Desde que comecei a ‘bater ponto’ diariamente no jornal, já lá se vão 56 anos, os jornais mudaram muito. Quando comecei a freqüentar a redação de O Estado de S. Paulo, a imprensa tinha uma função predominantemente noticiosa e era acompanhada sobretudo por leitores ávidos de tomar conhecimento dos fatos do dia-a-dia em primeira mão. Havia os jornais matutinos e os vespertinos com primeira e segunda edições, e os grandes acontecimentos de ‘última hora’ exigiam até edições extraordinárias. Mas o rádio – que nos seus primeiros anos de atividade era puro entretenimento, não dedicando ‘espaço’ importante ao jornalismo – primeiro, e a televisão, depois, passaram a informar com mais rapidez, chegando à instantaneidade dos dias de hoje, quando os jornais se destacam, basicamente, por sua capacidade de dar ao público, que já tomou conhecimento dos fatos pelos veículos eletrônicos de comunicação de massas, uma visão mais abrangente do contexto em que estes fatos ocorrem.
No meio do tiroteio de notícias disparatadas, numa velocidade vertiginosa, muitas delas sem nexo para a maioria do público, o cidadão do século 21 precisa de um guia confiável para conduzi-lo no emaranhado de mensagens da comunicação selvagem, sob pena de sucumbir à indigestão pelo excesso de novidades a digerir ou de se ofuscar, a ponto de perder a noção de tempo, espaço, hora e lugar. Daí a importância crescente, além dos editoriais, das páginas de opinião dos jornais – como a nossa A-2 com seu Espaço Aberto, ou a B-2 do Caderno de Economia, como dos espaços ocupados pelos colunistas. Muitos leitores de jornais, se não a maioria deles, hoje, começam, como eu faço, a sua leitura diária por esses espaços. Os jornalistas e/ou colaboradores que os ocupam com competência, cumprem um papel relevante para evitar que os órgãos da mídia – escrita, falada, televisada – se transformem em veículos preferenciais da incompreensão generalizada ou degenerem numa espécie de rebentos bastardos da indústria do entretenimento.
Desde a criação do Jornal da Tarde, em 1966, cuja direção me coube, tenho tido o privilégio, o prazer e a alegria de conviver diariamente com esses profissionais da análise, que ensinam o público a pensar e disseminam o espírito crítico. Existe uma diferença básica entre a notícia, que é o mero registro do fato – e que hoje, pelo som ou pela imagem, chega à quase totalidade da população do planeta e não apenas aos que sabem ler – e a informação, que é o insumo básico da opinião, matéria-prima desses exegetas da vida cotidiana não apenas da sociedade nacional, mas de todas as sociedades desta Aldeia Global. Quase todas as notícias, aliás, não são na verdade novidade, mas apenas o registro de novos lances de longos processos em evolução. São recorrentes. Por isso, em tom de humor negro, costumo dizer que novidades nos jornais diários só são encontradas nas seções de falecimentos, uma vez que ninguém morre duas vezes.
Natureza efêmera
Mais recentemente, ao incorporar a minhas atividades diárias a direção de opinião do Estadão, passei a ter contato quase diário com Mauro Chaves, que, advogado, autor de peças teatrais, consagrado com uma abundante premiação, e de livros e ensaios, pintor bissexto também, começou sua atividade jornalística em 1979, como colaborador do Jornal da Tarde, atendendo a meu convite. Meu irmão, Júlio de Mesquita Neto, que dirigia o Estado naquela ocasião, gostou de seu estilo e o convidou para ser editorialista, função que exerceu rotineiramente até 1993. Desde 1999, também a meu convite, ele voltou a ser editorialista do Estadão, escrevendo sobre temas de sua predileção, como política, cultura, administração pública, movimentos sociais e, sobretudo, assuntos da área jurídica. Quase todo dia converso com Mauro pelo telefone, para trocar idéias, sobre os assuntos que merecem um comentário na nossa página A-3. É como se afinássemos nossos instrumentos, para propiciar, ao leitor do jornal, o melhor que nossas experiências e visões do mundo lhe possam servir, para tornar mais claro o panorama conturbado e, muitas vezes, confuso, do mundo noticiado, diariamente, em nossas páginas.
Duas vezes por mês, aos sábados, no Espaço Aberto, da página 2, Mauro Chaves faz chegar aos leitores do Estado também suas opiniões pessoais. Talvez não seja ocioso nem inócuo advertir que muitas vezes estas opiniões coincidem com as que ele expõe nos editoriais, mas nem sempre isso ocorre. Pois o editorialista põe seu talento de escritor a serviço da lógica, da clareza e do bom estilo, para expressar a opinião do jornal, um organismo vivo, com identidade e pensamentos próprios, com cuja opinião ele nem sempre concorda. Enquanto autor de artigos ele é o Observador Engajado – na definição de Raymond Aron – que contribui para a melhor compreensão dos eventos que vão fazer a história, relatados pela imprensa e exibidos pela mídia eletrônica, com sua visão particular do mundo, das coisas e das pessoas. Semeia idéias, defende ideais e forma opinião.
Primeiro leitor de seus editoriais e habitual leitor de seus artigos, recomendo a leitura desta coletânea, dos textos que ele assina quinzenalmente no jornal, reunidos neste volume. Esta é uma oportunidade para o admirador do estilo do jornalista Mauro Chaves se reencontrar com textos que já leu, mas dos quais se perdeu por culpa da natureza efêmera do material que o jornal veicula. Este livro é uma chance para estes fiéis leitores confirmarem a lucidez, a coerência e a coragem das posições assumidas, publicamente, pelo autor. E para quem ainda não teve a oportunidade de lê-lo no jornal, aqui é possível fruir o prazer de uma leitura que informa, faz pensar, mobiliza e agrada, ao mesmo tempo.
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Diretor de O Estado de S.Paulo