O programa Ídolos, do SBT, desperta o lado sádico escondido em cada um de nós. Ver os três ilustres jurados arrasando a auto-estima de milhares de medíocres aspirantes a artistas consegue arrancar de cada espectador o sorriso mais cruel que se poderia dar ante a desgraça do outro. É como uma vídeo-cassetada sem quedas. Os ácidos jurados falam com uma sinceridade assustadora, humilhando os ‘corajosos’ candidatos que, mesmo sem nenhum talento, buscam os seus quinze segundos de fama.
Porém nessa última semana um fato chamou-me a atenção. Um cearense conseguiu expor a mediocridade do pagode baiano para o cenário nacional. Com os grandes hits da ‘Música Prapular Baiana’ e as suas respectivas ‘coreografias’, o candidato Ticiano Caetano foi o alvo do assédio moral dos jurados, dessa vez, para o meu deleite e vergonha. Nada contra o candidato, mas sim, contra a falta de qualidade das músicas executadas incessantemente nas rádios da Boa Terra. Cantando e dançando os sucessos (sic) ‘Toma maderada'(banda Kortesia) e ‘Tchuco gostoso’ (banda É Xeke), a apresentação, obviamente reprovada, ganhou destaque no portal TerraTV. A ‘dancinha’, como foi denominada pelo portal é o grande sucesso das bandas de pagode no estado.
A situação se agrava a cada instante, mas como a indústria do entretenimento vai indo muito bem no mercado local, esses expoentes da MPB2 acabam se firmando e, o que é pior, proliferam de forma absurda. A falta de qualidade musical, em termos de letra, parece ser compensada pela qualidade técnica dos equipamentos de som. O insuportável volume alcançado pelos rádios dos carros de adultos e adolescentes pelas ruas de Salvador dá sempre destaque a essas composições de fácil assimilação, com duas ou três estrofes e 50 repetições de um refrão qualquer, que normalmente é homônimo ao nome da obra. É comum ver pelas ruas salvadorenses grupos de jovens ouvindo os hits difundidos no programa Ídolos, sendo executados por celulares e dançados exatamente igual ao candidato do SBT. Ou seja, o ridículo papel do cearense é uma prática comum na Bahia.
‘Passinhos’, ‘tchucos’ e ‘nhecos’
A indústria da música baiana, apoiada por grandes ícones, como Caetano Veloso, é uma das principais clientes de publicidade do estado, perdendo apenas para os governos em todas as instâncias e as grandes lojas de varejo.
Para se ter uma idéia, neste exato momento existe um outdoor em uma das áreas nobres de Salvador com a foto de um artista rasgando a camisa e exibindo os seus músculos, no melhor estilo incrível Hulk, ao lado do texto: Nheco-Nheco, o novo sucesso da banda x. Avaliando a peça de forma técnica, notamos que a música é o que menos importa. A foto do cantor tem o intuito de despertar qualquer outra necessidade ou desejo diferente do prazer de ouvir uma boa música. A peça publicitária é muito mais centrada na auto-promoção do artista, que inclusive já posou para a revista G Magazine, do que realmente em divulgar o texto principal do outdoor. Porém, mesmo sem ouvir a obra Nheco-Nheco, podemos deduzir duas coisas: irá surgir uma nova ‘dancinha’ igual à do aspirante a ídolo cearense e, obviamente, ouviremos uma incessante repetição do refrão, previsivelmente ‘nheco-nheco’.
Enfim, nada de novo. A triste constatação é: a Bahia que encantou o Brasil e o mundo com as letras e melodias de João Gilberto, Caetano, Gal, Bethania, Caimmy e tantos outras, hoje vive a triste realidade de ver sua poesia dispersada por ‘passinhos’, ‘tchucos’ e ‘nhecos’.
O vírus da ‘dancinha’
Pior mesmo é ver estampado em diversos sites de vídeos pela internet essa ‘nova ordem’ da música baiana, através da ridicularização do pobre Ticiano, em âmbito nacional, no SBT.
Como nordestino e baiano, sinto-me constrangido em ver tanta mediocridade na música do meu estado, além de ficar extremamente preocupado, já que o vírus da ruindade musical começou a romper as fronteiras do cenário local e ganhou destaque na mídia televisiva e principalmente, na internet. Agora é viral, um vídeo viral, assim como os famosos ‘tapa na pantera’ e o ‘bêbado Jeremias’, que projetaram para todo o Brasil a atriz Maria Alice Vergueiro e o programa Sem Meias Notícias, respectivamente. Não bastasse a gripe suína, essa outra pandemia pode tomar conta do mundo. O vírus da ‘dancinha da Bahia’.
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Analista de mercado, Salvador, BA