Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ernesto Rodrigues

(De olho no voto, 7, 8 e 9 de outubro)

A decisão dos candidatos Gilberto Kassab e Marta Suplicy de voltar atrás e não participar do debate promovido pela TV Cultura e pelo jornal Estado de S. Paulo mostra que ambos, pelo menos neste gesto, não estiveram à altura da cobertura equilibrada, informativa e cidadã que tem sido feita pela emissora nessas eleições municipais.

Problema de Kassab e de Marta, porque a cobertura vai continuar, com programas inteiros dedicados ao assunto, como o Roda Viva e o Opinião Nacional desta semana, e com o ‘De olho no voto’, um debate diário que tem aprofundado a discussão sobre os resultados eleitorais.

A boa matéria de Renato Lombardi, mostrando a inutilidade da maioria dos 3021 projetos aprovados na legislatura atual da Câmara Municipal de São Paulo, foi emblemática em relação ao que acontece na maioria dos municípios brasileiros e, por isso, deu, ao ‘De olho no voto’ de 7 de outubro, o desejado olhar nacional que um programa de rede nacional deve ter. A informação de a Câmara paulistana dedicou seu tempo para criar comemorações absurdas como o dia da pizza e o dia da chuva provocou um debate interessante entre a âncora Layla Dawa e os vereadores convidados, José Américo e Gabriel Chalita – este último o recordista de votos em todo o país.

O programa teve ainda reportagens interessantes, como a que foi feita com Juliana Cardoso, vereadora eleita na periferia de São Paulo e uma espécie de contraponto do alto índice de reeleições verificado em todo o país. Foi também enriquecedora a análise feita, na edição do dia 9, com a participação do cientista político Humberto Dantas, das surpresas eleitorais do Rio e Salvador e dos erros do Ibope no pleito carioca, entre outros fatos relevantes da eleição.

Um reparo: a idéia de mostrar prefeitos eleitos com nomes curiosos ou engraçados como Bananinha, Biscoito, Chico Pipoca, João da Égua, Mamão, Mané, Peixinho, Testinha e Toninho da Padaria, entre outros, foi interessante, mas ficou apenas no pitoresco, descolada do debate. Os vereadores convidados e o professor Carlos Mello, outro participante do debate, poderiam ter sido instados a interpretar o significado do sucesso eleitoral desses nomes. O mesmo poderia ter acontecido no programa seguinte, com os convidados Floriano Pesaro e Netinho de Paula, quando Layla comentou, em uma passagem de bloco, a eleição do palhaço Pimpão para a prefeitura de Catanduvas.

E ficamos assim: os candidatos continuam fazendo marketing e a TV Cultura jornalismo

Conheça os pontos positivos e negativos da programação exibida na última semana.

Portas abertas

Prelúdio 2008, 28 de setembro

A exemplo do que o Entrelinhas faz com a literatura, os realizadores do Prelúdio 2008 revelaram, no programa que mostrou a primeira eliminatória do concurso, a saudável preocupação de atrair o telespectador médio de TV aberta, no caso para a música erudita. A peça de abertura, a conhecida e também belíssima Primavera , de Antonio Vivaldi, regência de Júlio Medaglia, certamente contribuiu para que muitos não trocassem de canal. Outra preocupação, na mesma linha, foi a apresentação, através da eficiente Estela Ribeiro, das três concorrentes – uma cantora, uma flautista e uma violinista – com pequenas mas interessantes reportagens de perfil. A participação dos jurados convidados – Irineu Franco Perpétuo, Eduardo Monteiro e Gilberto Tinetti – também foi eficiente, com análises rápidas, francas e fraternas. E, claro, o próprio formato do programa, com o irresistível fascínio que qualquer competição humana desperta, certamente fez com que muitos telespectdadores assistissem às três apresentações – conhecendo um pouquinho mais da música de Mozart, Mendelsshon e Reinecke – para saber quem venceria a primeira eliminatória.

