A entrevista exclusiva do presidente da República à Folha de S.Paulo é o destaque da quinta-feira (22/10). Foi a primeira conversa de Lula da Silva com o jornal paulista nos últimos dois anos (leia a íntegra aqui).
Deveria ter sido a oportunidade para oferecer aos leitores grandes esclarecimentos sobre temas importantes que a imprensa vem abordando há muitos meses, como a estratégia brasileira para a exploração das reservas de petróleo do pré-sal, as intervenções do governo nas grandes empresas nas quais o Estado tem participação e, principalmente, a posição oficial do presidente da República diante do problema das mudanças climáticas.
A conversa entre o presidente e o jornalista ficou na superfície da agenda que a imprensa tem oferecido ao público, ou seja, o jornal apenas procurou confirmar suas próprias acepções, perdendo a oportunidade de estimular o chefe do governo a avançar no esclarecimento de políticas fundamentais para o futuro do país.
O primeiro e mais insistente dos temas abordados foi a sucessão presidencial e o porquê de Lula ter escolhido como sua candidata uma ministra sem experiência eleitoral e pouco conhecida do público.
O presidente apenas repetiu o que vem dizendo há meses, reafirmando aquilo que considera qualidades da ministra Dilma Rousseff e deixou claro que ele é quem decide a quem vai apoiar.
A questão das alianças com personagens controversos, como os senadores José Sarney e Renan Calheiros e a boa relação com o senador Fernando Collor, de quem o presidente Lula já foi inimigo jurado, também foi mal explorada, resultando na repetição de velhos chavões segundo os quais a política seria a arte de ‘engolir sapos’.
No final desse trecho, o presidente se apresenta como alguém incapaz de guardar mágoas, e o primeiro terço da entrevista deixa a sensação de déjà-vu. Depois, vêm mais duas páginas sobre medidas econômicas que, de resto, repetem declarações já dadas sobre os efeitos da crise financeira internacional no Brasil.
O melhor da entrevista ficaria para o final
O papel da imprensa
É na última parte da entrevista que o presidente faz uma declaração instigante. Foi quando o jornalista perguntou se ele se incomoda com a imprensa fiscalizando o poder, ou seja, cumprindo seu papel. Lula da Silva respondeu não considerar que o papel da imprensa seja fiscalizar o poder, mas informar o público.
Em seguida, disse ‘pedir a Deus’ que a imprensa informe da maneira mais isenta possível e que explicite suas opiniões políticas nos editoriais.
Esse é o trecho, o último da entrevista, em que a Folha coloca em pauta um tema interessante. Afinal, perguntam-se todos os dias os observadores: qual é o papel da imprensa?
Aqui mesmo, neste espaço, muitos comentaristas se referem à interpretação de que a imprensa se comporta mais como um partido político do que como instrumento de comunicação social. O comentário do presidente da República precisa ser levado adiante, para ajudar a esclarecer essa relação sempre ambígua entre a imprensa e o poder. Afinal, as escolhas da imprensa determinam quais aspectos do poder público serão discutidos pela sociedade, sobre quais deles o cidadão irá se manifestar.
A própria entrevista publicada pela Folha de S.Paulo é exemplo dessa relação: o jornalista abordou temas políticos, tentou reanimar a polêmica entre a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira e a ministra Dilma Rousseff, mas não perguntou o que Lula da Silva entende que será seu legado.
Essa questão estaria embutida numa pergunta sobre a estratégia de desenvolvimento pensada pelo atual governo, diante dos desafios que irão reunir em Copenhague, daqui a menos de dois meses, a Conferência das Nações Unidas sobre clima.
Sem perguntas
Dentro desse mesmo tema caberia informar o leitor sobre o que pensa o presidente sobre a legislação de proteção ao patrimônio natural, que está sob risco no Congresso Nacional.
Da mesma forma, relacionado à questão do desenvolvimento sustentável estaria o problema da consolidação dos ganhos sociais obtidos pelos programas de assistência à população mais pobre.
O presidente nada disse sobre essas questões fundamentais porque nada lhe foi perguntado. E a resposta sobre o papel da imprensa fica devendo mais reflexões: afinal, a imprensa deve fiscalizar o governo ou apenas informar?