Em 1994, os principais jornais e telejornais do Brasil traziam como manchete a notícia de que uma escola era usada como fachada para produção de vídeos pornográficos que utilizavam crianças como personagens. A notícia era fruto da denúncia de que uma criança de apenas 4 anos de idade fora vítima de abusos sexuais nas dependências da escola onde estudava, feita por seus pais.
Quem não lembra do caso da Escola Base, que causou repúdio e indignação a todos que tiveram conhecimento do episódio, levando moradores das proximidades do local a picharem, saquearem e destruírem a escola? Proprietários, funcionários e professores da Escola Base foram vítimas de toda forma de imputação desonrosa, de tortura e desprezo social até que meses depois nada fora encontrado pelas autoridades policiais que pudessem comprovar a veracidade das informações e a responsabilidade dos acusados. Pior que isso foi o prejuízo deixado pela imprensa às crianças protagonistas do fato em si, onde tiveram a sua imagem exposta ao público sem o menor cuidado com as conseqüências que poderiam lhes ser causadas. [Guerra, Josenildo Luiz. A objetividade no Jornalismo. Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1998. 186 p.]
Situações parecidas a essa são bastante comuns na imprensa brasileira, mesmo que não resultem da intenção deliberada do informador, mas que imediatamente ganham a credibilidade do público. Para este não interessa se a informação é verdadeira ou não, mas sim o que efetivamente foi noticiado. A preocupação com a vida das crianças que erroneamente foram envolvidas no caso da Escola Base despertaram nossa preocupação com a honra de crianças e adolescentes expostas à opinião pública pela imprensa e nosso interesse pelo assunto.
A Constituição Federal do Brasil traz em seu artigo 5°, incisos IV, V e X as limitações à Lei de Imprensa, invocando um caráter punitivo para aqueles que abusam do direito à liberdade de expressão e manifestação de pensamento ou o utilizam com irresponsabilidade. Qualquer fato noticiado pela imprensa é considerado realidade pelo público, e por isso as limitações impostas pela Carta Política devem ser plenamente respeitadas, principalmente quando versam sobre a honra do ser humano, independente de sua idade.
Se a imprensa tomar como princípio a credibilidade que o público lhe deposita, deve redobrar ainda mais a responsabilidade na difusão de informações e notícias que têm como protagonistas pessoas naturais com menos de 18 anos de idade. Este o motivo que nos leva a defender a punibilidade dos informadores que violam a honra de crianças e adolescentes, imputando-lhes condutas desonrosas por meio de calúnia, injúria e difamação.
Informação e expressão – direitos de todos
O objetivo primordial da Lei de Imprensa é assegurar o direito à liberdade de expressão e de informação de todos os acontecimentos que interessem a opinião pública. O direito à livre manifestação do pensamento e à livre expressão, assegurados pela Carta Política em vigor, não podem ser vistos como de caráter absoluto e irrestrito, cabendo um controle jurisdicional do Estado capaz de intervir em casos de abuso, não exprimindo, com isso, a proibida censura, que tem na vedação do anonimato a noção de liberdade com responsabilidade. Por isso, quem abusar do direito a liberdade de expressão ou utilizá-lo com irresponsabilidade será penalmente punido, conforme dispõe o art. 12 da Lei n° 5.250/67:
Art. 12. Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem.
Parágrafo único. São meios de informação e divulgação, para os efeitos deste artigo, os jornais e outras publicações periódicas, os serviços de radiodifusão e os serviços noticiosos.
Qualquer pessoa pode utilizar os meios de comunicação para informar, sendo conseqüentemente passível de cometer abusos. As condutas tipificadas na Lei de Imprensa não são próprias de jornalistas ou radialistas, constituindo-se, portanto, em crimes materiais impróprios.
O direito à informação presume o respeito ao direito à intimidade, à imagem e à privacidade de qualquer ser humano. Trata-se, porém, de uma matéria ainda pouco respeitada pelos órgãos de comunicação, o que acaba por acarretar na maioria das vezes distorções da verdade e injustiças sociais, principalmente quando as vítimas são crianças e adolescentes.