Suspiros e idéias

Roda Viva, 29 de setembro

Para desgosto de alguns telespectadores que enviaram emails para este ombudsman, a entrevista com Wagner Moura foi temperada com uma taxa considerável de tietagem dos entrevistadores convidados – Crisitina Padiglione, Monica Bergamo, Nina Lemos e Jefferson Del Rios, além da âncora Lillian Witte Fibe. Mas assim foi, é preciso dizer, porque Wagner Moura é uma pessoa irresistivelmente simpática. Seria injustiça, no entanto, ficarmos apenas na simpatia. Ao longo da entrevista, Wagner não negou sua condição de privilegiado da Lei Rouanet , chegou a revelar o valor do patrocínio que captou (R$ 800 mil) para seu Hamlet, discutiu a controvérsia ideológica em torno do filme ‘Tropa de elite’’, fugiu do script previsível dos astros da tv que falam mal da tv e das telenovelas, explicou as razões pelas quais não entra na ‘mentira’ das revistas de celebridades, declarou-se um entusiasta dos governos Lula e Sérgio Cabral, confirmou a existência de preconceito contra nordestinos, falou de sua grande preocupação com a violência rural e contou, com orgulho, como o pai, um sargento da Aeronáutica, e a mãe, uma dona de casa, conseguiram garantir formação superior para ele e a irmã. Se Wagner Moura não falou mais sobre teatro, política, mercado cultural e outros assuntos foi porque era visível sua simpática determinação de não dizer bobagens ou parecer pretensioso.

Machado para todos

Metrópolis, 29 de setembro

A matéria especial feita pelo Metrópolis para lembrar os cem anos da morte de Machado de Assis, além de rica, informativa e ilustrada com trechos de contos do autor lidos – ou interpretados – por Beatriz Segal, teve o mérito de usar citações audiovisuais – de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ e ‘Dom Casmurro’ – que puderam ser apreciadas sem que o telespectador tivesse, necessariamente, lido os dois livros. Foi bom, portanto, para quem conhecia e, quem sabe, serviu como um empurrãozinho definitivo pra quem ainda não leu a obra machadiana. TV aberta, a propósito, é isso.

Silêncio revelador

Sexualidade – Prazer em conhecer, 2 de outubro

Uma semana após o programa em que os participantes do programa ‘Sexualidade – Prazer em conhecer’ debateram, de forma aberta, saudável e bem-humorada, a ejaculação precoce e as peculiaridades do orgasmo feminino, a mesma turma conversou sobre os mitos e fatos relacionados à masturbação. Como o programa anterior, esse ótimo conteúdo, mais uma vez, pelo menos até a manhã de segunda-feira, dia 6 de outubro, não despertou qualquer tipo de reação, de apoio ou protesto, no email deste ombudsman ou no Fale Conosco da emissora. Seria bom acreditar que a ausência de reação do público se deve à maturidade da sociedade brasileira em relação ao tema. Infelizmente, porém, tudo indica que a falta de polêmica sobre assuntos tão provocantes se deve mesmo à baixa audiência. Em se confirmando essa impressão, cabe, em forma de proposta de reflexão, a pergunta que não quer calar aqui neste espaço: o que fazer para que o conteúdo de uma emissora pública seja efetivamente de domínio público?

Respeitável público

Manos & Minas, 1º de outubro

Entre as reportagens, destaque para a boa edição e para a riqueza visual do perfil do grupo ‘Doutores da alegria’, que atua nos hospitais infantis, oferece cursos de palhaço e quer transformar um viaduto da cidade em espaço cultural.

Variações sobre a perplexidade

Opinião Nacional, 2 de outubro

É bem verdade que a montanha-russa do mercado financeiro internacional não tem parado. E que, ao não parar, continua inspirando pautas e entrevistas na mídia brasileira e internacional, como aconteceu no Opinião Nacional de 2 de outubro. Também é verdade que o programa reuniu, na bancada, respeitados intérpretes do cenário econômico atual, alguns mais intervencionistas, outros ainda acreditando, sabe-se lá como, na outrora venerada ‘sabedoria do mercado’. E é claro que o assunto, em si, apesar da incidência, no debate, daquele jargão inacessível para a maioria dos telespectadores, continua importante e decisivo para o cidadão a curto, médio e longo prazo. Considerando-se, porém, que um recente Roda Viva com o ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn foi dedicado às mesmas variações em torno da perplexidade geral, que o Jornal da Cultura tem feito uma cobertura consistente, regular e analítica da crise financeira, que o pesadelo dos mercados, como se vê a cada dia que passa, está longe do final e que a vida continua na chamada economia real, talvez seja o caso de investir, sem trocadilho, em outros temas.

Bola fora

Cartão Verde, 1º de outubro

Nada como um dia depois do outro. No caso, infelizmente. O time do Cartão Verde, uma semana depois de um programa muito bem-temperado com humor e informação, escorregou várias vezes na galhofa, exagerou nas piadas internas envolvendo Vítor Birner, soou em alguns momentos como uma balbúrdia incompreensível e foi pobre em análise e informação esportiva.

