A busca de soluções para a inserção do jornalismo na era digital caminha agora na direção do processo participativo, a nova palavra da moda na profissão. O jornalismo participativo ainda é um tema limitado aos meios acadêmicos, especialmente na Europa, mas já está sendo adotado por vários novos empreendedores, especialmente nas pequenas e médias cidades.
Trata-se de uma modalidade que aproveita as experiências, tanto dos êxitos como dos fracassos, do jornalismo cívico (década de 1970), do jornalismo público (anos 1980) e, mais recentemente, das apostas no jornalismo comunitário, bem como na segmentação noticiosa através dos blogs e redes sociais.
No fundamental, todas essas experiências coincidem na preocupação em aproximar os profissionais do jornalismo ao público consumidor de notícias, quebrando o tradicional paradigma de distanciamento das redações em relação a leitores, ouvintes, telespectadores e usuários de sites noticiosos na internet. É um desdobramento de toda a discussão sobre o papel da informação local na era digital e sobre o engajamento dos jornalistas com o público.
Uma novidade é o fato do jornalismo local e hiperlocal (cobertura de bairros e ruas) ter adotado a participação do público como prioridade máxima tanto na produção de notícias e reportagens investigativas como na busca de sustentação financeira. No jornalismo local, os profissionais têm um contato muito mais direto e frequente com os membros da comunidade, o que favorece a participação dos leitores.
Outra grande diferença do jornalismo participativo em relação às experiências passadas é sua proposta de levar o público a se envolver na seleção, edição e publicação de notícias através de um processo formado por três etapas, definidas pelos pesquisadores acadêmicos como “acesso”, “diálogo” e “deliberação”.
O item “acesso” trata dos procedimentos por meio dos quais as pessoas se tornam atores participativos na atividade jornalística, como eles interagem com os profissionais, como absorvem os valores jornalísticos e como se relacionam com o uso da informação, incluindo normas regulatórias e combate às fake news. É uma etapa complexa porque vai depender essencialmente das condições locais, onde três ferramentas são mais frequentes, segundo as pesquisas da finlandesa Laura Ahva, da universidade da cidade de Tempere:
1. Formação de comunidades de prática envolvendo jornalistas e membros do público para definir as estratégias do projeto de jornalismo participativo;
2. Integração do público à produção de notícias por meio de sugestões de reportagens, entrega de fotos ou vídeos, fornecimento de dados e entrevistas, mas sem envolvimento nas decisões editoriais;
3. Inserção no espaço público local, quando pessoas ou grupos envolvidos em alguma causa ou projeto específico se aproximam dos jornalistas para obter visibilidade pública.
Inversão de papéis
Tradicionalmente, os jornalistas detinham o monopólio do acesso à produção de notícias e reportagens por meio do processo conhecido como gatekeeping, que lhes dava o poder de decidir o que seria ou não publicado. No jornalismo participativo local, essa decisão cabe agora a um coletivo formado por profissionais e membros da comunidade de leitores, ouvintes, telespectadores ou internautas que apoiam a publicação.
A etapa “diálogo” consiste em conversas e discussões entre jornalistas e colaboradores. Esta é, talvez, a etapa crítica do processo, porque é nela que os profissionais testam sua capacidade de mediar a relação com e entre os participantes da comunidade de apoio. A mediação é indispensável, porque as pessoas não têm experiência no trato com a informação, especialmente na diferenciação entre notícias falsas e verdadeiras, bem como na determinação da relevância, exatidão e contextualização dos dados, fatos e eventos a serem publicados.
A última etapa do processo participativo é a “deliberação”, ou tomada de decisões. Uma relação entre jornalistas e o público que não conduza a uma resolução acaba frustrando ambas as partes, mesmo que elas tenham superado com sucesso as etapas de acesso e diálogo. Nesta última etapa, ao contrário da fase do diálogo, o jornalista passa a um segundo plano, porque a deliberação será basicamente assumida pelos membros da comunidade. A função acessória do jornalismo acontece quando ele facilita a formatação dos conteúdos e auxilia a comunidade de apoio na escolha das plataformas de comunicação mais adequadas aos objetivos pretendidos.
Escrever sobre o jornalismo participativo local é uma coisa. Praticá-lo numa pequena cidade é outra, bem mais complexa, porque a experiência me mostrou que é impossível transplantar soluções. Cada ambiente tem suas características próprias e o trato com pessoas é talvez a parte mais complicada do processo. A gente acaba aprendendo muito mais do que orientando. Erramos muito mais do que acertamos. A única vantagem é que os erros acabam nos ensinando mais do que as teorias. Mas isso eu conto outra hora.
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Carlos Castilho é jornalista profissional com doutorado em curadoria de informações e pós-doutorado em comunidades de prática em jornalismo local.