Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Confecom pode provocar novo código de ética

É grande a expectativa em torno da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), a ser realizada no início de dezembro, em Brasília. Em diversos estados e cidades estratégicas, setores da sociedade se organizam para promover suas etapas regionais, não apenas para eleger delegados, mas também para formular teses e preparar defesas de aspectos capitais para a comunicação no país. Convocado pelo governo federal, mas reivindicado sobretudo pelos movimentos sociais, o evento pretende ser o mais decisivo historicamente no debate de assuntos que não mais são considerados apenas de interesse restrito de algumas categorias profissionais. Isto é, o espírito que permeia a Confecom é de que comunicação é um direito social, extensivo a todos os cidadãos.


Não é à toa, por exemplo, que temas como distribuição de concessões de radiodifusão, inclusão digital, qualidade de conteúdo veiculado, entre outros, sejam tratados não apenas pelo viés técnico, mas prioritariamente pela sua condição de política de comunicação. Entre as muitas teses já em circulação, chamou-me atenção uma liderada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), em que advoga a criação de um Código de Ética conjunto da área de comunicações, englobando todos os setores empresariais e profissionais da área da comunicação, proporcionando orientações à sociedade civil para a compreensão, julgamento e fiscalização de questões atinentes às comunicações.


É claro que a ideia não é nova e já foi defendido por muita gente do campo das comunicações. Gente que argumentava que era necessário criar um código da informação, mais amplo e genérico, de maneira a estabelecer a comunicação como direito e seu entorno como legado a todas as pessoas.


Orientações básicas


Nas esferas do jornalismo, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) começou a defender a existência de um código que não se restrinja a normatizar a conduta de profissionais nem fixe limites às empresas, mas que a atividade em si seja minimamente regrada, como se demarcássemos cânones. Mesmo após um longo, exaustivo e legitimador processo de rediscussão do Código de Ética do Jornalista, a Fenaj recebeu críticas pela sua quarta versão do documento, finalizado em 2007. De que adianta apontar regras de conduta que nem sempre podem ser seguidas porque o profissional não é tão livre para optar por elas?, questionou-se. Como é colocado no Código a tal cláusula de consciência se o jornalista não tem margem de ação concreta para deixar de cobrir assuntos que contrariem suas convicções?, perguntou mais alguém. Por fim, uma indagação-síntese: como um código como este pode ser implementado se não foi negociado com os patrões e com os proprietários de meios de comunicação?


As perguntas são incômodas, mas não podem mesmo ser ignoradas. Ainda mais por uma entidade que reúne perto de 60 mil profissionais, que são estratégicos no tecido democrático nacional. As questões não podem ser atiradas de lado por uma entidade que pretende legitimar seu campo e definir orientações básicas de conduta profissional.


Talvez por isso e por outros motivos a Fenaj tenha formulado uma tese para a Confecom pela elaboração de um novo código de ética para o jornalismo brasileiro [ver abaixo].


Assunto em pauta


Que a Conferência Nacional de Comunicação Social aprove a criação de um Código de Ética do Jornalismo Brasileiro como um dos mecanismos de controle público e social visando garantir a qualidade da informação veiculada pelos veículos de comunicação, sejam impressos, audiovisual e demais mídias, tendo em vista a democratização da comunicação social no Brasil.


A ideia é aprimorar o que já existe, mas acima de tudo, trazer para o campo do debate atores que não estão alheios a ele. Esses atores – sobretudo o governo e as empresas – têm lá seus posicionamentos quando o assunto tangencia os valores que sustentam o jornalismo. Basta apenas que sentem todos os interessados à mesma mesa e negociem limites éticos para uma atividade cada vez mais influente, poderosa, onipresente na vida do cidadão comum.


Isto é, a tese do FNDC é um bom ingrediente para o complexo cardápio a ser servido e digerido na Confecom, mas deve-se atentar para os limites de qualquer resultado que se colha com isso. Não basta a um código de ética que esteja bem redigido, que esteja sustentado por boas intenções, que contemple as reivindicações dos setores envolvidos. Tudo isso é importante, mas devem ser criados instrumentos para efetivá-lo, fazê-lo funcionar. Sem comissões de acompanhamento e apoio, qualquer ótimo código torna-se letra morta, carta de princípios apoiada no vazio. E para além de sua real implementação, um código de ética é tão somente uma peça numa engrenagem de mudança social e cultural maior: a de fazer do jornalismo uma atividade dirigida por valores que o caracterizem como uma prática social, orientada pelo interesse público e pela responsabilidade.