Esquecimento

Manos & Minas, 1º de outubro

Rappin Hood apresentou o novo DJ, Nato, deixando claro, salvo engano, que o Manos & Minas de 2 de outubro foi o primeiro gravado depois da morte do DJ Primo. Mesmo assim, Rappin Hood deixou pelo menos parte dos telespectadores intrigados, ao não fazer qualquer comentário sobre o desaparecimento do músico.

Hermetismo

A’Uwe, 20 de setembro

O ótimo conteúdo de ‘De volta à terra boa’ não eliminou, infelizmente, a dificuldade que os telespectadores menos engajados no tema tiveram ou teriam de acompanhá-lo até o final. Mais uma vez, tratou-se de uma simples transposição do ‘filme’ para a televisão, como acontece com quase todos os documentários acolhidos pela TV Cultura. Uma narração de Marcos Palmeira, ainda que fosse concomitante à legendagem, mais algumas participações dele, inseridas no meio dos blocos e ‘amarrando’ os assuntos, e alguns videografismos atualizados, situando os fatos no tempo e no território brasileiro, entre outras medidas de adequação do material à exibição em TV aberta, certamente aumentariam o espectro de público do programa.

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Um programa memorável (9/10/08)

(Manos & Minas, 8 de outubro)

A edição do Manos & Minas de 8 de outubro talvez tenha sido a mais emblemática da contribuição renovadora e instigante que o programa vem dando, desde a estréia, ao cenário contemporâneo da TV aberta brasileira. Não necessariamente pelas características de formato, linguagem e de composição visual que já o distinguem de todos os outros programas dedicados à música popular na telinha, mas pelo fato de ter tido, como personagens, dois dos maiores ícones do mundo urbano periférico ao qual se destina: o rapper, escritor e documentarista MV Bill e Dexter, o ex-assaltante que se tornou um rapper enquanto cumpria pena no sistema prisional do estado de São Paulo.

A presença de MV Bill e sua banda no palco não foi apenas uma oportunidade para que ele mostrasse músicas como o clássico ‘Soldado do morro’ (‘ Se eu cair, só minha mãe vai chorar, na fila tem um monte querendo entrar no meu lugar’) e a engraçada ‘Estilo vagabundo’, que ridiculariza o machismo nas relações entre homens e mulheres da periferia – e que levou ao delírio as ‘minas’ da platéia do Teatro Franco Zampari. Foi também uma demonstração, principalmente para os que torcem o nariz para o tipo de música predominante no programa, que também existem rappers intelectualmente articulados que, além de ter arranjos de violino e clarineta na banda, fazem questão e dominar completamente a língua portuguesa.

Ao ser entrevistado, no palco, por Rappin Hood, MV Bill deixou claro que não quer abandonar o ‘trabalho de raiz’, mas disse ter aproveitado a experiência de escritor para ‘dialogar com outras pessoas quem nem gostam de rap’. Ao ser confrontado com a atitude radical de entrar no palco com uma pistola na cintura, no Free Jazz Festival de 1999 – imagem de arquivo oportunamente mostrada pelo programa durante a entrevista – MV Bill deu o recado que já o distingue de outros rappers mais agressivos: ‘Aquele choque com a sociedade, com a hipocrisia, talvez não seja mais necessário. Não preciso mais dessa arma pra obter atenção’.

Já a entrevista de Rappin Hood com Dexter na penitenciária de Hortolândia, primorosamente editada em três segmentos ilustrados com clipes do rapper e imagens do sistema carcerário paulista, foi marcante pela emoção à flor da pele e pela contundência do entrevistado. Diferentemente de MV Bill, Dexter, que conseguiu 157 saídas da prisão para shows e palestras e faz carreira de músico por trás das grades, disse que o rap é ‘uma arma’, ‘uma revolução através das palavras’ e ‘a única música que reúne as pessoas pra falar de consciência política, social, racial, uma válvula de escape pra todos aqueles que não têm educação, cultura e informação’.

Dexter também foi categórico ao condenar o caminho da criminalidade. As razões ele viu de perto e estão em uma músicas que ilustraram a entrevista: ‘Primeiro de abril, dez da manhã, atravesso os portões do Vietnam, o que ficou pra trás foram só sonhos e poeiras, Carandiru, SP, fim de carreira’. Para completar a ótima entrevista, Rappin Hood ainda conversou com a mulher de Dexter, Patrícia Omena, que estava na platéia do Franco Zampari.

