Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Globo

POLÊMICA
Deonísio da Silva

Os novos escritores não lêem nada?, 25/10

‘Ao longo de minha vida literária, vinha sendo incondicionalmente um insistente defensor dos novos escritores. Eles já tinham tantas dificuldades, enfrentavam a censura, o descaso, a omissão, a falta de leitores e eu então achava que o mínimo que poderia fazer era ser solidário com eles, ler seus livros, comentá-los onde eu podia, levar os autores para conversar com alunos etc. Paguei caro por alguns desses meus gestos, incluindo perder o emprego numa escola pública do Brasil meridional por ter indicado Rubem Fonseca para alunos do ensino médio. Sim, leitores, na década de 1970 Rubem Fonseca era um novo autor! Tinha sido revelado pela pequena GRD, de Gumercindo Rocha Dórea.

O que aqui afirmo está confirmado em entrevistas, artigos e principalmente nos livros de ensaios que publiquei. Quando eu defendia os novos escritores, alguns, mais radicais, defendiam os ‘novíssimos’. Eu não os chamei e não os chamo ‘novíssimos’ porque minha formação em seminário católico sempre designou ‘novíssimos’ as quatro últimas coisas que acontecem ao homem, pela ordem: Morte, Julgamento, Inferno ou Paraíso.

Agora vejo aí uma boa polêmica entre o jornalista, professor e escritor Felipe Pena, que faz críticas muito adversas ao que chama ‘os novos’ que despontam na literatura brasileira, e a ficcionista, poeta e tradutora Adriana Lisboa, dois intelectuais que fazem por merecer os meus respeitos e reconhecimentos por tudo o que já fizeram. Sendo ambos muito jovens, haverão de fazer coisas ainda melhores, pois a literatura, com as óbvias exceções que confirmam a norma, floresce melhor no outono de nossas existências.

Certos setores de nossa mídia têm um vezo autoritário. Tratam algumas personalidades, autores e livros como se todos merecessem indulgências plenárias, e para quem discordar de tais juízos haverá sempre uma danação eterna à mão, o estoque é grande e já são muitos os que cumprem silêncios obsequiosos em seus tugúrios.

Esses silêncios ‘estratégicos’ ou ‘táticos’, impostos a dedo, desmerecem muito certos alardes. É preciso sempre se perguntar: por que calam e por que falam? Por que escolhem espaços e tempos específicos para calar e falar?

Vivemos um tempo de estranhos silêncios. Escritores de qualidade são silenciados, principalmente na mídia. Livros de referência indispensável são ignorados. Já não são noticiados sequer os lançamentos.

De repente, não mais que Vinícius de Morais, é lançada uma semente que pode dar bons frutos e nos ajudar a repensar esses ínvios caminhos.

Muitos novos estão escrevendo mal, sim, muito mal, pelo menos aqueles que estão mais expostos, mais visíveis. E incorrem em estultices porque, néscios praticantes, não querem saber sequer de ler os escritores vivos, que os antecederam no ofício, quanto mais os clássicos, os textos fundadores de nossas letras. E lograram o sucesso de se fazerem pautados porque nas bobagens que escrevem ou proferem são vítimas e cúmplices da falta de editores! É justamente nos blogues e em editoras e editoriais sem profissionais qualificados que podemos aferir o quanto eles rebaixaram a arte de escrever! Porque a internet, por exemplo, possibilita o autor sem editor, o editor é o próprio autor, e isso naturalmente confunde os papéis e avilta o trabalho intelectual.

Mas, naturalmente, há liberdade! Não há censura! Celebremos! Voltou a crítica, que não volte jamais a censura! A derrubada da censura foi uma vitória de todos, que bom que houve quem lutasse contra proibições e exclusões, porque do contrário estaria aí até hoje, embora os novos, beneficiários dessas lutas às vezes nem saibam do que houve, nem sequer conheçam os nomes e tumbas dos que lutaram para que eles pudessem escrever o que queiram, como queiram.

Não é requerer muito que nos concedam a graça de pelo menos dizer que eles têm as oportunidades que seus antecessores jamais tiveram. Que possamos ao menos criticá-los e reiterar: quem quer escrever sem ler, vai pagar alto preço pelo que ignorar.

*DEONÍSIO DA SILVA é escritor, autor de ‘Goethe e Barrabás’ (Novo Século), entre outros.’

 

 

 

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