Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
Nas últimas três décadas, as Forças Armadas têm feito ocupações nas favelas cariocas com o objetivo de manter a segurança pública. A última ocorreu no governo do presidente Michel Temer (2016 a 2018). O que nós, repórteres, soubemos dos relatórios confidenciais elaborados pelos serviços de inteligência do Exército, da Força Aérea Brasileira (FAB) e da Marinha de Guerra? De muito pouco a quase nada. Entre todas as informações que constam desses relatórios, uma, em particular, nos interessa, que é sobre as milícias cariocas. Formadas por policiais militares, elas nasceram no início do século, se organizaram nos anos seguintes e hoje vivem seu apogeu. Começaram livrando os moradores das favelas das quadrilhas de traficantes. E logo transformaram essa proteção em um grande e lucrativo negócio – há várias matérias na internet a respeito. Os militares testemunharam o nascimento e o fortalecimento das milícias. Claro que não assistiram de camarote ao crescimento dos milicianos. Tudo foi documentado pelo Serviço de Informações das Forças Armadas. E como se tem acesso a essa informação?
A resposta é simples: é muito difícil. Mas não impossível. É nossa missão, como repórteres, tentar conseguir. E por que é importante obtermos essas informações? É simples também. Os milicianos não são mais um problema apenas das autoridades do Rio Janeiro. Eles são um problema nacional. Escrevi, em 9 de julho de 2018, o post “Saiba por que as milícias são o inimigo público número um do Brasil”. De lá para cá, eles só cresceram. Como prova a execução da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018, cujo envolvimento de milicianos foi provado pela investigação policial. O crime até hoje ainda está sem uma solução definitiva. Mas uma coisa o trabalho de investigação sobre a execução da vereadora e seu motorista já demonstrou: a infiltração dos milicianos na máquina administrativa do Rio de Janeiro é um fato. Os relatórios dos serviços de inteligência das Forças Armadas podem nos ajudar a saber com um grau bem confiável de segurança a dimensão dessa penetração das milícias no Estado.
Nos conteúdos que temos publicado sobre os milicianos, mencionamos a infiltração deles na máquina administrativa do Rio de Janeiro. Mas nunca conseguimos explicar a fundo como isso acontece. Uma informação importante para o nosso leitor. Mais ainda: de longe, o Rio de Janeiro, hoje, é o maior comprador de armas clandestinas da América do Sul. Até dois anos atrás, a maioria desse armamento vinha do Paraguai, trazida pelos bandidos do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. As duas facções têm grupos que vivem na fronteira do Brasil com o Paraguai, de onde trazem armas, munição e drogas para o território brasileiro. É um negócio milionário e, por esse motivo, os milicianos estão entrando no ramo. Como eles estão operando na fronteira paraguaia? Não sabemos. Mas sabemos que estão lá. E o que os militares sabem sobre isso?
As últimas informações públicas confiáveis sobre as milícias constam dos documentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em 2008, presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), amigo e aliado da vereadora Marielle. Já se passaram onze anos dessa CPI. A história nos ensina que criminosos se reorganizam para sobreviver com muita rapidez. Portanto, é lógico concluir que a organização da milícias, hoje, é bem diferente do que era em 2008. Por ser o crime organizado nas fronteiras do Brasil um dos focos da minha carreira de repórter, tenho boas fontes em unidades dos serviços de inteligência das Forças Armadas. Sei que existe uma conversa sobre a maneira mais adequada de se referir aos milicianos. Há oficiais que defendem o uso do termo “paramilitares”, que muito embora seja sinônimo de miliciano, dá uma ideia mais exata para a opinião pública da periculosidade desses grupos. Com frequência, os noticiários internacionais associam organizações paramilitares com o assassinato de autoridades e adversários políticos.
Aqui, eu lembro o seguinte para os meus colegas, especialmente os jovens repórteres na correria das redações. A nossa luta por tornar nossos conteúdos relevantes aos leitores é permanente. É do interesse do nosso leitor saber quem é quem nas milícias. Uma boa oportunidade de trabalho para nós. É simples assim.
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Carlos Wagner é jornalista.