Todas as pessoas têm o direito a permanecerem informadas sobre acontecimentos políticos, econômicos, culturais e sociais do seu país. Não haverá, contudo, um sistema democrático de comunicação no país se não houver uma comunicação democrática e aliada aos preceitos éticos que devem ‘rotular’ a notícia e a informação. Muitos jornalistas, radialistas e outras pessoas que têm acesso aos veículos de comunicação cometem crimes contra a honra de personalidades conhecidas, de pessoas simples, de trabalhadores e até de pessoas incapazes, seja por idade ou por doença mental, sem ao menos respeitarem o princípio constitucional da presunção da inocência. Ao contrário, para a maioria desses usuários dos meios de comunicação, seja para fins profissionais, como é o caso de jornalistas e radialistas, ou para fins políticos e até culturais, todos são culpados até que a sua inocência seja provada em juízo.
Abuso de poder
O comportamento acima descrito, que afronta princípios constitucionais e preceitos estabelecidos pelo Código de Ética de profissionais da área de comunicação, têm culminado em cerca de três mil ações indenizatórias [Diniz, Laura e Chaer, Márcio. Imprensa acuada. Artigo publicado em 30 de setembro de 2003 no site www.consultorjuridico.com.br] contra instituições jornalísticas e em face dos próprios profissionais. Podemos afirmar que se trata de um dado assustador, cujas repercussões vão muito além do episódio em si, comprometendo a reputação das pessoas atingidas e a credibilidade dos veículos de comunicação. Crianças e adolescentes, quando vítimas dessas injustiças, ficam marcados para o resto de suas vidas, o que compromete o seu pleno desenvolvimento enquanto sujeitos de direitos e deveres.
Não só os jornalistas ou radialistas devem ser responsabilizados por ações que infringem os dispositivos da Lei de Imprensa. Há pessoas que trabalham em emissoras de rádio e TV com difusão de notícias, sem ao menos terem capacitação ética e mesmo profissional, ocupando um espaço que deveria estar sendo destinado a profissionais da área de comunicação. Esses programas, na maioria das vezes sensacionalistas, são conduzidos por profissionais liberais, políticos ou mesmo por pessoas que tenham interesse em se promoverem social e politicamente. Essa realidade permeia por questões éticas, técnicas e políticas da imprensa em geral e das empresas de comunicação do país.
A liberdade de imprensa se torna ameaçada quando um grupo monopolizador de empresas de comunicação detém o poder de influenciar ou até mesmo formar a opinião pública sobre determinado assunto. Para coibir esse abuso de poder a imprensa deve agir com ética, de forma a não contrariar as suas próprias convicções, a fim de garantir a livre circulação de informações, pois sem uma imprensa livre não há que se falar em democracia.
Leitores e protagonistas
A imprensa é um veículo de orientação da opinião pública e o papel que desempenha na salvaguarda dos direitos fundamentais contribuiu significativamente para o progresso sócio-cultural do povo brasileiro. O Princípio da Publicidade assegura a todos o direito à informação, bem social e fundamental à pessoa humana. A Lei 5.250/67 assegura em seu primeiro artigo o direito de procurar, receber e transmitir informações, principalmente as de interesse público, sendo-lhe vedada a ofensa à honra, à dignidade e o decoro de qualquer cidadão.
A informação e a notícia devem estar sempre a serviço do pluralismo ideológico e do desenvolvimento justo e igualitário de uma nação. Por este motivo, podemos afirmar que o direito a informação é um direito social indissociável de uma sociedade que tem por fim o bem comum e a justa proteção da reputação e privacidade de qualquer ser humano, crianças, jovens, adultos e idosos, independente da cor, raça ou condição social.
