Ao longo da história, políticos de extrema-direita utilizaram com grande perspicácia os principais meios de comunicação de massa disponíveis em suas épocas. Nos anos 1930 e 1940, Adolf Hitler, aconselhado pelo ministro da Propaganda Josef Goebbels, recorreu às ondas radiofônicas para difundir em larga escala o seu discurso de ódio e unificar a população em torno da Ideologia nazista. Não obstante, todos os funcionários de rádio na Alemanha foram obrigados a se filiar à Câmara de Cultura do Reich. O resultado desse projeto macabro foi o maior conflito armado de todos os tempos.
Na Itália fascista, o “Duce” Benito Mussolini controlava os meios de comunicação de massa, por onde divulgava sua doutrina e filtrava todas as informações disseminadas no país. Qualquer crítica ao governo era aniquilada mediante uso da violência e do terror.
Por sua vez, Getúlio Vargas – cuja primeira passagem pelo Catete foi marcada pelo forte caráter autoritário, flertando, inclusive, com ideias nazi-fascistas – também percebeu que o rádio poderia ser utilizado tanto para fazer propaganda de seu governo quanto para a difusão de seu projeto de forjar uma cultura nacional em detrimento das identidades regionais, até então predominantes. Para tanto, foi criado o programa A Hora do Brasil e incentivadas manifestações culturais como o chamado samba-exaltação, representado pela composição Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Assim, entrava em cena o velho mito fundacional da natureza brasileira privilegiada, já descrito na carta de Pero Vaz de Caminha, na letra do Hino Nacional e no movimento modernista.
Vargas também foi responsável por inaugurar uma prática que, até os dias de hoje, é bastante corriqueira na vida institucional brasileira: distribuir concessões radiofônicas em troca de apoio político.
Na segunda metade do século XX, paulatinamente a televisão substituiu o rádio como meio de comunicação mais popular. Portanto, a imagem passou a ser mais importante do que a capacidade discursiva. Nesse sentido, a recém-criada Rede Globo se transformou em uma espécie de canal oficial da ditadura militar. Na tela da emissora da família Marinho, eram exibidos diariamente os “feitos” dos governos militares que (supostamente) elevariam o Brasil ao status de grande potência. Por outro lado, as atrocidades cometidas durante os mandatos dos generais presidentes eram estrategicamente ocultadas nos principais telejornais da Rede Globo. Uma frase atribuída a Emílio Garrastazu Médici é emblemática para ilustrar essa questão: “Sinto-me feliz todas as noites quando assisto TV porque no noticiário da Globo o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz. É como tomar um calmante após um dia de trabalho”.
Na vizinha Argentina, a ditadura militar usou a publicidade televisiva para tentar convencer a população a comprar produtos importados, sob o argumento de que seriam melhores do que os seus similares nacionais. Contradições de regimes que se consideravam nacionalistas, porém eram completamente submissos aos ditames do capital estrangeiro.
Já na última década, a rede mundial de computadores configurou-se como o principal meio de comunicação da extrema-direita. Durante a eleição presidencial estadunidense, o republicano Donald Trump utilizou sistematicamente o Twitter para denunciar determinadas coberturas midiáticas que ele considerava serem tendenciosamente produzidas para difamar a sua imagem. Desse modo, as notícias negativas sobre a sua pessoa em jornais impressos, revistas e emissoras de televisão eram rotuladas por Donald Trump como fake news.
No entanto, apesar de criticar as manipulações midiáticas, o próprio Trump, enquanto aspirante a presidente e, posteriormente, já eleito, utilizou suas redes sociais para divulgar informações inverídicas. Durante a campanha de 2016, uma pesquisa da empresa de mídia de notícias BuzzFeed detectou que 78% das declarações factuais do candidato democrata eram falsas.
Segundo um relatório publicado no The Washington Post, em pouco mais de oitocentos dias como presidente, Trump acumulava mais de dez mil declarações “falsas ou enganosas”. Assim, a extrema-direita não precisa mais recorrer aos grandes barões midiáticos para se dirigir ao grande público e divulgar as suas próprias verdades.