A Confecom não vai promover essa mudança toda, mas pode ajudar a colocar o assunto na mesa…


***


A Tese 8, da Fenaj, sobre um novo código de ética para o jornalismo


Criação de Código de Ética para o Jornalismo Brasileiro, como um dos instrumentos da sociedade brasileira, visando garantir a produção da notícia como um bem público e uma ferramenta que contribua para a democratização da comunicação em nosso país.


1. Às vezes ele se chama código de ética, de honra ou de conduta ou ainda carta dos jornalistas, regras de boa conduta ou declaração de princípios. Mas segundo o jornalista e professor Francisco Karam a preocupação com a questão ética no jornalismo surge com a complexidade social e a complexidade crescente da mediação que os meios de comunicação exercem sobre a realidade. E, resgatando a preocupação com a ética no jornalismo podemos entender sua importância para os profissionais e sua força para a sociedade.


2. Um marco histórico apontado por diversos especialistas ocorreu no ano de 1893, em Chicago, quando houve um congresso de imprensa , onde jornalistas de diversas partes do mundo, discutiram entre outros temas a imprensa e a moral pública. De lá pra cá, centenas de reuniões, conferências, encontros resoluções com caráter internacional foram realizados para deliberar e aprofundar discussões sobre a liberdade de imprensa e da ética profissional. Mas foi no começo do século XX que os códigos de ética se multiplicaram, como uma das respostas do movimento que denunciava os abusos do capitalismo, notadamente da imprensa. A partir de 1896, os jornalistas poloneses da Galícia (austríacos) adotaram uma lista de deveres e um tribunal de honra (estabeleceram uma espécie de compromisso moral com sua atividade). Em 1900, na Suécia, apareceram as primeiras discussões sobre um código formal para os jornalistas. Mas segundo alguns autores, o primeiro código foi criado na França, em 1918: o Código de Ética do Sindicato dos Jornalistas Franceses, reformulado em 1938. Outros indicam que o primeiro código de ética jornalística foi criado no estado do Kansas, em 1910.


3. No Brasil, desde 1918, quando a Associação Brasileira de Imprensa promoveu, no Rio de Janeiro, então capital da República, o seu 1º Congresso Nacional de Jornalistas, o tema ‘Código de Ética’ é prioridade nas discussões sobre o exercício da atividade profissional do jornalismo, no Brasil. Poucos anos depois, em 1926, Barbosa Lima Sobrinho, na época um jovem libertário e um guerreiro do jornalismo do início do século, propôs a criação de um ‘Tribunal de Imprensa’, já pensando em buscar meios de se punirem os abusos da liberdade de manifestação, cometidos pela imprensa brasileira, mais especificamente a instalada no Rio e em São Paulo. De lá para cá, como registra a jornalista e pesquisadora Adísia Sá, em seu livro ‘O jornalista brasileiro’, edição de 1999, várias tentativas de se adotarem normas éticas para reger o jornalismo brasileiro foram adotadas, principalmente por iniciativa dos sindicatos e da Federação Nacional dos Jornalistas. O primeiro Código de Ética dos Jornalistas foi aprovado no Congresso Nacional de Jornalistas, promovido pela FENAJ, em Salvador [BA], no ano de 1949. Nele foram estabelecidos os deveres fundamentais do jornalismo; das empresas jornalísticas e dos jornalistas profissionais. O segundo Código de Ética dos Jornalistas foi aprovado pelos jornalistas no XII Congresso Nacional dos Jornalistas (FENAJ – Porto Alegre [RS] 1968). O terceiro Código de Ética dos Jornalistas, aprovado em 1985, foi elaborado por uma comissão, que reuniu colaborações de entidades e profissionais do país inteiro, sob a coordenação e com o texto final do jornalista mineiro Dídimo Miranda de Paiva. Aprovado no Rio, o Código provocou a criação, no ano seguinte, em Congresso Nacional dos Jornalistas realizado em São Paulo, da Comissão Nacional de Ética da Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas.


4. Nesses quase 70 anos de vigência, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros foi modernizado, Comissões de Ética foram criadas pelos sindicatos da categoria e, em 2008 e 2009, entraram em vigor os regimentos internos da Comissão Nacional e das Comissões de Ética dos sindicatos, criando rito padronizado para a análise e julgamento dos desvios éticos cometidos por jornalistas. Também está regulamentado o procedimento a ser adotado quando qualquer cidadão ou instituição apresenta denúncia contra um jornalista, no exercício de sua profissão, e pede a aplicação do Código como pena para o desvio cometido.