Crianças e adolescentes, portanto, têm direito de acesso ao entretenimento e à informação, seja ela escrita, falada ou televisionada. Os programas e as matérias jornalísticas para o público infanto-juvenil devem contribuir ao seu desenvolvimento cultural e social, respeitando sua intimidade, dignidade e decoro que trazem consigo desde o nascimento. Quando, porém, esses inimputáveis mudam da posição de leitores para a posição de protagonistas das notícias, tendo a sua honra ofendida pelos titulares da informação, podem por meio dos seus pais ou representantes legais reclamar a reparação pelo constrangimento moral sofrido.
A imprensa como fonte de informação do direito
Entre os problemas que envolvem o exercício da liberdade de imprensa, destacamos o liame existente entre o interesse público à informação e o domínio particular, principalmente no se refere à violação da vida privada de pessoas públicas pelos meios de comunicação. A melhor solução é aquela encontrada em decisões jurisprudenciais que fixam os limites da imprensa na qualidade de fonte do direito.
A imprensa tem o papel fundamental de dar publicidade a informações de interesse público. É por meio da informação tornada pública pelos meios de comunicação que os cidadãos passam a conhecer e se conscientizar dos direitos que lhes são imanentes. É também por meio do trabalho da imprensa, muitas vezes de caráter investigatório, que o poder público jurisdicional toma conhecimento de fatos que constituem crimes e atos infracionais, de lesões ao direitos e violação de deveres do próprio poder público. Nesse sentido afirmamos que a imprensa pode ser considerada como uma fonte ‘extra-legal’ ou mesmo secundária, do direito positivo.
A imprensa e seus limites constitucionais
O direito à informação e à livre manifestação de pensamento é um dos pilares do Estado democrático de direito. A intimidade, a privacidade e a honra se constituem nos direitos humanos mais fundamentais. Por este motivo a Carta Magna traz em seu artigo 5°, incisos IV, V e X as limitações à Liberdade de Imprensa. De um lado estão os cidadãos que anseiam por informações e notícias sobre fatos e pessoas do seu contexto social, a fim de participarem de maneira integral da vida comunitária. Do outro lado estão o direito à imagem, à honra, à intimidade e à privacidade das pessoas que foram objeto da notícia.
A intimidade, a privacidade, a honra e a imagem são os limites jurídicos impostos à liberdade de imprensa. O primeiro limite citado, a intimidade, é um elemento oculto da vida individual, com caráter íntimo que tem o propósito de resguardá-la das intromissões advindas da vida privada. É um direito negativo que se caracteriza pela não exposição ao conhecimento de terceiros de elementos particulares e íntimos da esfera reservada ao particular. A privacidade, por sua vez, se caracteriza pela esfera da vida individual dissociada das relações sociais exteriores ao núcleo familiar.
Elabora-se para a privacidade um conceito mais genérico que o da intimidade, uma vez que a própria vida privada pode violar a intimidade, que possui um caráter restrito, impenetrável e confidencial. Estas características levaram a Carta Magna a incluir a intimidade e a vida privada na esfera de proteção do indivíduo.
Liberdade e responsabilidade
Quando os fatos dizem respeito ao interesse público e são relevantes para a participação dos cidadãos na sociedade, quando são relacionados a atuação de pessoas dedicadas a atividade da política partidária ou quando versam sobre os artistas e outras pessoas que buscam a mídia para se promover, podem ser divulgados através dos veículos de comunicação. Salvo essas hipóteses, prevalece a inviolabilidade a privacidade e a intimidade da pessoa humana.
Expressão, opinião e informação não se constituem em liberdades constitucionais plenas, posto que a liberdade de imprensa esbarra nos direitos da personalidade que não são passíveis de violação, nem mesmo sob o pretexto de eventual interesse público ou coletivo.
Liberdade de imprensa implica responsabilidade. Quando atua dentro do limite da legalidade e de princípios éticos a participação da imprensa na construção da democracia é fundamental e nesse contexto, a liberdade de imprensa passa a ter um caráter preferencial entre os demais direitos constitucionais. Todavia, quando ocorre violação à dignidade da pessoa humana o direito de informação e expressão continua a existir, porém, despido do referido caráter preferencial.
