O mais respeitado suplemento literário do mundo ibero-americano é o ‘Babelia’ (sábados, El País). Na última edição (nº 934, 17/10) nenhuma palavra sobre a Feira de Frankfurt nem sobre o apresentação oficial do Kindle, o leitor de livros digitais, lançado dias antes pela Amazon. O silêncio contrasta com o comportamento do Brasil novidadeiro que comemorou com rojões o lançamento da nova trapizonga (no dizer de João Ubaldo Ribeiro).
A Feira de Frankfurt é o maior evento livreiro do mundo; não é propriamente literária, mas claramente comercial: os editores querem ver o que há de novo e o que podem comprar para lançar em seus países. Já os suplementos literários ou culturais funcionam na etapa seguinte e em outra direção: vendem conteúdo, acompanham os lançamentos, apuram o gosto do público, tentam despertar interesses e levar mais gente a freqüentar livrarias e a comprar livros.
A trepidação em torno do Kindle na mídia brasileira (inclusive nos cadernos culturais), além de prematura, excessiva, é caipira (ver ‘O avanço para trás‘). O livro digitalizado pertence à esfera dos formatos e das tecnologias, o que pulsa dentro deles é literatura, qualquer que seja o gênero. E os veículos de comunicação, na condição de ferramentas disseminadoras de cultura, deveriam atentar para o seu ‘modelo de negócio’ baseado no estímulo continuo à curiosidade intelectual e ao hábito de leitura. No papel ou numa maquineta eletrônica.
Futurismo sem lastro
Se no Brasil o Kindle transformar-se num incentivador da leitura e da busca do conhecimento, então viva o Kindle. Mas antes de promovê-lo ao status de ‘messias’ e solucionador do nosso atraso cultural, conviria resolver os problemas subterrâneos que comprometem e atravancam a adoção universal das novas tecnologias de informação.
Nossa mídia detesta noticiar os apagões que freqüentemente silenciam os nossos celulares porque o telemóvel é o aparelho que mais se vende no Brasil (e também o que mais se rouba). Colocar o sistema de telefonia móvel sob suspeita pode representar um tranco pesado na publicidade do varejo de eletrodomésticos. Nossa mídia também não gosta de encarar a baixíssima qualidade da banda larga. Se o fizer estará admitindo que suas edições digitais apresentam sérios handicaps funcionais.
O avestruz é o símbolo e o inspirador da nossa mídia. Ao invés de identificar problemas e mostrar que sabe solucioná-los, prefere escondê-los. A melhor prova é a queda da qualidade das transmissões radiofônicas em FM, visivelmente prejudicadas pela interferência das antenas de telefonia celular instaladas aleatoriamente, sem controle, nas coberturas dos prédios e multiplicadas com incrível velocidade.
Os conglomerados de mídia que operam no segmento radiofônico jamais admitirão que ouvir rádio nas grandes cidades brasileiras deixou de ser um prazer. As agências de publicidade – que teoricamente deveriam defender os interesses dos anunciantes fiscalizando a qualidade da transmissão – preferem contornar e camuflar as dificuldades.
O rádio é um meio de comunicação insuperável – desde que funcione e seja ouvido. É mais confortável e mais rentável saudar o Twitter como a grande revolução na comunicação, inebriar-se com os milagres do Kindle e idolatrar a as novidades paridas diariamente pelos tecnocratas.
O futurismo sem lastro humanista é estéril. É o outro nome da cultura da obsolescência. Ambos são tabus. Principalmente na taba tupiniquim.