Vamos nos ocupar aqui dos aspectos puramente jornalísticos deste episódio que abala o país já há uma semana. Em outras páginas e em outros dias nos ocupamos da morte do jornalista nos seus aspectos morais, legais e políticos.
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O único jornal a noticiar em sua edição de domingo a morte de Vladimir foi O Globo. O Estado de S.Paulo nesse dia noticiou apenas suas prisão. A notícia chegou à redação do Jornal do Brasil em tempo útil de ser incluída na edição de domingo, mas o plantonista ficou temeroso e deixou-a de fora. Autocensura embota qualquer jornalista.**
Apesar de ter sido o único a noticiar o fato no domingo, O Globo ofereceu aos seus leitores a pior cobertura do caso. De uma contenção que não se justifica, ante a repercussão nacional e internacional do episódio e quando se sabe que não havia restrição alguma por parte dos órgãos censórios. Situação típica de jornal contra notícia.**
A cobertura dos jornais paulistas foi incomparavelmente melhor do que a dos seus colegas cariocas. A imprensa de São Paulo fez um jornalismo mais livre, espontâneo e extremamente responsável. No Rio ficou claro o noticiário dirigido e controlado.**
A melhor trouvaille jornalística foi a de O Estado de S.Paulo ao procurar o rabino Sobel de São Paulo, cujo depoimento é rico em indicações e sábias interpretações.**
Até sexta-feira nenhum jornal tentou investigar o caso em si: houve realmente suicídio? Ninguém tentou localizar e ouvir os dois legistas que examinaram o corpo de Vladimir. Mesmo que se recusassem a falar, o fato seria digno de nota. Há vezes que não-notícia é notícia.**
Nas biografias de Vladimir Herzog ficou faltando traçar-lhe o retrato psicológico: homem maduro e estável, firme e responsável. Homens assim não se suicidam depois de tão breve interrogatório.**
Veja, que saiu na segunda-feira (fecha no sábado), não pode incluir nada sobre o caso. Mas Manchete, que fecha na segunda, quando o caso estava em todos os jornais, não deu sequer uma linha.**
O semanário Opinião ficou fora do assunto porque foi todo censurado. Os censores cortaram inclusive a nota do II Exército esclarecendo a morte, um editorial de O Estado de S. Paulo e uma entrevista de Prudente de Morais, Neto, Presidente da ABI. Crítica, não circulou, mas por razões financeiras.**
As rádios tiveram liberdade para noticiar o caso até quinta-feira última. Na sexta receberam severas instruções da censura para interromper o noticiário sobre o assunto.**
Importante foi a atitude do jornalista Fernando Pacheco Jordão, da Rede Globo, que fez saber ao sindicato carioca que os jornalistas daquela emissora não eram responsáveis pelo noticiário sobre a morte de Vladimir Herzog levado ao ar.**
Curiosas e significativas a nota que O Globo e A Notícia (Rio) publicaram em suas edições de quinta. O teor da nota fazia carga contra as explorações e insistia na tese da infiltração subversiva na imprensa. Mas a ginástica e as contorções que os dois jornais foram obrigados a fazer para dar à mensagem uma autoria e uma origem denotam a suspeição da fonte. Enquanto A Notícia dava a nota como emanada da Arena em Brasília, O Globo informava que ‘órgãos de segurança fazem considerações sobre o suicídio’.**
Até sexta-feira nenhum jornal comentou a inexplicável ausência da CNBB e da Cúria do Rio no caso. Como se sabe, foi por ordem de autoridades eclesiásticas desta cidade que não se realizou a missa na sexta-feira.**
A atitude do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, através de seu presidente Audálio Dantas, foi digna, corajosa e incansável. O sindicato ganhou o respeito da sua classe e das autoridades. Mais tímido foi o comportamento do sindicato carioca. Já a ABI, desde o primeiro momento, colocou-se à frente dos protestos, assumindo posições corajosas e responsáveis.**
A partir da morte de Herzog, as autoridades paulistas passaram a tratar os demais jornalistas presos com uma deferência e cuidado sem precedentes. As várias notas e explicações oferecidas publicamente pelo II Exército também foram inusitadas. A visita que os três comandantes militares de São Paulo fizeram à Sala de Imprensa do Palácio Bandeirantes, no dia da visita de Geisel, foi surpreendente e significativa. A esperança é que o novo comportamento seja duradouro.**
O governo federal demonstrou respeito pela classe dos jornalistas. Uma alta fonte presidencial, quando da vinda de Geisel a São Paulo, fez saber que ele considerava o caso como lamentável. Uma outra fonte em Brasília na quarta-feira fazia saber aos jornalistas que o governo não admitiria provocações mas considerava como legítimas todas as manifestações da classe de jornalistas.**
Lastimável mas rotineiro foi o comportamento de Petrônio Portela e José Bonifácio, que, como sempre, procurando adivinhar o pensamento do governo, meteram-se por caminhos totalmente errados, fazendo acusações absurdas e incríveis ao jornalismo brasileiro.**
O caso Herzog conseguiu este milagre – as empresas jornalísticas paulistas, que incompreensivelmente tratavam seus concorrentes como inimigos e seus nomes proibidos de serem publicados, mudaram completamente de atitude. O Estado de S. Paulo citou Veja várias vezes e o Jornal da Tarde reproduziu trechos de artigos desta Folha de S.Paulo. Esperamos, a partir de agora, que a competição legítima não torne os jornais e revistas brasileiros tão irreconciliáveis e divididos. Concorrentes na banca, no balcão de anúncios, na entrega domiciliar e na qualidade da informação mas unidos nas grandes causas e nos grandes momentos, senão por ideais, ao menos por necessidade de sobrevivênciaCaso Herzog (2): a delação
A 12 de outubro esta coluna denunciava uma solerte campanha de delação que se fazia há algumas semanas contra o Departamento de Jornalismo da TV Cultura chefiado por Vladimir Herzog. Dia 24 de outubro o jornalista era intimado a apresentar-se, no dia seguinte estava preso e morto dez horas depois.
A campanha de caça às bruxas na TV Cultura era comandada pelo colunista Cláudio Marques do Shopping News, de São Paulo, e acompanhada no Rio em termos genéricos por Adirson de Barros, colunista de Última Hora e assessor do ministro Simonsen.
Cláudio Marques, no entanto, não parou. Na edição do último domingo o semanário publicava novo material do colunista, escrito na sexta-feira – portanto antes da prisão de Herzog – onde tentava fazer humor sobre o conforto dos novos hóspedes do Tutóia-Hilton (Tutóia é a rua onde está instalado o DOI, do II Exército). Tudo indica que Marques já sabia da prisão de Herzog. Sua gozação, além da violência, denota um informante ineficiente que se identifica e se revela. Se não é o caso do Sindicato dos Jornalistas agir é, pelo menos, caso dos canais competentes dispensarem os serviços de auxiliar tão despreparado.