Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Onde está o foco do nazifascismo brasileiro?

Foto dos chamados Gladiadores do Altar, postada no Facebook pela Igreja Universal do Ceará. (Foto: Reprodução)


Roberto Alvim saiu do governo por ter pronunciado, num vídeo, um discurso nazista. Na verdade, quis ser mais realista que o rei e pagou sozinho por sua falta de tato. Em outras palavras, disse em alto e bom som o que não é segredo em Brasília: o governo Bolsonaro, de extrema-direita, tem pendores nazifascistas. Agora ficou bem claro, a imprensa internacional publicou com destaque, e só continua ignorando quem quiser ou tiver interesse. Porém, não é uma surpresa: já tivemos Plínio Salgado e existe muita gente ainda admiradora de Hitler no Brasil.
A pergunta agora é: como o Brasil, cujos pracinhas chegaram mesmo a lutar na Itália contra o Eixo nazifascista, tem atualmente um governo simpático a Hitler e Mussolini, embora, ao mesmo tempo, num esforço de equilibrismo, queira manter amizade e colaboração com Israel?
Retornar ao Plínio Salgado e aos integralistas “galinhas verdes” não explica a situação. A coisa é recente. Tem, porém, um traço marcante: não se trata de uma opção intelectual individual. O foco dessa vertente – e isso é importante – não está nas reuniões secretas de partidos. A trama é feita em nome de Deus, de uma maneira muito sutil, germina e se desenvolve nas áreas de influência das igrejas ditas evangélicas. Como nesse tipo de doutrinação é sempre necessário haver um inimigo e um perigo maior, utiliza-se a existência de uma ameaça, a do comunismo, como se o Brasil estivesse infestado de comunistas.
Existem, então, dois inimigos à espreita do pobre cidadão, reduzido à condição de inculto ingênuo por falta de maior cultura e, vamos ser sinceros, porque o petismo, nos seus anos de governo, favoreceu mais seu lado populista de esquerda do que a libertação política pelo conhecimento. A lógica da dialética evangélica levada ao povo é simples, básica, elementar, quase infantil: de um lado, o pecado; do outro, o diabo. O diabo torna os homens pecadores, sujeitos ao inferno. Para escapar da condenação eterna, só há um remédio: entrar numa igreja evangélica e seguir as sagradas escrituras.
Os argumentos pouco mudaram desde a Idade Média. Mudou a igreja – antes, eram os católicos que assustavam o povo, obrigado a comprar indulgências se não quisesse ir para o inferno. Surgiu, então, Lutero, desmascarando Tetzel, o enviado papal para a colheita do dinheiro gerado pelas indulgências, destinado ao Vaticano. Quinhentos anos se passaram e, hoje, os que se pretendem descendentes de Lutero tomaram o posto de Tetzel. Em lugar das indulgências, os dízimos dos miseráveis. Em lugar da construção de basílicas, a obtenção do poder.
A história é extremamente tola, mas se repete com pequenas variantes. Em síntese: o foco do nazifascismo brasileiro, não é preciso procurar muito, está nas pregações dos pastores evangélicos. Ou são pessoas que pensam politicamente como nazifascistas que se apoderaram da ingenuidade e do pensar popular utilizando os púlpitos das igrejas evangélicas? Seja como for, esse pessoal “inspirado por Deus”, mas formado segundo a exegese bíblica dos norte-americanos, vai destruir – se continuarem se multiplicando – toda nossa cultura índia, negra e portuguesa e substituir pela dos puritanos do Mayflower. Roberto Alvim, o ex-secretário da Cultura, é um recente convertido evangélico, que culpa e responsabiliza o diabo por sua demissão!
O que houve com o Brasil? Endoideceu ou emburreceu? Provavelmente as duas coisas, com a agravante de ter ingerido e digerido uma perigosa dose de nazifascismo. A transição de Hitler para a violência e para o massacre dos opositores não foi imediata, foi gradativa. Grupos de populares, gente boa como os atuais evangélicos, saiam à caça de judeus. Se nada for feito, se continuarmos nessa letargia de uma esquerda impotente, haverá uma caça aos petistas, aos comunistas e aos esquerdistas em nome de Deus.
E, ao que parece, a Igreja Universal se prepara para isso. Ela criou um estranho Exército de Gladiadores do Altar, com uniforme militar, praticando ordem unida, por enquanto armados só com “a palavra de Deus”. Porém, vista a intolerância dos evangélicos contra os cultos afro, qualificados de pagãos, bastará um clima político tenso no Brasil para esses jovens soldados de Deus se tornarem cópias cristãs dos fanáticos talibãs. A Igreja Universal não explica direito porque criou um exército uniformizado, com soldados; fica a suspeita de que poderão ser utilizados na hipótese de um clima de agitação social. Os evangélicos terão, portanto, se inspirado nos extremistas muçulmanos para enfrentar qualquer mudança de governo capaz de acabar com seus privilégios.
Roberto Alvim levou a público o que se pensa em Brasília. Sua ação solitária só foi possível porque se sentia apoiado e sustentado pelo presidente Bolsonaro e seus ministros. Foi um tanto afoito, queria ser o primeiro, porém não inventou nada diferente do que ouvia no Planalto. Regina Duarte, ao tomar seu lugar e ainda por cima confessar sua inexperiência, vai comprometer seu nome e passado, pois é a pessoa ideal para um jogo de manipulação.
Roberto Alvim queria destruir nossa cultura e substituí-la por uma pobre e sombria cultura evangélico-nazi-integralista. Regina Duarte será utilizada para destruir nossa música, cinema, teatro, ricas na sua mestiçagem, irreverência, liberdade e mesmo libertinagem, num produto religioso, repressivo com a falsa alegria dos cânticos dos salmos e hinos evangélicos. E, nos festivais de cinema, não haverá mais os provocantes, irreverentes e imorais (?) filmes brasileiros.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. É criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.