A dignidade da pessoa
A inviolabilidade da imagem está assegurada no art. 5°, inciso X da Constituição Federal. A publicação da imagem de qualquer pessoa pela imprensa é limitada porque é por meio da imagem configurada na exteriorização da figura humana através de fotografias, desenhos, filmagens que se forma a visão do público sobre o indivíduo. Este direito, porém, nem sempre é respeitado pela imprensa que expõe pessoas acusadas de cometerem delitos à execração pública, sem a devida observância ao princípio da presunção de inocência.
A imprensa já procede a proteção da imagem em relação aos indivíduos com menos de 18 anos. O Estatuto da criança e do adolescente em seu artigo 17 assegura a proibição da publicação pelos veículos de comunicação da imagem, ou mesmo divulgação do nome, apelido, filiação ou qualquer informação que possa identificar o autor do ato infracional:
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
A preservação da imagem, principalmente de crianças e adolescentes, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, que deve ser respeitada em sua integralidade na projeção da opinião pública e na liberdade individual.
O instituto da honra na Lei 5.250/67
A Constituição Federal em seu artigo 5°, X, assegura que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas são invioláveis, garantindo o direito a indenização pelo dano moral e material em face de qualquer pessoa, inclusive, jornalistas e radialistas que violarem esses direitos.
Entende-se por honra um bem tutelado pela ordem pública que representa o conjunto de atributos morais e intelectuais da pessoa humana, também chamados de direitos individuais indisponíveis. A legislações do Brasil repudiam qualquer ofensa à honra que pode ocorrer de três formas: calúnia, difamação e injúria. Caluniar alguém é a imputação falsa de ter este praticado fato tipificado como crime. Difamar significa atribuir a outrem um fato ofensivo a sua reputação. A prática da injúria, por sua vez, consiste em ofender alguém com uma qualidade negativa que atinge a sua dignidade ou decoro.
Quando as condutas ofensivas da honra pessoal acima mencionadas são praticadas através da mídia encontram tipificação na Lei de Imprensa. Previstos respectivamente nos artigos 20, 21 e 22 da referida Lei os delitos de calúnia, difamação e injúria podem ser praticados por qualquer pessoa, por se caracterizarem como crimes impróprios. A especialidade se dá quanto ao meio pelo qual essas ofensas são realizadas, se através da televisão ou do rádio, ou ainda por meio de jornal ou revista.
A pessoa não pode ter lesada a sua dignidade ou os aspectos que diz respeito a sua consideração social. O patrimônio moral que detém é formado pela integridade física e pela honra, pelo respeito e consideração social que emolduram a sua personalidade. O prestígio moral (ético-social) dos indivíduos exerce fundamental importância na sua convivência civil. Quando ocorre a violação da honra, portanto, fere-se um dos bens supremos do ser humano que é a sua dignidade moral.
Os veículos de comunicação social têm assegurado o direito à plena liberdade de informação jornalística como forma de garantir o direito do cidadão de informar e se manter informado. Essa liberdade, porém, ao ser exercida deverá respeitar a intimidade, a privacidade e a honra das pessoas. Quando a imprensa veicula um fato não verdadeiro imputado a determinada pessoa, a honra desta se vê maculada. Para restar configurada a violação da honra é preciso que o fato noticiado não seja verdadeiro, de forma a afrontar valores morais íntimos do indivíduo ou a estima e a consideração social dos outros.
Para entendermos os delitos praticados contra a honra através da Lei de Imprensa, vamos inicialmente apresentar a distinção entre moral e bons costumes. A moral é um sentimento de vergonha e os bons costumes são condutas aceitas pela sociedade, portanto, são regras de comportamentos inerentes à vida social.
A honra é o primeiro dos bens materiais tutelados pelo direito público e o quarto na hierarquia dos bens associados à proteção da vida. Trata-se de um conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais que enaltecem o respeito do cidadão perante à sociedade.
Honra e reparação
A doutrina clássica divide a honra em objetiva e subjetiva. A primeira diz respeito à reputação da pessoa humana, abrangendo seus atributos físicos, morais e intelectuais do ponto de vista da consideração social. É formada pela visão que as outras pessoas e que a sociedade têm do cidadão.