No Brasil, o nome da extrema-direita que mais soube tirar proveito do potencial político da internet foi, sem sombra de dúvidas, o atual presidente, Jair Bolsonaro. Há alguns anos, o então deputado federal pelo Rio de Janeiro percebeu que, diferentemente da mídia tradicional, onde era somente motivo de chacota em programas popularescos, as redes sociais ofereciam um terreno fértil para defender suas ideias misóginas, racistas e homofóbicas, angariando assim todos os obscurantismos que saíram do armário após as jornadas de junho de 2013.
Com essa estratégia combativa, Bolsonaro foi o nome que melhor canalizou para si o ódio ao PT incentivado pelas elites e pela mídia hegemônica. O parlamentar do baixo clero daria lugar ao “mito”, credenciado a disputar a eleição presidencial de 2018.
Estrategicamente ausente dos debates televisivos entre presidenciáveis, Bolsonaro teve nas redes sociais seu principal veículo de campanha, onde seus fiéis militantes se encarregaram de replicar várias fake news contra o adversário do segundo turno, o petista Fernando Haddad. Desde então, o tempo de exposição no horário político na TV deixou de ser um fator importante na corrida presidencial.
Atualmente, criticado na mídia por suas posturas irresponsáveis frente à pandemia do coronavírus, desgastado pela demissão de Mandetta e cada vez mais impopular, resta a Bolsonaro manter sua base ativa no espaço virtual (tanto os humanos quanto os robôs). Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP), divulgado pelo jornal Valor Econômico, demonstrou que, nos dias anteriores às últimas manifestações de rua favoráveis ao governo federal, robôs foram responsáveis por 55% das publicações positivas em relação a Jair Bolsonaro no Twitter.
Após monitorar grupos bolsonaristas no WhatsApp e no Facebook, uma equipe do portal UOL constatou que, a cada ação de Bolsonaro contra o isolamento para conter a pandemia de covid-19, milícias digitais compartilhavam fake news científicas, teorias conspiratórias e posicionamentos negacionistas sobre o coronavírus com o objetivo de corroborar as falas do presidente.
“Ganharam bastante espaço nas redes bolsonaristas aquelas [teorias conspiratórias] sobre o ‘vírus chinês’ criado para o país oriental desestabilizar o mandatário brasileiro e, assim, conseguir ‘comprar o Brasil todo a preço de banana’. Revela-se ainda que os governadores brasileiros querem quebrar a economia para ganhar as eleições de 2022 contra o presidente. Até a ‘farsa italiana’ – onde as quase mil mortes por dia não passam de uma mentira da imprensa – e teorias de que a culpa é do PT encontram eco no ambiente virtual entre os apoiadores do presidente. […] Nos grupos monitorados, ao contrário da imprensa em geral e da opinião de médicos, cientistas, OMS (Organização Mundial de Saúde), os principais líderes mundiais e até o Twitter, só Bolsonaro está certo. Sempre que o presidente faz alguma declaração sobre a pandemia, horas depois aparecem nos grupos monitorados notícias falsas, memes e mensagens de apoio”, conclui a equipe do UOL.
Evidentemente, seria equivocado reduzir a ascensão da extrema-direita ao uso dos diferentes meios de comunicação, à revelia de contextos econômicos, políticos e sociais. Conforme experiências pretéritas nos mostraram, cenários de instabilidade social e ausência de perspectivas para o futuro abrem perigosas brechas para soluções autoritárias. No entanto, é difícil analisar o nazismo sem a propaganda ideológica de massa, a ditadura militar sem o conluio da Rede Globo e o êxito do bolsonarismo sem as redes sociais. Portanto, podemos afirmar, sem exagero, que, independentemente da época, os veículos midiáticos são importantes atores e instrumentos políticos; tanto no aspecto positivo, ao permitir que determinados setores populares se mobilizem, quanto no sentido negativo, ao ecoar as características mais obscuras da mente humana, como nos casos abordados neste artigo.
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Francisco Fernandes Ladeira é mestre em Geografia pela UFSJ. Autor dos livros A influência dos discursos geopolíticos da mídia no ensino de Geografia: práticas pedagógicas e imaginários discentes (parceria com Vicente de Paula Leão) e 10 anos de Observatório da Imprensa: a segunda década do século XXI sob o ponto de vista de um crítico midiático, ambos pela editora CRV.