A alegoria não é das melhores, mas é a que expõe a ironia da situação em cores bem vivas: fosse a OCDE um clube de países ricos em práticas da imprensa, o Brasil ficaria de fora.
Seria barrado pelo que não cobriu ou pelo que cobriu enviesado do novo episódio da série “Primeiro mundo, aqui vamos nós”. A imprensa brasileira patinou e, na correria, deixou-se flagrar em sua falta de aprofundamento, ausência de contexto, timidez na cobrança por dados concretos do cenário em questão, carência de rigor na checagem das declarações e, como se não bastasse, pegou o atalho da empolgação, o que fez alguns de seus veículos mais torcedores do que qualquer outra coisa. Foram festejar, meses atrás, o resultado do delírio de um governo recém-empossado e que já celebrava o ingresso do país no seleto grupo das economias mais influentes do planeta.
Jornalismo culpado
Como ocorre em episódios do gênero, a reversão das expectativas, agora, fez sobrar para a própria atividade jornalística.
Uma parte da imprensa apanhou no caso do Brasil na OCDE porque vibrou com a promessa americana que nem promessa era. Muito foi dito e relembrado de que não é papel do jornalismo torcer a favor do que quer que seja. Mas outra parte da imprensa, curiosamente, também apanhou. E apanhou porque, não tendo saído a indicação do Brasil, foi criticada por dar importância exagerada à recusa. Até de ter publicado fake news, segundo a reclamação bolsonarista, foi acusada.
Tem uma frase que, baseada no senso comum, mata qualquer chance de olharmos criticamente para o açoite que, vira e mexe, canta nas costas da atividade jornalística. É quando se diz: “a culpa é sempre da imprensa”. Funciona como ponto final e lá se vai mais uma oportunidade para a reflexão. Sim, é um escapismo de quem quer transferir responsabilidades, mas que acaba dando resultado. E isso ocorre porque o próprio jornalismo o legitima quando não discute a sua prática cotidiana, sempre sujeita a erros e acertos; riscos e oportunidades; cochilos e precipitações. Claro que o jornalismo não é infalível, mas o tempo da ingenuidade já deveria ter passado.
Questões que importam
Afinal, por que parte da imprensa brasileira cobriu a sinalização americana, em março, sem abrir espaço para a fragilidade do “acerto”? Por que baseou a cobertura na reprodução de declarações forçadas das duas autoridades em seus jogos de cena próprios de governantes que se pretendem midiáticos o tempo todo? E justo com governantes que, quando podem, não perdem a chance de alinhar órgãos de imprensa com parte da oposição a seus governos?
Pois no episódio da semana passada, no calor dos desdobramentos, aparecem questionamentos básicos adicionais: o que representa para um país fazer parte do grupo dos países ricos da OCDE? O que explica que o que (não) aconteceu era o que já estava no roteiro? Por que os economistas, diplomatas e especialistas em relações internacionais só estão sendo ouvidos agora, timidamente, com um considerável atraso de sete meses? Em que medida estar ou não na OCDE implica que se olhe para as ações do governo Bolsonaro, em várias áreas, e não se aguarde apenas que os governantes acertem os ponteiros diante das câmeras? Aliás, sendo Bolsonaro avesso à concertação política, o quanto desse seu perfil dificulta a inserção do Brasil nos fóruns do mundo globalizado? Quantos dos veículos chicoteados agora estarão dispostos a reagir em sua cobertura para episódios futuros e sem constrangimentos?
Ou a imprensa aprende a se defender, fazendo o que precisa ser feito, ou vai continuar como o garotinho mais novo de uma numerosa família. Quando alguma coisa sair errada, já se saberá de quem é a culpa. E a carapuça lhe cairá sem contestação.
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Fabiano Mazzini é jornalista, professor do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Faesa e mestre em História pela Ufes.