Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

É preciso resistir à censura

(Foto: Reprodução Programa Diversidade)

A censura às artes, à literatura e à cultura em geral é uma das características mais marcantes dos regimes autoritários e fascistas. Não são poucos os momentos na história em que peças de teatro foram proibidas, livros foram queimados ou “recolhidos”, filmes deixaram de ser exibidos. No Brasil, vivemos um desses momentos de obscurantismo. Precisamos ter consciência dele para que possamos somar forças e dizer não à censura. É preciso resistir às trevas neomedievais.

O episódio mais recente aconteceu com o brilhante grupo potiguar de teatro Clowns de Shakespeare, que teve a apresentação de sua peça Abrazos cancelada pela Caixa Cultural do Recife após vencer a seleção em edital aberto pela instituição. Depois do ocorrido, o grupo decidiu cobrar na Justiça os direitos previstos em edital, visto que a Caixa Cultural não apresentou justificativa adequada para o cancelamento. Abrazos é uma peça infantil sobre a “repressão ao abraço” inspirada em O Livro dos Abraços, do escritor uruguaio Eduardo Galeano.

A peça leva os espectadores à jornada de um menino que vive em um país onde não é permitido às pessoas se abraçarem ou demonstrarem qualquer afeto uns aos outros. “É uma censura travestida com argumentos jurídicos”, afirma o diretor da peça, Marco França, em seu perfil no Instagram. E completa: “Vemos um momento de barbárie no país, onde a verba pública para pesquisa e educação são cortadas, livros são censurados, artistas estão sendo perseguidos e tendo suas obras censuradas. Não nos calarão”.

Este é apenas o episódio mais recente. Em 2019, sob o governo Bolsonaro e suas versões nos estados, o espaço para a censura tem se ampliado. No Rio de Janeiro, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) censurou e mandou retirar da Bienal do Livro obras com temática LGBT por causa de um beijo gay que ilustrava uma história em quadrinhos.

Em abril, poucos dias antes de reestrear no Festival de Curitiba, o premiado espetáculo A mulher monstro, da trupe Sem Cia. de Teatro, fundada em Natal (RN) e sediada em Recife, foi censurado pela prefeitura da capital paranaense. O pretexto da perseguição é político: a peça se baseia em declarações polêmicas de personalidades como o presidente Jair Bolsonaro. Apoiador do governo direitista, o prefeito Rafael Greca (DEM) proibiu a encenação do espetáculo no Memorial de Curitiba, um dos equipamentos municipais que abrigam sessões do festival, no Centro Histórico.

A peça já foi exibida na própria cidade, há dois anos, durante o Festival de Curitiba de 2017. Na ocasião, todas as sessões estavam lotadas – o que ajudou a promover o espetáculo. Desde então, a peça recebeu aclamação por onde passou: doze cidades brasileiras, de sete estados, em três regiões do país, totalizando 62 sessões e 7 mil espectadores.

Mesmo sob perseguição, com prejuízos diante do veto autoritário e sofrendo ameaças nas redes sociais, a Sem Cia. de Teatro apresentou-se em local aberto, em defesa da arte, da liberdade e da democracia. “Como resistência, a apresentação teatral será no formato de rua e com livre acesso ao público”, informou o grupo, à época.

Em setembro de 2017, a exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira foi cancelada pelo Santander Cultural, em Porto Alegre. Com foco temático em diversidade sexual, a mostra reunia 270 trabalhos de 85 artistas e foi suspensa após protestos nas redes sociais liderados pelo Movimento Brasil Livre (MBL). A queixa era de que as obras, assinadas por nomes consagrados como Adriana Varejão, Cândido Portinari e Lygia Clark, faziam apologia à pedofilia e à zoofilia. Uma tentativa do Museu de Arte do Rio (MAR) de trazer a mostra para a capital fluminense foi desautorizada pelo prefeito Marcelo Crivella.

A livre expressão artística é alvo preferencial de ataques dos ultraconservadores, acolhidos pelo aparato jurídico-policial. Ainda em 2017, em Campo Grande (MT), a polícia apreendeu uma tela exposta no Museu de Arte Contemporânea do Mato Grosso do Sul sob a mesma acusação de apologia à pedofilia. No mesmo ano, um juiz também proibiu a peça Evangelho segundo Jesus, rainha do céu, minutos antes da estreia, no Sesc Jundiaí.

No Uruguai, a embaixada brasileira, que patrocina um festival de cinema no país vizinho, proibiu a exibição de um filme sobre a vida do grande artista Chico Buarque, sob pena de retirar o patrocínio.

A censura é o maior cerco à liberdade de expressão e à arte desde o fim da ditadura militar. A professora Carla Costa Dias, da Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ, considera o cenário muito preocupante. Em entrevista, ela afirmou que vivemos um período de retrocesso. “Temos visto um movimento de direita crescente. O MBL é financiado por corporações exatamente para impor uma pauta ampla de cerceamento dos movimentos sociais. Esse mesmo grupo faz apologia do que chamo de ‘Escola Com Censura’, que busca limitar a ação dos professores e o pensamento”.

Os ataques diretos são apenas uma parte da perseguição à arte e à cultura. Outra parte vem do cerco financeiro às produções que não se encaixam no modelo ideológico dos neofascistas brasileiros. Os ataques à Ancine e à Funarte e a pressão para que boa parte dos artistas não tenha suas obras financiadas, seja pela Lei Rouanet ou por outros editais, também fazem parte desse movimento para inviabilizar o pensamento crítico.

Está claro que precisamos de um amplo movimento em defesa da liberdade de expressão, das artes, da cultura e do pensamento crítico. Precisamos resistir, com ações e ideias. Nós, estudantes secundaristas, convidamos todos os setores incomodados com esse momento a cerrar fileiras e garantir a liberdade em todas as suas formas de expressão.

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Pedro Gorki é presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES).