Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Cervejeiro artesanal vai desaparecer se não montar o seu controle de fiscalização

(Foto: Unsplash)

Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas

A história da contaminação da cerveja artesanal Belorizontina, em Belo Horizonte (MG), é muito mais do que um caso de polícia. É uma sirene que foi ligada emitindo um som ensurdecedor que, se não for ouvido pelos cervejeiros artesanais do Brasil, acabará levando-os à extinção. Porque esse tipo de coisa se espalha como fogo em palha seca untada com gasolina. Em dezembro do ano passado, foi descoberto que dois lotes da cerveja haviam sido contaminados pela substância dietilenoglicol, que ataca os rins e o sistema nervoso. Até agora, as autoridades sanitárias descobriram que 26 pessoas foram contaminadas, sendo que cinco morreram. A Belorizontina é fabricada pela Cervejaria Backer, a primeira artesanal de Minas Gerais, fundada em 1999. O dietilenoglicol é um anticongelante usado por algumas cervejarias, mas que não entra em contato com a cerveja. Os representantes da empresa negam que tenham usado o produto.

Houve sabotagem ou acidente? A pergunta vai ser respondida pela investigação policial e pela apuração que os fiscais sanitários do governo mineiro e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estão realizando. É uma questão de tempo para saber o que realmente aconteceu. Independentemente do que for descoberto, o fato é que o estrago na imagem das cervejas artesanais já está feito. E o que impende que se repita? Essa é a pergunta que nós, repórteres, temos que responder. Na busca pela resposta, vamos olhar como se organiza o mercado brasileiro de cerveja. O Brasil se perfila entre os vinte países do mundo que mais consomem cerveja: são 62 litros per capita anuais. As artesanais somam 664 fábricas, com o Rio Grande do Sul à frente, tendo 186. O total da produção é de 380 milhões de litros anuais, correspondendo a 2,7% da produção nacional. São representadas pela Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva). A maior cervejaria do país é a Ambev, que produz 68% da cerveja consumida no país – há um vasto material sobre o assunto disponível na internet.

Nos últimos 25 anos, as cervejas artesanais ressuscitaram no mercado nacional. Nasceram nas cozinhas de apaixonados pela bebida e acabaram se tornando um grande negócio. E o que acontecia no Brasil enquanto as artesanais cresciam no mercado? Os serviços de fiscalização sanitária dos municípios, dos estados e da União entravam em decadência devido a vários problemas, do quais dois podem ser citados como principais: a falta de reposição dos funcionários aposentados e a falta de investimento na estrutura da fiscalização (veículos, laboratórios e equipamentos). Aqui, chegamos ao xis da nossa questão. Caso os cervejeiros artesanais não se organizem e montem um serviço de fiscalização em seu setor, vai acontecer uma invasão de aventureiros e a marca será jogada no lixo. Temos exemplos de setores que se organizaram para não desaparecer. Vou citar dois que testemunhei fazendo reportagens. O setor de carnes (gado, suína e frango) era infestado por clandestinos. Produtores e frigoríficos se uniram e varreram do seu meio os ilegais. Da mesma forma, os plantadores de fumo e as indústrias do tabaco estão travando uma luta de igual para igual com os contrabandistas de cigarros paraguaios que inundam o mercado brasileiro.

Como eles se organizaram? Montaram um sistema de informações que tem três pilares: um deles mantém o consumidor informado sobre quem é quem no setor. Outro abastece as redes sociais e a imprensa tradicional com informações. E o terceiro é a pressão permanente sobre as autoridades, exigindo que façam seu trabalho de fiscalização.

Lembram-se, meus colegas, que lá no início do texto eu usei a palavra “ressuscitaram” para descrever a presença crescente do cervejeiro artesanal no mercado? Por que? Os agricultores descendentes dos imigrantes europeus que povoaram o norte do Rio Grande do Sul e depois subiram para o oeste de Santa Catarina, Paraná e dali para as fronteiras agrícolas dos estados do oeste do Brasil faziam, até o início dos anos 1960, a sua cerveja e a sua gasosa (refrigerante) em casa. Contei essa história em três livros: Brasil de bombacha, de 1996, atualizado em 2011 como O Brasil de bombachas – As novas fronteiras da saga gaúcha, e De pai para filho na migração gaúcha, de 2019. Lembro-me que, no meu tempo de criança no interior de Santa Cruz, meu avô e seus vizinhos faziam um comboio de carroças para entregar o fumo para os compradores. Na volta, ficavam três dias na casa de um deles cantando e bebendo cerveja caseira, acompanhada por cuca e linguiça fervida na água. A cerveja artesanal faz parte da história das famílias gaúchas e de seus descendentes que migraram para outras terras. Esse foi um dos motivos que a fez voltar ao mercado. O que os empresários do setor precisam saber é que, se não se organizarem, serão cordeiros em baile de lobos. É simples assim.

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Carlos Wagner é jornalista.