Eu não preciso ser negro para ser contra o racismo, nem gay para ser contrário à homofobia, muito menos católico para acreditar em Deus. É neste caminho que eu acredito que deva ser debatida a legalização das drogas no país, sem preconceitos. Como sabiamente disse o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, não será um dia depois da legalização que cada brasileiro optará por ser usuário.
Quando falamos sobre isso, tocamos em uma das esferas de rotatividade do sistema, muito bem ilustrada pelo grupo paulistano IRA! na música ‘É assim que me querem’. ‘E me vendem essa droga/ E me proíbem essa droga/ Para os desavisados poderem pensar que o governo combate/ Invadindo a favela/ Empunhando fuzis/ Juntando dinheiro corrupto para a platina no nariz’, cantava o ex-IRA! Nasi na música composta pelo guitarrista Edgar Scandurra.
A droga é uma realidade que já não é possível ocultar, como tentam fazer com a fome através de dados. A legalização seria um avanço, maior ainda que o advento da televisão digital, para o que se acredita ser um passo para no futuro poder assistir Ana Maria Braga em alta definição.
A proibição nunca será saída, como ficou explícito em 1919 nos Estados Unidos, quando uma emenda à Constituição proibiu o varejo, transporte, fabricação e importação ou exportação de bebidas alcoólicas. A medida serviu apenas para fomentar o contrabando e a fabricação clandestina de bebidas em locais inapropriados de produção.
E a hipocrisia?
Não podemos ser piegas a ponto de acreditar que drogas e bebidas são coisas distintas. Claro que cada um possui sua peculiaridade, mas a proibição de ambos gera os mesmos problemas que, neste sentido, devem ser combatidos da mesma forma: a prevenção.
Enquanto o álcool mata bancado pelo Código Penal, como cantavam os cariocas do Planet Hemp, falo sobre isso com o intuito de que as drogas legalizadas sejam tratadas como questão de saúde pública. E que, em contrapartida, combata um dos mercados mais lucrativos do Brasil, o tráfico, que se alimenta da proibição, assim como os contrabandistas de bebidas do século passado se alimentavam daquele veto.
Mas por que não legalizar? Legalizada, quem já é usuário teria a oportunidade de participar de grupos de apoio e acesso a políticas públicas. Além de ajudar a medicina, sobre todos os aspectos que a ilicitude veta, como, por exemplo, a maconha e seu uso terapêutico. Legalizada, a produção da droga por profissionais capacitados eliminaria também ingredientes, hoje utilizados, que causam diversos danos à saúde.
Se for para proibir algo que está ao lado do ser humano desde seus primórdios, que se proíba também a hipocrisia.
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Neurologista ignorante e blogueiro