A ideia foi desenvolvida há tempos. Afinal, com mais de 2 bilhões de usuários, a complexa questão da moderação do conteúdo veiculado no Facebook vem sendo feito pela própria rede social. Em 06 de maio de 2020, o Facebook anunciou a criação do chamado Oversight Board (um “Conselho Supervisor”), órgão potencialmente independente, para moderar o conteúdo nas plataformas digitais, a qual inclui, ainda, o Instagram.
Note-se que o próprio Facebook tem políticas próprias para aprovar ou não o conteúdo que circula nas redes sociais. E a sua própria política interna não dá conta de examinar diversos conteúdos mundo afora. No final de 2018, o próprio Zuckerberg afirmou que, ao se conectar tamanha população, constata-se toda a beleza e maldade da humanidade.
As manifestações de conteúdo que se encontram em zona desconhecida da política oficial da empresa não conseguem gerar respostas imediatas e eficazes. Além disso, haveria que se considerar o cumprimento da lei local em diversas jurisdições de um mundo globalizado.
O QUE É O CONSELHO SUPERVISOR DO FACEBOOK?
O Oversight Board do Facebook é uma entidade jurídica derivada de contrato (entre o Facebook e o recém criado Conselho Supervisor) para auxiliar o gerenciamento e a moderação do conteúdo veiculado nas redes sociais.
O Conselho Supervisor, conforme estatuto, mantém completa independência do Facebook quanto ao juízo de valor das manifestações levadas a sua análise. É composto de 20 membros notáveis, incluindo o jurista e especialista brasileiro Ronaldo Lemos. Propõe-se a fazer uma análise isenta, com foco nos direitos humanos, independentemente dos interesses do próprio Facebook.
Trata-se de uma autorregulação porque é o Conselho Supervisor é uma entidade que define normas e padrões para regular, conforme contrato, as atuações da contratante Facebook. Diz-se autorregulação, ainda, porque, ao final, é o próprio Facebook quem financia as atividades do Conselho Supervisor.
VANTAGENS DA AUTORREGULAÇÃO PRIVADA DO FACEBOOK
O Facebook é o maior interessado na qualidade da informação veiculada pela sua própria atividade. Em conjunto com o conhecimento específico que já possui, a rede social poderia, sem as mazelas da burocracia estatal, distinguir com melhor capacidade aquilo que lhe traz benefícios daquilo que lhe traz prejuízos. Traz à tona questões como confiabilidade, legitimidade e aceitabilidade por parte da sociedade que adquire o serviço oferecido.
A autorregulação também pressupõe, ao longo do tempo, uma melhoria contínua dos serviços prestados que, ao final, reproduzir-se-ia na credibilidade e no próprio valor de mercado da empresa. É eficiente economicamente, porque os custos são suportados pelo próprio agente econômico.
Por fim, com o aumento da confiança e satisfação de seus usuários, a rede social conseguiria otimizar a rentabilidade de sua atividade e, por conseguinte, seus resultados financeiros. A ideia original, salvo melhor juízo, deve se ater a restringir, tutelar e proteger os próprios usuários da rede social.
DESVANTAGENS DA AUTORREGULAÇÃO PRIVADA DO FACEBOOK
Ao se considerar as vantagens expostas acima, não se desfaz a ilação por meio da qual haveria um sério conflito entre os interesses financeiros do Facebook com a atividade potencialmente isenta exercida pelo Conselho Supervisor. Não se escapa da hipótese de que aquele que se autorregula poderia implementar uma vertente opressora em um macro cenário. Significa dizer: o Conselho Supervisor do Facebook poderia, em tese, direcionar ou reprimir conteúdos diversos, de acordo com os interesses de seu financiador.
Se, em tese, o Conselho Supervisor atuar de forma dependente dos interesses do Facebook, a autorregulação torna-se um meio de propaganda latu sensu, por meio da qual o fim almejado alcança o propósito de enganar repetidamente a sociedade. A situação se agrava porque, nos dias de hoje, as empresas de Zuckerberg possuem posição dominante de mercado.
Certo é que, ao contrário dos meios de comunicações tradicionais, as mídias sociais têm o poder de amplificar o conteúdo da informação em um determinado contexto.
E não se sabe se o Conselho Supervisor terminará, ao final, em fina sintonia com os algoritmos do Facebook já existentes. Já se sabe que o poder da rede social tem o condão de determinar o que é visto e comentado pela sociedade.
Há, ainda, o fato de que o conteúdo da rede social pode viralizar em menos de um dia. O prazo para análise e resposta do Conselho Supervisor é um entrave para sua eficácia, ainda que seja impossível, neste caso, endereçar a questão do tempo de solução na atuação do conselho.
O QUE ESPERAR DA AUTORREGULAÇÃO DO FACEBOOK
O Conselho Supervisor do Facebook poderá legitimar suas ações de moderação na rede social, mas jamais decidirá, de forma definitiva, o conteúdo escolhido pelos usuários. Dizer, no preâmbulo do estatuto, que “os serviços de internet têm a responsabilidade de definir padrões sobre o que é e não é aceitável compartilhar nas plataformas”, mais pareceria uma pretensão de Sísifo, embora a afirmação esteja correta.
De qualquer forma, a definição de tais padrões, conforme o próprio estatuto afirma, tem o escopo de proteger as pessoas e a liberdade de expressão. A liberdade de expressão é soberana, vedado o anonimato. Os usuários têm direito à proteção e segurança da intimidade e privacidade. Transparência se faz fundamental. Efeito, na prática, somente o tempo irá dizer.
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Leia aqui o estatuto do Oversight Board.
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Eduardo Ribeiro Toledo é Advogado com mestrado pela Universidade de Miami, escritor, poeta e crítico literário.