Professor de Columbia sugere que jornais se transformem em empresas não lucrativas, recebendo recursos até do governo.
Poucas coisas vêm causando mais polêmica entre os jornalistas dos Estados Unidos do que o relatório ‘A reconstrução do jornalismo americano’, recentemente concluído pelo professor de Jornalismo da Universidade de Columbia Michael Schudson, autor de seis livros e editor de dois sobre a história e a sociologia do setor, e pelo jornalista Leonard Downie Jr., editor-executivo do Washington Post por 17 anos [ver, neste Observatório, ‘Ajuda estatal gera polêmica na reconstrução do jornalismo norte-americano‘].
Num mundo em que muitos não se cansam de decretar o fim do jornalismo impresso e sua substituição pelo digital – ainda que poucos saibam como ganhar dinheiro com o novo formato –, Schudson e Downie sugerem transformações radicais para manter vivas a reportagem isenta e investigativa.
Afinal, dizem, a quantidade de jornalistas em redações grandes e médias nos EUA caiu de 60 mil, em 1992, para 40 mil em 2009.
O relatório sugere saídas polêmicas, ao menos nos EUA, onde o Estado é não apenas temido como vilificado. Uma é transformar as empresas jornalísticas em entidades de interesse público, não lucrativas, como ONGs, cuja taxação de impostos seria revista pelo governo. Com isso poderiam até aceitar doações de fundações, entidades filantrópicas ou mesmo dinheiro público, desde que fosse estabelecida uma fórmula para manter a isenção e imparcialidade das coberturas. Schudson explicou ao Globo os pontos mais importantes de seu relatório.
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No estudo, o senhor afirma que menos jornalistas estão cobrindo menos notícias em menos páginas. E que a hegemonia da qual o monopólio dos grandes jornais metropolitanos gozou no fim do século passado está acabando, especialmente pelo esgotamento do modelo de financiamento por meio de anunciantes. Quanto tempo as redações ainda têm?
Michael Schudson – Algumas décadas? As grandes redações de jornal americanas entraram num processo de encolhimento radical. Temos hoje menos um terço dos jornalistas e voltamos a patamares dos anos 1970. Mas há novos modelos de produção na internet, ainda que eu não ache que a rede, em si, vá sufocar totalmente os jornais impressos.
Afinal, grande parte do que é escrito em blogs e sites é a repetição ou resumo, com comentários, do que a grande imprensa produz. A maioria não tem a estrutura e os recursos necessários à prática do jornalismo isento e investigativo.
Quais são os novos modelos?
M.S. – Blogs financiados por empresas filantrópicas ou comerciais e a produção on-line de universidades e centros de pesquisa que se pautam pela isenção e objetividade. Não falo de blogs de vínculo partidário ou na defesa de interesse de grupos. Falo da produção de notícias com o mesmo zelo e técnicas de apuração isenta, pesquisa esmerada e ética que pautam, de modo geral, os grandes jornais. Tanto que muitos destes passaram a publicar artigos de blogs e sites, e viceversa.
Sem grandes escritórios, papéis, caminhões de entrega, é possível fazer um bom jornalismo investigativo, se houver o mínimo de financiamento.
Mas, no relatório, os senhores alertam para o fim progressivo do modelo de anúncios bancando jornais impressos e propõem saídas polêmicas. E o modelo de anúncios na rede também não chegou a decolar.
M.S. – É verdade, mas eu encaro a produção de notícias jornalísticas isentas como um bem público que precisa ser protegido, ainda que haja interesses comerciais por trás das empresas. Tem sido assim nos EUA por pelo menos meio século. Mas isso pode ser minimizado com transformações radicais. Uma delas é trocar a natureza das empresas jornalísticas comerciais lucrativas de hoje por um modelo não lucrativo, ou de lucro baixo, espécie de ONGs, taxadas de forma diferente pelo governo, com isenções. Com base em regras claras de conduta do ponto de vista da cobertura isenta, investigativa e ampla, poderíamos permitir que essas empresas recebessem dinheiro diretamente de instituições filantrópicas, outras empresas e até do próprio governo, que poderia bancar jornais locais, com mais foco nas necessidades da população.
O senhor tem noção do que é propor um jornalismo subsidiado pelo governo nos EUA? E o governo aceitaria ser investigado colocando dinheiro na empresa?
M.S. – É quase impossível hoje, eu sei, mas o que percebemos é que as empresas estão se movimentando. Para evitar ficar na mão de um só doador, multiplicam-se as parcerias. Uma das que emergem é com as universidades, que poderiam financiar em parte a cobertura e o debate de temas que considerem importantes, como ciência ou estudos sociais. E a investigação jornalística é um bem para a democracia e para o próprio governo. Esse trabalho dos jornais já é avalizado pela sociedade.
Praticamente todos os grupos jornalísticos americanos fundiram suas operações na internet com as tradicionais, para ganhar escala. O jornal tende a ser mais analítico e a internet, mais imediatista. É esse o caminho?
M.S. – Acho que sim, porém tanto a internet quanto o impresso têm de ser analíticos. Mas o impresso pode ser mais investigativo e substancial, levar mais tempo na produção de notícias de peso. O jornalismo não é só dar a notícia na frente. É também o furo investigativo ou novas abordagens de assuntos que estão aí, mas que as redações não têm tempo ou espaço para abordar.
E como evitar que os recursos injetados nos jornais por empresas e governo não interfiram na produção de notícias?
M.S. – Como já disse, com regras claras. Como acontece hoje, aliás, no formato dos anúncios, que são empresas e governos colocando dinheiro nos jornais. Nos EUA, vemos jornais criticando empresas que anunciam em suas páginas, e isso não faz com que elas deixem de anunciar.
Muitas empresas jornalísticas estão passando a cobrar por conteúdo na rede. O que está acontecendo?
M.S. – São novos modelos sendo testados. O que parece estar se desenhando é um modelo em que parte do conteúdo permanecerá aberto e parte passará a ser cobrado, como reportagens e análises especiais. Alguns jornais americanos já pensam em criar assinaturas especiais on-line, que dariam direito a acesso irrestrito e participação em debates de jornalistas com determinadas fontes, ou em mesas-redondas, numa espécie de clube de assinantes.
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Jornalista