Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A bebedeira forçada na live dos artistas e a atuação do Conar

(Foto: Divulgação)

Em tempos de quarentena, o mundo milionário de shows e do entretenimento também precisou buscar alternativas. Afinal, com o isolamento social recomendado pelo OMS (Organização Mundial de Saúde), os eventos desses segmentos “fecharam as cortinas dos palcos” e, provavelmente, serão os últimos a retornar. A solução encontrada foi nas telas e algoritmos da internet, nas comentadas lives que mostram artistas fazendo os espetáculos direto de suas casas. E a receita deu certo. Milhões de visualizações, repercussões nos portais de notícias, momentos de nostalgia, memes e diversão. Claro que devemos destacar a solidariedade, algo a ser elogiado e visto como grande fator positivo das apresentações.

A ideia é ótima. Proporciona entretenimento e divulga os cantores. Só que outro fator chamou muita atenção: a grande quantidade de álcool consumida por algumas estrelas. Não, não quero bancar o “politicamente correto”, porque não é anormal e muito menos crime beber cerveja. Mas vale a pergunta: será que é tão necessário romantizar ou forçar o consumo de bebidas alcoólicas de forma excessiva no momento da live, em pleno período de instabilidade social no mundo todo?

Admito que é engraçado ver memes dos “shows virtuais”. Porém, é interessante questionar até quando a bebedeira forçada terá graça e se isso está romantizando o uso sem moderação de bebidas com álcool em época de nervosismo das famílias que podem ter problemas ao usar esses produtos como forma de aliviar a pressão, perdendo, assim, o equilíbrio ao enfrentar as adversidades. Sem contar que muitos indivíduos sofrem com familiares e amigos devido ao consumo descontrolado de etílicos.

A espontaneidade e o divertimento são importantes, na atual conjuntura. Nem acho errado eles consumirem bebidas na live, desde que incentivem a moderação. O que espanta é a maneira como os goles são ingeridos, causando alteração muito visível no comportamento, banalizando a bebedeira descontrolada. É crucial chegar a esse nível de alteração? Será que nos shows normais, com público, chegariam nesse estado? Acredito que não. Então, qual o motivo de, no ambiente virtual, virarem tantas garrafas? Uma hora essas loucuras vão perder a graça, já que as estrelas ficarão reféns dos memes, números e engajamentos, tirando, assim, a autenticidade das atrações. Por mais que, às vezes, pareça engraçado, não é legal pessoas públicas de enorme alcance e visibilidade se comportarem como se estivessem em festinhas da vida privada. Cantores atraem fãs, influenciam cidadãos e, em maior ou menor grau, carregam o peso de certa responsabilidade social. É fundamental o consumo de bebidas de um jeito mais moderado por parte dos músicos. O internauta que curte a música não vai deixar de acompanhar a live só porque o artista não está bebendo descontroladamente – ou seja, é totalmente viável “tomar umas” sem querer aparecer mais do que o necessário.

A romantização do consumo exagerado de bebidas alcoólicas é um tabu pouco discutido, porque tira muita gente da zona de conforto, principalmente adolescentes. Só que são inegáveis os efeitos devastadores que os excessos causam na sociedade.

É hora de colocar o tema mais em pauta.

Outras perguntas

Essas lives estão contando com grandes produções. Desse jeito, será que realmente cumprem a recomendação de isolamento? É possível fazer algo menos produzido, num formato mais simples, aumentando as possibilidades de distanciamento? E os patrocinadores? Provavelmente estão pagando pra aparecer mesmo nessa chuva de incertezas na economia. Conseguirão pagar funcionários que fazem parte da empresa? Ou vão fazer cortes alegando falta de grana, enquanto gastam com publicidade em shows de milionários?

A atuação do Conar

Uma das apresentações que causou polêmica foi a do cantor Gusttavo Lima. O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) abriu, na manhã de 14 de abril, uma representação ética contra as ações publicitárias de responsabilidade da Ambev e do artista de sertanejo universitário. Em seu site, o Conar divulgou que “a representação foi aberta a partir de denúncias de dezenas de consumidores, que consideraram que as ações publicitárias carecem de cuidados recomendados pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária para a publicidade de bebidas alcoólicas”. A denúncia também cita a “falta de mecanismo de restrição de acesso ao conteúdo das lives a menores de idade e a repetida apresentação de ingestão de cerveja, em potencial estímulo ao consumo irresponsável do produto”. Ao acolher a denúncia, a direção da organização destacou o formato inovador da comunicação publicitária, mas que isso deve ser feito respeitando princípios fundamentais da comunicação comercial do segmento, divulgando bebidas alcoólicas de maneira responsável e sem fragilizar os cuidados para que isso não seja difundido para crianças e adolescentes.

***

Lucas Souza Dorta é jornalista.