Dois estilos e duas trajetórias do mundo dos rappers, em um Manos & Minas emocionante, revelador e memorárel, principalmente pela autencidade com que mostrou, sem filtros paternalistas, o que pensam, o que fazem e o que sentem dois ídolos da periferia brasileira.

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Uma certa confusão no ar (8/10/08)

Roda Viva, 6 de outubro

A lógica do resultado das eleições. Não poderia haver tema mais apropriado para um Roda Viva, no dia seguinte às eleições municipais. O entrevistado convidado, o sociólogo Alberto Carlos Almeida, lançando o livro ‘A cabeça do eleitor’, também prometia, principalmente por causa da polêmica causada pela obra anterior, ‘A cabeça do brasileiro’.

O resultado, no entanto, pode ter frustrado parte dos telespectadores, devido a um certo relativismo – e uma falta de hierarquização – nas respostas de Alberto Carlos. Apesar de sua notável agilidade mental e do estilo coloquial bastante apropriado à televisão, várias vezes, em vez de responder o que a bancada perguntava, ele transformou as perguntas em plataformas para as teses que defende no livro.

Em outros momentos, recorreu à complexa superposição dos seis fatores eleitorais decisivos que descreve no livro (avaliação de governo, identidade política, carisma pessoal, currículo, crescimento nas pesquisas e apoio político) para deixar no ar uma certa confusão, quando a bancada propôs a ele análises eleitorais específicas.

O erro colossal do Ibope, ao não detectar o crescimento de Fernando Gabeira no Rio de Janeiro, assunto de alta pertinência devido ao enfoque central do livro do entrevistado, até foi levantado no início. Mas a resposta de Alberto, incompleta e quase telegráfica, infelizmente não mereceu tréplica dos entrevistadores.

Frustrações à parte, Alberto Carlos foi mais específico na análise da vitória de Kassab – atribuindo-a, erroneamente ou não, aos compromissos assumidos pelo prefeito com a saúde e ao que considerou ser um erro de Marta Suplicy: a promessa de Internet de graça. E provocou uma polêmica interessante, ao minimizar a influência da corrupção e dos partidos políticos nas eleições e dizer que o que pesa muito mais, na hora do voto, é o pragmatismo do eleitor em relação às suas próprias necessidades.

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Falta de comunicação (7/10/08)

Publicidade Infantil

A edição do programa Balanço Social exibido no dia 6 de outubro expôs uma situação que ilustra à perfeição a falta de comunicação que às vezes prevalece não apenas entre a TV Cultura e seus telespectadores, mas também entre as áreas da própria emissora.

Em um programa totalmente dedicado à conscientização das crianças sobre a importância da sustentabilidade, os destaques foram uma reportagem sobre os malefícios da publicidade dirigida a elas e uma entrevista com a presidente do Instituto Alana, Ana Lúcia Villela, sobre o mesmo assunto. Nos dois casos, a publicidade infantil pela televisão foi explicitamente condenada.

O telespectador que tenha assistido o programa, principalmente se foi um dos pais que têm mandado emails indignados para este ombudsman, condenando a intensa veiculação de publicidade durante o horário infanto-juvenil da emissora, deve ter ficado perplexo e intrigado, achando-se no direito de perguntar: ‘Ora essa, como pode a TV Cultura condenar a publicidade infantil sem admitir que ela própria veicula esse tipo de publicidade no horário infanto-juvenil?’

Esse telespectador ficaria ainda mais intrigado se soubesse que o Instituto Alana, cuja presidente foi entrevistada por Heródoto Barbeiro durante o Balanço Social, foi o remetente de uma volumosa documentação na qual interpelava energicamente a TV Cultura, argumentando que a inserção de publicidade no horário infanto-juvenil fere o estatuto da Fundação Padre Anchieta.

Não se trata de cinismo. Na verdade, a TV Cultura, respondendo ao Instituto Alana, já tomou a decisão de reduzir gradativamente a publicidade voltada às crianças, substituindo-a por projetos institucionais patrocinados, até acabar, a partir de 1º. de janeiro de 2009, com a veiculação de comerciais no horário da programação infantil, que vai das 7 às 19 horas.

Essa informação, em respeito ao telespectador e em nome da bom relacionamento da emissora com a comunidade, teria de ser dada, com destaque, durante o programa Balanço Social. E, considerando-se que a decisão da emissora foi noticiada, aparentemente, apenas na página deste ombudsman, no dia 15 de setembro passado, seria mais que oportuno veicular uma mensagem institucional regularmente na programação com esse esclarecimento, para que os pais dos pequenos telespectadores não continuem achando que seus protestos não estão sendo ouvidos pela emissora.’