5. Apesar desses quase 100 anos de luta por um jornalismo ético, dois preceitos constitucionais e éticos ainda não são democraticamente aceitos no dia-a-dia do jornalismo brasileiro: a garantia do direito de resposta ao ofendido por matéria jornalística e o trato, como delito contra a sociedade, da obstrução direta ou indireta à livre divulgação de informação, bem como a aplicação de censura ou autocensura sobre a publicação de informação de interesse social e coletivo.


6. Ressalte-se, também, que esse Código de Ética só alcança os jornalistas profissionais, portanto os empregados de empresas jornalísticas, ou a elas equiparadas. Desde quando a ABI iniciou a sua luta, no início do século passado, até agora, não houve um esforço de articulação conjunto, com as empresas jornalísticas, proprietárias de jornais, revistas, emissoras de TV e de rádios que não se motivaram a apoiar esse movimento. Consequentemente, não temos, ainda, no país, um código de ética para o jornalismo brasileiro, com o que perdemos todos – nação, cidadãos, poderes constituídos e a sociedade organizada. É preciso criar meios para submeter jornalistas, empresários ou prepostos que cometem desvios éticos a normas previamente estabelecidas que devessem prever os limites do uso da liberdade de imprensa. O objetivo não é o de censurar ou proibir a divulgação de fatos e atos de interesse público ou ferir a livre manifestação do pensamento e da opinião, mas, sim, garantir o respeito aos princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, respeitar a privacidade do cidadão, valorizar a honra e cumprir o compromisso fundamental do jornalismo com a verdade dos fatos.


7. No âmbito internacional, a preocupação cresce junto com a globalização da informação. Muitas regras se aplicam a jornalistas e empresários. Há países, como a Suécia, onde as duas categorias assinam o Código. A atenção dada à deontologia pelos patrões de imprensa varia segundo os países: muito fraca nos EUA e forte nos países nórdicos. O primeiro código internacional foi da Associação Interamericana de Imprensa (1926). Depois, em 1939, a Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) estabeleceu seu Código de Honra. Mas foi após a Segunda Guerra Mundial que a preocupação com a ética proliferou. Outro momento de interesse pela deontologia foi à virada dos anos 70 e, mais recentemente, após a Guerra do Golfo, em 1991.


8. No Brasil, nos últimos anos, empresas jornalísticas vêm, individualmente, adotando códigos de ética jornalística, impondo-os a seus jornalistas empregados, na maioria das vezes sem ouvi-los ou aceitarem sugestões ou modificações, por parte de seus profissionais. E, quase sempre, esses códigos são mais deontológicos, representando intenções e princípios. E, ao final, o juiz único do julgamento do comportamento ético do jornalista é o seu próprio patrão, o dono da empresa – não se garantindo democrática e livre apuração dos fatos nem o direito de defesa ao acusado, sob o argumento de que seria um desvio funcional, trabalhista.


9. Necessário é destacar-se, aqui, que o deslize ético praticado por jornalista – seja o empregado, o empresário ou seu preposto, identificado, ou não, nominalmente – é um delito contra a sociedade. Portanto, a ela cabe se manifestar.


10. Torna-se indispensável, portanto, que o jornalismo defenda os interesses da sociedade organizada, respeite os direitos de cidadania, para que a liberdade de imprensa não ultrapasse os limites constitucionais e se transforme em abuso desse direito, que garanta o livre exercício do jornalismo no país e que contribua para se consolidar, entre nós, que o jornalismo é uma atividade de utilidade pública voltada para a prestação de serviço à comunidade, portanto deve defendê-la, dar-lhe voz e respeitar a sua opinião majoritária.


11. Nas normas a serem definidas deverão estar previstos os princípios éticos, os compromissos do jornalista e dos proprietários e dirigentes das empresas jornalísticas para com a ética no exercício profissional, os direitos inalienáveis do cidadão, a garantia bem clara e explícita do direito de resposta do acusado por matéria jornalística divulgada, a definição do que é abuso do direito à liberdade de imprensa e, principalmente, as penalidades a serem impostas por quando as denúncias de transgressões forem devidamente apuradas e comprovadas, preservadas ampla defesa ao acusado.


12. Adotado, certamente o Código de Ética do Jornalismo Brasileiro será um norteador ético do exercício da atividade profissional e empresarial do setor, e garantirá o pleno exercício livre e democrático do jornalismo no país. Estabelecerá regras e limites bem claros para que não se desrespeitem os direitos do cidadão brasileiro, de nossas instituições e o mais prejudicado direito democrático de resposta para o ofendido por matéria jornalística, historicamente deixado ao relento no Brasil. Entre nós, a imprensa e o jornalismo já alcançaram, em algumas metrópoles, padrão de qualidade semelhante aos mais desenvolvidos países do mundo mas, no campo da ética e do direito de resposta, continuamos como em séculos atrás.