A honra interior ou subjetiva, ao contrário, está relacionada aos valores que o cidadão nutre por si próprio, ou melhor, ao sentimento de auto-estima. Alguns doutrinadores como Damásio de Jesus [Jesus, Damásio E. de. Direito Penal – parte especial. Vol. 2. SP:Saraiva, 2003.] subdividem a honra subjetiva em honra-dignidade e honra-decoro. A primeira diz respeito aos atributos morais do cidadão e a sua honestidade. Quando atribuímos a alguém a pecha de ladrão, de prostituta, estamos atingindo diretamente a sua condição moral e ferindo a sua dignidade. A honra-decoro, por sua vez, está associada aos atributos físicos e intelectuais de uma pessoa, indispensáveis para uma convivência social harmoniosa.
Há ainda outra classificação da honra que a divide em comum ou especial, considerada inclusive pela Lei de Imprensa. A honra comum é aquela inerente à pessoa humana, independe da condição que o indivíduo assume na sociedade. A honra especial ou profissional diz respeito à profissão que o cidadão exerce no meio onde vive.
A honra, portanto, está contida na personalidade moral do indivíduo. Ela passou a ser defendida pelo homem desde que iniciou o seu convívio socialmente organizado, adotando princípios éticos, morais e de convivência. A Lei de Imprensa buscou proteger a honra das pessoas, impondo limites às atividades profissionais ligadas aos veículos de comunicação e assegurando a reparação por danos morais no caso de ofensa.
Vítimas de calúnia, injúria e difamação
Não é uníssono o entendimento de que podem figurar como sujeitos passivos dos crimes contra a honra os inimputáveis, a pessoa jurídica, a pessoa indeterminada, os que consentem com a ofensa, os infames e desonrados, os desprovidos de um dos sentidos, os embriagados e os mortos.
Crianças e adolescentes, objeto do nosso estudo, são detentores do direito à vida privada e à intimidade, que integram o núcleo de reserva necessário ao natural desenvolvimento biológico, psicológico e social do ser humano. Embora esses incapazes não estejam dotados de maturidade suficiente para entender quando fatos ou palavras são ou não ofensivos à sua honra, não podem ficar desprotegidos juridicamente quando a eles são imputadas qualidades desonrosas ou a prática de atos descritos na lei penal como crime e na Lei 8.069/90 como atos infracionais.
A Constituição Federal dispõe que a família, a sociedade e o Estado têm a responsabilidade de viabilizar todas as formas de proteção integral a crianças e adolescentes, garantindo-lhes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, à educação e à profissionalização, à liberdade, à convivência comunitária e em ambiente familiar, ao lazer e à cultura, ao respeito e à liberdade. Entre essas garantias, destacamos o respeito à dignidade que presume conceitos de respeitabilidade, honra, decoro, personalidade moral, atributos inerentes à pessoa humana desde o seu nascimento até a sua morte. A criança antes mesmo de nascer está amparada pela lei, conforme dispõe o artigo 1 ° do Código Civil em vigor. Por isso, lhe é assegurado o direito à vida e todos os valores e características que a acompanham.
Há três correntes doutrinárias que tratam da possibilidade de crianças e adolescentes serem vítimas de injúria, calúnia ou difamação. Para os seguidores da corrente clássica, pessoas naturais com 18 anos incompletos não podem ser vítimas dos crimes de calúnia. Eles fundamentam a sua opinião no fato de que crianças e adolescentes não praticam fato típico e por conseguinte, não podem ser vítimas de calúnia, vez que a culpabilidade, a antijuridicidade e a ilicitude são elementos componentes do crime. A segunda corrente, liderada pelo criminalista Damásio de Jesus [Jesus: 1998, p. 181], embora defenda a culpabilidade como pressuposto de pena e não como componente do crime, entende que pessoas com menos de 18 anos de idade cometem crimes, embora não sejam alcançados pela culpabilidade por serem inimputáveis.
