Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Odores e sentidos científicos

(Foto: Unsplash – AbsolutVision)

O jornalismo científico é defendido como a forma mais adequada de interlocução entre o cientista e não-cientistas. As universidades, aos poucos, descobrem a ausência de conhecimento, por parte da população, do que acontece nessas instituições, um dos motivos para que sejam covardemente atacadas pelo governo atual – que também coloca o saber, a ciência e a tecnologia em risco de extinção.

A forma de trazer conhecimento científico à população também se depara com analogias nem sempre as mais adequadas. Ou que dão margem a outras interpretações por meio do olhar e conhecimento de especialistas. Nesse sentido, três situações recentes são aqui elencadas, todas utilizando matérias e artigos publicados no jornal Folha de S.Paulo ao longo do mês de outubro de 2019.

Uma boa metáfora fez a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida em seu artigo “Cheiro de gás” (10/10), sobre a censura que se abate sobre nós, uma vez que o perigo do gás combustível não é explicitado em seu odor, tanto é que a ele se adicionam outras substâncias fedidas (mercaptanas) para que possa ser detectado. A podridão das ações de censura do governo segue o mesmo princípio e é esse mau cheiro que nos alerta de que não estamos vivendo a plena democracia constitucional.

No que pese a importante informação de que sais comestíveis são todos iguais na essência, como fez o caderno “Saúde” do jornal (18/10), não é adequado definir “um sal como outro qualquer”, uma vez que sal é uma classe de compostos químicos que abrange centenas de substâncias diferentes formadas por um cátion positivo e um ânion negativo. O sal de cozinha, cloreto de sódio, é apenas um deles. A informação nutricional pretendida não pode prescindir da correta definição química.

Por fim, migrando para questões gramaticais, foram ótimos os esclarecimentos de Sérgio Rodrigues sobre bobagens gramaticais correntes em sua coluna “Cuidado com os sabichões!” (17/10), na qual discorre sobre supostas revisões de já fundamentados ditados populares. No entanto, corro o risco de fazer papel de sabichão, mas o que incomoda na expressão “dois pesos e duas medidas” – que assim é estabelecida como certa, e não como “um peso e duas medidas” – são duas questões físicas: a) medimos massa, e não peso, na balança, e b) tanto massa como comprimento (ou distância) são medidas, resultando em redundância. Porém, nesse caso, a história do uso supera a precisão científica dos conceitos.

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Adilson Roberto Gonçalves é químico, pesquisador da UNESP, especializado em Jornalismo Científico (Unicamp) e membro da Academia de Letras de Lorena, da Academia Campineira de Letras e Artes e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.