Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
Em um dia qualquer do mês de setembro, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSL-RJ) escreveu nas suas redes sociais: “Por vias democráticas, a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos… E se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes”. Sou um velho repórter estradeiro de 69 anos, quarenta de profissão, que sempre se sente desconfortável quando alguém, mesmo nas entrelinhas, diz que a ditadura militar (1964 a 1985) que governou o país era mais eficiente do que o estado democrático em que vivemos. Ainda mais em se tratando do vereador que é filho do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ), capitão da reserva do Exército, que fez sua carreira política enaltecendo a tortura de presos políticos durante a ditadura. O assunto foi destaque em todos os noticiários do país. Não escrevi nada a respeito. Por quê?
A resposta a essa pergunta interessa aos jovens repórteres e principalmente aos estudantes de jornalismo. Há um pecado muito comum que os velhos repórteres cometem, que é deixar a indignação de lado. Foi o que fiz. Por quê? Creio que porque existe um pensamento mágico na América do Sul de que o autoritarismo é mais eficiente do que a democracia. Nas redações, mesas de boteco e nas conversas com entrevistados, a gente sempre ouve essa bobagem e acaba achando normal. Não é normal. As manifestações nas ruas do Chile estão nos lembrando do absurdo que é acreditar que o autoritarismo é mais eficiente do que a democracia. Lembro que, antes do post do vereador, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez elogios à eficiência das reformas promovidas pelo então ditador chileno general Augusto Pinochet (1973 a 1990). Há documentário muito completo que explica o que aconteceu na economia chilena durante a ditadura militar: Teoria do Choque, da jornalista canadense Naomi Klein, disponível na internet.
As reformas econômicas do Pinochet resultaram na criação de dois países: um é o dos indicadores econômicos que deixam faceiros os economistas e os especuladores do mercado financeiro. O outro é o da miséria imposta a uma grande camada da população pelo rompimento dos programas sociais. Hoje, são esses dois Chiles que estão nas ruas gritando por reformas. Claro, há outros motivos. Mas o esteio das manifestações é a falta de dinheiro no bolso, simples assim.
Talvez por ser um país continental, no Brasil a ditadura militar não conseguiu evitar o surgimento de movimentos sociais no rastro da Teologia da Libertação – uma corrente teológica católica nascida na América Latina. Todas as crenças religiosas e ideologias políticas encontraram um abrigo que garantiu a sua sobrevivência na Teologia da Libertação. E se transformaram em partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e de direitos humanos.
A democracia que temos hoje é resultado do enfrentamento que tivemos com os militares que derrubaram, em 1964, o então presidente da República, João Goulart, o Jango do antigo PTB. Ela é imperfeita. Mas vem sendo aperfeiçoada pela luta política que é travada diariamente nos parlamentos, nos tribunais, em manifestações e protestos nas ruas e nos conteúdos que produzimos para os nossos noticiários. A indignação do repórter é fundamental para a preservação da liberdade de imprensa, peça essencial na consolidação da democracia. O que está acontecendo no Chile é uma prova de que o estado autoritário não faz milagres na economia. Para a minha geração de repórter, as manifestações chilenas são uma “sacudida”.
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Carlos Wagner é jornalista.