Para eles, se o incapaz pratica fato típico pode também ser sujeito passivo de condutas desonrosas, embora o delito por ele praticado não seja punido, mas o fato é que o crime existe. A corrente predominante admite que crianças e adolescentes podem ser vítimas de calúnia e difamação, delitos ligados à honra objetiva, mas nega a possibilidade de serem injuriados. Seu argumento é que as vítimas infanto-juvenis não possuem o discernimento necessário para entender a ofensa a sua dignidade ou decoro e não conseguem avaliar o conteúdo da ofensa.
Dano psicológico
Em nosso país a opinião de que crianças e adolescentes podem ou não figurar como vítima de injúria, calúnia e difamação cometidos pelos veículos de comunicação tem dividido a doutrina. Somos favoráveis ao entendimento de que crianças e adolescentes podem figurar como sujeitos passivos idôneos de calúnia, injúria e difamação, delitos também previstos na Lei 5.250/67 que não estão expressos no Estatuto da Criança e do Adolescente. O que importa para nós é a imputação feita a esses incapazes, expondo-os a zombarias e deboches da sociedade, e não o fato de terem cometido ou não crime ou ato infracional. Mesmo desprovidos do discernimento total ou parcial para se sentirem ofendidos, têm em seus pais ou responsáveis os verdadeiros guardiões de sua honra, de seus direitos e garantias constitucionais. Quanto ao crime de injúria, por se tratar de uma ofensa ligada a honra subjetiva do indivíduo, temos algumas ressalvas a apresentar. Quando a imprensa divulga declarações injuriosas, por exemplo, atribuindo a um adolescente de 15 ou 16 anos a pecha de ‘trombadinha’ ou ‘marginal’ vê-se assente o animus injuriondi, devendo o profissional ou a pessoa que divulgou tal notícia ou informação ser punida pelo resultado ou pelo risco que produziu. Como afirma Piromallo
‘… a ofensa à dignidade pessoal está no significado intrínseco da expressão e não na correlação entre a atribuição de uma atividade ilícita e a capacidade efetiva, que haja de exercitar o ofendido’. [A. Janitti Piromallo, ob. cit., pg. 46.]
Se o discernimento que torna possível a censura moral subsistisse nesses casos, estaríamos impedindo que os incapazes por idade se defendessem das ofensas que lhes fossem causadas.
Milhares de pessoas têm acesso às notícias e às informações veiculadas por meio da imprensa. Imaginemos o tamanho do dano psicológico de uma criança ao lhe ser atribuído o adjetivo pejorativo de ‘trombadinha’. A sua reputação está sendo lesada perante a sociedade o que culmina na diminuição do respeito social. Mesmo que a vítima não entenda o tamanho da ofensa está sendo motivo de críticas maliciosas e comentários irônicos e depreciativos. Neste caso, a criança foi vítima de conduta desonrosa comumente praticada por jornalistas, radialistas e demais pessoas que trabalham diretamente com a mídia, podendo se defenderem da imputação através dos seus representantes legais.
Ofensa e entendimento
Crianças e adolescentes não cometem crimes e sim atos infracionais, conforme dispõe a Lei 8.069/90. Neste sentido, entende a doutrina que esses incapazes não podem ser vítimas do crime de calúnia, que consiste na imputação falsa a alguém da prática de um ato previsto na lei como crime. Não nos parece razoável este entendimento, uma vez que a incapacidade não pode ser considerada como prejuízo da defesa penal. Se um radialista ou até um político em seu programa sensacionalista imputa a um adolescente o roubo de um carro, por este não cometido, pode sim ser acusado de calúnia por ofender a sua honra perante número indeterminado de ouvintes, levando-o ao ridículo e ao desprezo social.
