O Plano Nacional de Banda Larga criou uma guerra nos bastidores do governo e das teles pelo controle do serviço de acesso à internet e do mercado de comunicação. De um lado, as teles privadas atuam para manter a posição atual de fornecedor privilegiado da infraestrutura que permite o acesso à rede e, com isso, seguir dominando o setor. Do outro, Casa Civil e Planejamento defendem a criação de uma rede pública de fibras óticas, administrada por uma estatal, que permita a entrada no mercado de pequenos e médios provedores de acesso pelo país.
Nas palavras de um assessor presidencial, o que está em jogo é se as teles vão continuar praticamente monopolizando o setor no país ou se haverá um modelo concorrencial que garanta a ampliação da oferta e a redução nos atuais preços.
Subsídios
Em reação, as empresas de telecomunicação classificam a proposta do Planejamento de abandono do modelo de privatização do setor e a consideram cara. Defendem duas alternativas: para a população pobre dos grandes centros, subsídio e redução tributária (nos moldes do que é feito hoje para a tarifa social de energia elétrica). Para áreas remotas, onde a baixa renda se combina com dificuldades de instalação da infraestrutura, seria necessário uma mistura de subsídio, desoneração e parceria com o governo para o uso da rede de fibras óticas das estatais.
O presidente Lula deu prazo até o final da segunda semana de novembro para que o Plano Nacional de Banda Larga seja apresentado. Ele tem pressa. Deseja vender a universalização do acesso à internet como uma das obras de seu governo, que em 2010 tentará eleger a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) como sua sucessora.
Depois que foi divulgada a ideia de uma nova estrutura estatal no setor pelo Planejamento, com o apoio de assessores da Casa Civil, as teles passaram a acenar com a possibilidade de criar um serviço barato de internet, que poderia custar R$ 30 ou até mesmo R$ 9,90 caso o governo conceda isenções tributárias ao setor e subsídios. Assim, esperam obter o apoio de Lula para manter o modelo atual, no qual as teles detêm toda a rede de distribuição.
Essa, por sinal, é a principal queixa do Planejamento e da Casa Civil. Como as teles dominam a rede de cabos, elas conseguem controlar o serviço de banda larga, considerado o futuro do setor de comunicação no país. A telefonia fixa, área nobre na época da privatização, em 1998, perde cada vez mais importância.
Pela legislação atual, as teles são obrigadas a compartilhar essa rede com outras empresas. Mas o preço desse serviço é considerado, hoje, praticamente impraticável [sic] para que empresários de médio e pequeno portes operem.
Os técnicos da Casa Civil e do Planejamento argumentam que sua proposta não prevê que o setor público concorra na ponta do serviço. A ideia, destacam, é criar uma rede pública conectando todo o país, deixando o serviço nos municípios com o setor privado.
Pequenos e médios provedores usariam a rede pública para oferecer banda larga à população, principalmente por meio de tecnologia sem fio. As sedes dos municípios, por sua vez, seriam ligadas à grande rede pública de fibras óticas por meio de enlaces de rádio. As fibras óticas já existem e estão instaladas nas linhas de transmissão da Eletrobrás.
Telebrás
Pela proposta do governo, seria ressuscitada a Telebrás para administrar essa rede pública de cabos de fibras óticas, que já existe e tem 12 mil quilômetros instalados nas linhas de transmissão do sistema Eletrobrás.
Para isso, seria necessário, numa primeira etapa, R$ 1,3 bilhão, atingindo aproximadamente 3.700 dos 5.561 municípios brasileiros. As teles dizem que o custo ultrapassaria R$ 4 bilhões para atender aos municípios que, segundo elas, já serão atendidos pelo sistema privado até o fim de 2010.
A proposta de universalização da banda larga no país esbarra num imbróglio jurídico e na demora na adesão das teles. A rede pública que seria usada é da empresa Eletronet, em processo de falência. Como a solução jurídica ainda se arrasta, o governo não pode usá-la.
Caso o presidente aprove a ideia da nova estatal, os técnicos da Casa Civil e do Planejamento pretendem usar parte dessa rede que não está concedida à Eletronet e também outros cabos, da Petrobras.
