Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sensualidade vulgar tem 15 minutos de fama

A expressão ‘celebridade instantânea’ é algo cada vez mais presente no moderno mundo da comunicação. Pessoas passam do mais absoluto anonimato para o estrelato em questão de segundos. Esse fenômeno vem confirmar a célebre frase do cineasta e artista plástico Andy Warhol: ‘In the future everyone will be famous for fifteen minutes’ (no futuro, todos serão famosos por quinze minutos). Porém, o autor da frase não tinha noção da real amplitude e peso que a sua sentença iria ganhar no seu post-mortem, com o avanço das tecnologias digitais e da internet.

Semana passada, o Brasil ficou chocado com as imagens de uma professora de ensino fundamental dançando de forma, digamos, ‘sensual demais’. A pedagoga, pós-graduada, aparece dançando junto ao cantor de uma banda de pagode que levanta o seu vestido e puxa a calcinha da educadora para cima, numa coreografia (se é que isso pode se chamar de coreografia) para fazer jus ao nome da música em questão: ‘Todo enfiado’.

Infelizmente para a ‘pró’, sua performance foi filmada por dezenas de aparelhos celulares e, posteriormente, publicada no maior site de hospedagem de vídeos do mundo, o YouTube. Com isso, a escola onde ela lecionava a demitiu. O vídeo ultrapassou os 100 mil acessos e, após a divulgação por parte da grande mídia, proliferou por toda a internet. O mais curioso é que o caso mudou o seu foco a partir da intervenção da imprensa. A mídia, em geral, tratou o caso de duas maneiras. Em primeiro lugar focou a demissão da professora, suas consequências e se era justo ou injusto o ato em si. Isso fica claro no lead da matéria publicada por Glauco Araújo no Portal G1 (SP): ‘Professora da Bahia é demitida após vídeo sensual cair na web, diz advogado. Instituição de ensino, em Salvador, informou que medida foi consensual.’

O segundo enfoque abordado foram os comentários a respeito da postura ética necessária dentro e fora do âmbito profissional. Dezenas de blogs e sites de grandes jornais fizeram comentário acerca desse tema, condenando ou absolvendo a professora-dançarina.

Quem não viu uma ‘dancinha’ provocante?

Porém, outras abordagens poderiam ser feitas e acabaram passando despercebidas. Onde estão os movimentos feministas que não reagem e não ensinam às mulheres que os excessos nas horas de diversão de hoje podem ser filmados, divulgados e usados contra elas mesmas nos Tribunais da Santa Inquisição da internet?

A professora é muito mais vítima que ré nessa execração pública nacional. Sua demissão é apenas um dos problemas que irá enfrentar de agora em diante. A sua imagem estará sempre vinculada às imagens produzidas pelos celulares e câmeras digitais e difundidas pela internet. Seu erro foi não medir as consequências de um dos maiores problemas da nossa sociedade contemporânea: a proliferação do erotismo nas músicas.

Assim como a pedagoga, milhares de jovens e adultas na Bahia estão dançando livremente e fazendo as mesmas performances na Boa Terra. No próprio vídeo difundido, outras duas jovens fazem o mesmo – e coisas até mais explícitas que ela. A diferença ficou por parte da sua profissão de educadora. Porém, que atire a primeira pedra (nela) o baiano que nunca viu nenhuma outra ‘dancinha’ provocante e até certo ponto, sexual, como aquela, sendo executada por mulheres de todos os níveis sociais. Quantas professoras estão horrorizadas no momento, por saber que fazem, ou já fizeram, alguma coreografia tão ou mais vulgar que aquela?

Erotismo imprescindível

O pagode baiano, apesar da falta de qualidade melódica e da vulgaridade de muitas das suas letras, não é o único expoente da vulgaridade no cenário musical. O funk carioca, o forró-elétrico-nordestino e muitos outros gêneros musicais espalhados pelo Brasil apresentam coreografias tão ‘provocantes’ quanto aquelas exibidas mais de 100 mil vezes no YouTube. Professoras, delegadas, juízas, policiais, jornalistas (diplomadas ou não), cozinheiras, secretárias e todas as profissões onde as mulheres estão inseridas possuem suas representantes pagodeiras, funkeiras etc. O fato triste é a percepção de rebaixar a mulher a um mero objeto sexual, sendo usada de forma cada vez mais indigna para animar as platéias nos shows espalhados pelas periferias e zonas nobres da cidade, sem discriminação, Brasil afora.

O problema não é da banda de pagode, cujo nome não foi citado para não promovê-la ainda mais. Vai muito mais além. A educação, tema certo de tantos palanques no ano que vem, está sendo deixada de lado em detrimento do mercado fonográfico.

A fábrica de bandas de pagode, que agradam em cheio aos jovens e adultos da capital baiana, ganha o mercado com letras cada vez mais eróticas e coreografias tanto quanto. Refrões como ‘toma-lhe fica’, ‘tapa na rachada’, ‘rala a tcheca no chão’, ‘toma madeirada’, ‘esfrega a xana no asfalto’, ‘tudo até o talo’, dentre outras da atual ‘poesia’ do pagode baiano, são executadas, dançadas e cantadas em alto e bom som em todos os cantos da cidade do Salvador. Quanto mais fácil e sexual for o teor do refrão do ‘pagodão’, mais será cantado pelas ruas, vias e pelo mangue baiano. O erotismo na música é algo quase imprescindível para o sucesso da mesma.

Recebida como ‘celebridade’

A pobre professora sofreu ao mesmo de três grandes problemas. Em primeiro lugar, sofreu por ter tido a péssima idéia de se expor em cima de um palco. Depois sofreu pela exposição e proliferação do seu vídeo na grande rede. E principalmente, perdeu o emprego para a hipocrisia de milhares de pessoas que condenaram o seu ato, mas que produzem (ou reproduzem) dancinhas ainda mais eróticas que as dela. Muitas das pessoas que a condenaram, incentivam filhos e sobrinhos, a partir dos 3 ou 4 anos, a dançarem as novidades do cenário musical do ‘pagodão’ baiano e acham ‘bonitinho’ ver surgir a nova geração de pagodeiros.

No jogo entre Bahia e São Caetano, disputado no dia 29/08, a professora foi recebida com o termo de ‘celebridade’ e concedeu entrevista a uma rádio local, dizendo ter sido orientada pelo seu advogado (que estava ao seu lado no estádio) a ir assistir ao jogo do seu time, o tricolor baiano, sem nenhuma preocupação. Na entrevista teve de ouvir a seguinte pergunta: ‘Você veio ver o Bahia mandar o São Caetano `Todo Enfiado´ para São Paulo?’ E ela respondeu, sorrindo, que sim. Enfim, não importa se por bem ou por mal, ‘in the future everyone will be famous for fifteen minutes’. O futuro já começou, Mr. Warhol.

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Analista de mercado, Salvador, BA