buscar três mentoras extras para acompanhar o processo, e no fim acabaram sendo publicadas as treze histórias”.
As organizadoras disseram que buscaram diversidade entre os meios convidados a publicar as histórias. Entre eles estão jornais como Clarín, um dos maiores da Argentina, e Página/12, assim como meios menores, a exemplo de Cosecha Roja e Revista Colibrí, e sites regionais, como Revista Late e Distintas Latitudes. “A ideia era tentar chegar à maior quantidade de públicos possíveis”, disse Terceros.
Na Argentina, elas já planejam outro mediatón para maio de 2020, mas a próxima maratona de jornalismo colaborativo na agenda das Chicas acontecerá em 11 e 12 de outubro em Popayán, capital do departamento de Cauca, na Colômbia. Com o tema #TierraPoderosa, a ideia é reunir 100 comunicadoras locais para produzir reportagens colaborativas e multimídia sobre questões ambientais e lideranças sociais com perspectiva de gênero e publicá-las em meios jornalísticos. As inscrições para este evento estão abertas até o dia 26 de setembro.
Em novembro, acontece o mediatón #VocesEnAlza, na Cidade do México, cujo tema será a violência e o assédio contra profissionais de mídia. No dia 7 de outubro acontece o primeiro encontro relacionado ao evento, que está com inscrições abertas. Entre os apoiadores dos mediatóns estão Google News Initiative, Open Society Foundations, Meedan, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Embaixada dos Estados Unidos no México.
Mais colaboração, melhor jornalismo
No site Red/acción, um dos meios parceiros do mediatón e que já publicou três das reportagens realizadas pelo projeto, o editor-geral Javier Drovetto disse ao Centro Knight que uma das razões para se aliar à iniciativa das Chicas Poderosas é que “a ideia de comunicar e fazer conteúdo jornalístico em colaboração, para nós, é um valor. Está claro que podemos fazer bom jornalismo, mas certamente vai ser melhor se o fazemos com alguém.”
“Neste caso, em particular, não necessariamente participamos da gênese do conteúdo jornalístico, mas acreditávamos que podíamos agregar valor no momento de apresentá-lo em nosso site e em nossas redes”, disse ele.
Mas nem todos os meios tinham essa familiaridade com o jornalismo colaborativo. “Muitos dos meios, no momento de publicar as histórias, diziam que seu sistema para publicar as matérias na internet não tinha espaço para mais de um autor, no máximo dois, e no caso eram quatro, cinco, sete”, disse Terceros, ao explicar que um dos impactos do projeto foi levar esse formato a meios que ainda não estão acostumados a trabalhar dessa maneira.
A colaboração jornalística não foi novidade apenas para alguns meios, mas também para 55% das profissionais que estiveram no mediatón e que nunca haviam trabalhado de maneira colaborativa até então, segundo pesquisa feita pelas organizadoras.
Mesmo com duas décadas de estrada no jornalismo, María Fernanda Rossi também nunca havia trabalhado de maneira colaborativa – e a oportunidade de fazê-lo foi um dos principais incentivos para que ela participasse do projeto.
“Há vinte anos trabalho como jornalista. Sou um pouco da velha escola, então para mim o trabalho jornalístico era buscar uma fonte, estar na redação, escrever a nota, mas fazer tudo isso sozinha”, disse ela ao Centro Knight. Rossi trabalha como editora no meio digital Sur54, que faz cobertura regional na Terra do Fogo, extremo sul da Argentina, e é uma das seis autoras da reportagem “#MiCorpoNoEsElProblema”, publicada pelo Clarín.
A colaboração, portanto, apresenta desafios, e o primeiro deles é aprender a trabalhar com outras pessoas, disse ela. “Entender que se tem certos vícios e poder ter as visões das companheiras que estão trabalhando sobre o mesmo tema, que leem, interpretam de forma diferente; dar-se conta de que nem sempre se tem a verdade na mão e na cabeça e poder aceitar esse olhar diferente. E também entender que havia coisas que uma não sabia fazer, mas a outra sim, e nos dar conta de que tínhamos que pedir ajuda se algo estava difícil. Esse também é um aprendizado muito grande.”
A jornalista Guadalupe Sánchez Granel também se viu movida a se inscrever na maratona pela chance de trabalhar colaborativamente, disse ela ao Centro Knight. “Embora eu trabalhe como jornalista há seis anos e já tenha trabalhado em alguns meios, esta não é a forma usual. Às vezes, nas redações, há algumas oportunidades, mas são poucas, e eu nunca tinha trabalhado fora da redação, com outras jornalistas que eu não conhecia, e me atraiu muito a ideia de poder fazer um projeto junto a outras profissionais”, disse.
Ela trabalha como redatora web no jornal com foco em economia e finanças El Cronista, em Buenos Aires, e é uma das sete autoras da reportagem em vídeo “Y a vos, quién te cuidó?”, publicada pela Revista Late.
“O mais valioso foi essa experiência de trabalhar com colegas de diversas redações, com diversas experiências e saberes, e o fato de poder materializar um trabalho jornalístico que também aporte a visibilizar um tema que não está na agenda da Argentina”, disse ela. “O que ficou para mim é que isso tem que ser feito mais vezes, temos que sair mais de nossas redações e buscar trabalhar colaborativamente. O jornalismo está em um momento de muitas mudanças e muita incerteza, de transição, talvez, a um modelo novo. E me parece que o jornalismo colaborativo é um das premissas que não pode faltar ao que vem por aí.”
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Carolina de Assis é jornalista e pesquisadora, mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda).