“Alguns são muito crédulos, outros são descuidados. Alguns são iludidos, outros encantados com a falsidade. Alguns não a evitam, outros a procuram”.
Quando, quase 2.000 anos atrás, o pensador espanhol/romano Sêneca chegou a esta conclusão para compreender o porquê de algumas pessoas usarem tanto as mentiras para se tornar populares, não imaginava o quão pontual estaria sendo nos dias atuais.
A filosofia é repleta de reflexões sobre as incertezas, as credulidades, as inocências e as maldades humanas. E alguns sabem se valer muito bem de tais conflitos. Sobretudo para tirar proveito e conquistar seguidores.
Nas teorias da comunicação, estudamos sobre multidão, massa, opinião pública, comportamento, consumo, manipulação, influência, poder e muito mais. Assim como um profissional de saúde tem conhecimento para poder fazer mal a alguém sem deixar vestígios, um profissional de comunicação também o tem; mas, felizmente, ambos compreendem e aplicam em suas atividades uma pequena e poderosa palavrinha: a ética.
Nas 640 páginas da edição brasileira de Minha luta (Mein Kampf), Adolf Hitler utiliza as expressões “propaganda” por 180 vezes e “mentira” por mais 56. Isso para falar como os governos inglês, francês e dos Estados Unidos se valeram desses artifícios na I Guerra Mundial, e como a Alemanha deveria aprender com eles. O resultado foi visto antes e ao longo da II Guerra, com uma propaganda nazista muito eficiente – para o mal. Qualquer semelhança não é mera coincidência quando vemos atualmente candidatos que se diziam vítimas de notícias falsas antes das eleições e que, depois de eleitos, tornaram-se mestres na arte da desinformação intencional.
Em mãos erradas, os meios de comunicação tornam-se um fácil instrumento para ludibriar pessoas que sempre depositaram confiança em algo tão importante para a sociedade e que por muito tempo colaboraram para o fortalecimento do vínculo social e do contrato de relativa credibilidade entre a opinião pública e as mídias. Pois sempre haverá gente que gosta de ser enganada.
As redes sociais digitais são muito usadas, deram acesso a muitas pessoas para consumir e gerar informações antes limitadas a grandes empresas, mas são pouquíssimo confiáveis. Elas são um ótimo meio para conversas rápidas, saber o que está acontecendo na cidade ou bisbilhotar a vida dos outros. No entanto, não podem substituir a informação trabalhada com responsabilidade, que segue os princípios da apuração, da reflexão e da síntese.
Infelizmente, essas novas dinâmicas propiciadas por um maior acesso às tecnologias estão contaminando também o jornalismo. O que deveria ser interpretativo e analítico está se tornando cada dia mais rápido e rasteiro, sob a desculpa de que “é isso que o leitor quer”. Pelo contrário, a sociedade precisa cada vez mais de reflexão e aprofundamento. Pois só assim vai ter uma mínima chance de distinguir entre a mentira, a desinformação e o fato.
Desconfie, cheque, seja ético. Utilize alguns preciosos segundos consultando outras fontes antes de tirar qualquer conclusão apressada. Ou, então, continue acreditando no seu mentiroso favorito.
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Edgard Rebouças leciona Ética na Comunicação e coordena o Observatório da Mídia na UFES; é membro do Conselho Estadual de Ética Pública do Espírito Santo.