É verdade, porém, que o delito de injúria praticado em face de crianças e adolescentes é mais difícil de ser verificado. Para que a injúria ocorra se faz necessário o sofrimento íntimo da vítima, a angústia e o sentimento de vergonha. A maioria das crianças não tem desenvolvimento psicológico suficiente para entender o sentido vil da imputação. A fim de que pudéssemos efetivamente afirmar que a criança teve a sua dignidade ou o decoro ofendido, seria necessário submetê-la a uma avaliação psicológica realizada por meio de um especialista. De outro lado, nos parece justo afirmar que seus pais podem sofrer o reflexo da ofensa injuriosa, uma vez que as críticas e as ironias decorrentes da notícia ou da informação falsamente divulgada pela mídia violam a sua condição de pais ou responsáveis legal ou moralmente pela educação familiar, pela saúde e bem-estar de seus filhos ou tutelados.
A ofensa à dignidade de crianças e adolescentes não está na relação entre a atividade ilícita falsamente imputada e a capacidade de entendimento do ofendido. Para nós, não subsiste a idéia de que o fato desonroso atribuído será punível somente quando o ofendido tiver capacidade para entendê-la como atividade ilícita ou qualidade desabonadora de sua personalidade ou conduta. Se assim o fosse, muitos profissionais da área de comunicação social e empresas de radiodifusão sonora e emissoras de TV permaneceriam impunes ao ofenderem a honra de crianças e adolescentes sem o completo discernimento para entender o sentido da ofensa.
Conclusão
A informação é um direito de todos os cidadãos e busca asseverar um sistema democrático de comunicação aliado aos preceitos éticos inerentes a notícia e a informação. Por isso, a Constituição Federal impõe limites a livre manifestação de pensamento e expressão com o propósito de proteger principalmente a dignidade da pessoa humana. Aqueles que, através da mídia impressa ou eletrônica, provocam lesão a honra de outrem respondem pelos crimes de imprensa previstos na Lei 5.250/67.
Os incapazes por idade podem ainda ser vítimas dos delitos de injúria e difamação, delitos que dizem respeito a honra subjetiva e objetiva, respectivamente. A inimputabilidade não exclui a possibilidade de crianças e adolescentes reclamarem os prejuízos morais causados a sua honra, uma vez que seus pais ou responsáveis podem representá-los judicialmente.
A grande abrangência que alcança os delitos contra a honra, quando cometidos pelos meios de comunicação, certamente confere a Lei de Imprensa a especialidade quanto ao meio pelo qual foi praticado. Os delitos previstos nesta Lei não são próprios, podendo ser cometidos por qualquer pessoa e contra qualquer cidadão. Por isso, entendemos que aqueles jornalistas, radialistas e demais profissionais que atuam na mídia devem responder penalmente pelas acusações denegatórias à intimidade, à vida privada, à honra dos cidadãos.
O ideal de justiça deve primar pela punibilidade de jornalistas, radialistas e qualquer pessoa que se utilizam dos meios de comunicação para noticiar fatos e publicar informações que acabem por macular a imagem de crianças e adolescentes, prejudicando o seu pleno desenvolvimento. A impunidade não deve prevalecer às lacunas deixadas pela lei e às ofensas à honra deverá ser punível ainda que a vítima esteja desprovida de total ou parcial capacidade de entendimento e autodeterminação.
A atuação ética e compromissada com os preceitos constitucionais daqueles que lidam diretamente com os veículos de comunicação é o fio condutor da atuação de uma imprensa livre e compromissada com o respeito à dignidade da pessoa humana. A não-violação da honra dos seres humanos, principalmente de crianças e adolescentes, garante a convivência harmoniosa entre os indivíduos e, por conseguinte, o pleno desenvolvimento biológico, psicológico e social daqueles que ainda não atingiram a maioridade. O respeito à honra de crianças e adolescentes não pode ser mera ficção legal e doutrinária como faziam crer os defensores da corrente clássica. É preciso efetivar seus direitos e fazer valer a sua condição de cidadãos sujeitos de direitos e deveres numa sociedade justa e igualitária.
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Relações-públicas (1997), formada em Direito (2004) pela Universidade Tiradentes (SE); assessora de Comunicação e Marketing do Senac-SE