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Disputa deve ser tema da eleição de 2010
Fábio Zanini
A universalização da banda larga deve ser tema da campanha eleitoral do ano que vem e no Congresso Nacional já ganhou ares de disputa política.
O governo federal e o PT deverão responder ao presidenciável tucano José Serra (SP), que lançou seu próprio programa em São Paulo.
Além do plano nacional de banda larga do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, previsto para o final do ano, um projeto de lei entrou na pauta da Câmara no início do mês por pressão do PT.
Seu autor é o líder do partido no Senado, Aloizio Mercadante (SP). Já aprovado pelos senadores, prevê que todas as escolas públicas do país tenham acesso à banda larga no prazo de cinco anos.
‘O governo federal tem a banda larga como prioridade pelo salto histórico que isso representaria na educação do país’, diz Mercadante.
A fonte de financiamento seria o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), arrecadado a partir de uma parcela do valor cobrado na conta telefônica.
Formalmente, o Fust é destinado a prover serviços de telecomunicações para áreas e serviços que não despertam o interesse do mercado. Na prática, há R$ 6 bilhões acumulados no caixa do governo ajudando nas metas de superavit primário. Como a lei atual só prevê o uso do Fust no desenvolvimento da telefonia fixa, a aplicação para internet requer uma mudança no marco jurídico. Esse seria o papel do projeto de Mercadante.
Segundo o senador, o governo está comprometido com a proposta de seu texto. ‘O governo não mexeria no estoque acumulado do Fust, mas se comprometeria a utilizar os novos recursos para a implantação da banda larga nas escolas’, afirma Mercadante.
Por ano, o fundo arrecada cerca de R$ 900 milhões. O projeto aguarda apenas a aprovação dos deputados para entrar em vigor.
Não há data ainda para a matéria ser votada, mas o fato de ter sido incluída na pauta da Câmara por decisão do líder petista na Casa, Cândido Vaccarezza (SP), indica que isso pode ocorrer num futuro próximo.
A meta de universalizar os serviços de banda larga no país deve também fazer parte do programa de governo para a provável campanha presidencial da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) no ano que vem.
Para a oposição, trata-se de oportunismo. ‘O governo por enquanto está apenas fazendo declarações em reação ao plano lançado em São Paulo. Espero que acordem para a importância desse assunto, porque São Paulo não pode implantar a banda larga em todo o Brasil. Isso é tarefa do governo Lula’, diz o líder do PSDB na Câmara, o deputado José Aníbal (SP).
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Telefonia fixa cai e internet puxa receita das teles
A Oi e a Telefônica perderam aproximadamente 660 mil clientes na telefonia fixa local entre o final de junho de 2008 e o final de junho deste ano, o que representa queda de 1,95% no número de clientes.
Por outro lado, no mesmo período essas empresas ganharam cerca de 1 milhão de usuários para acesso à internet em alta velocidade. Nesse serviço, o aumento na base de clientes foi de 16,93%.
Os dados ilustram o fato de que, cada vez mais, a telefonia fixa, negócio original dessas empresas, perde importância em relação a pacotes de serviço, que incluem internet em banda larga e TV paga.
Em números absolutos, no entanto, a quantidade de clientes de telefonia fixa ainda é muito maior: 33,2 milhões, ante 6,8 milhões da banda larga.
A mudança no perfil do negócio fica evidenciada nos comentários do desempenho consolidado da Telefônica, enviados à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) no final do trimestre passado. Segundo a análise, a evolução de serviços como TV por assinatura e banda larga ‘compensa parcialmente a redução de receitas tradicionais, tais como telefonia pública e serviço local’.
A telefonia fixa, na verdade, virou um item que acompanha pacotes de serviços. É o que também fica exposto nos comentários do desempenho da Telefônica. Segundo a empresa, a queda de receita na telefonia fixa local é ‘justificada pela queda das linhas em serviço e pela venda de duos e trios que oferecem tarifa plana com ligações locais ilimitadas’.
Dessa forma, a mudança de perfil ajuda a manter e até aumenta a receita das empresas. No acumulado até junho, a receita operacional líquida da Telefônica foi de R$ 7,8 bilhões, 1,8% mais do que em 2008.