Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nervos de aço

(Foto: Shutterstock)

O Brasil precisa de manual para ser lido ao contrário. Bolsonaro diz que o ex-policial Fabrício Queiroz não estava sendo perseguido. Mas estava escondido. Ninguém sabia onde. Como o Fantasma da Ópera, ele se escondia na Ópera. Num escritório que tinha placa de Escritório de Advocacia na porta. Mas era a casa do advogado dos Bolsonaro no caso das rachadinhas. Aliás, corrupção. Frederick Wassef, ocupou o cargo depois de Gustavo Botto Maia, codinome Louco de Pedra. Wassef, o Anjo, também ficou conhecido como feiticeiro ou bruxo no caso do desaparecimento de um menino em 1990 num ritual satânico. Sua participação não ficou comprovada mas permanece a lenda. Na época o inquérito envolveu busca e apreensão de Wassef na mesma casa de Atibaia onde Queiroz foi encontrado dormindo. A casa é protegida por uma Nossa Senhora, por bonecos que representam o mafioso Tony Montana do filme Scarface, e por um cartaz do AI-5.

Wassef diz que nunca atuou como advogado de Bolsonaro mas a empresa Globalweb Outsourcing de sua ex-mulher Cristina Boner Leo, recebeu R$ 41,6 milhões durante a presidência de Bolsonaro. Wassef também não sabia do paradeiro de Queiroz e não sabe como ele foi parar lá.

Um fantasma apareceu, evaporou-se outro. Ninguém sabe onde está Marcia Aguiar, cabeleireira, a mulher de Queiroz, que recebeu R$ 174 mil de origem desconhecida e pagou em espécie o hospital Einstein pela operação de seu marido. Uma foto exibe Marcia ao lado da mãe do chefe da milícia Escritório do Crime, Adriano da Nóbrega, funcionário de Flávio Bolsonaro durante 10 anos, morto por queima de arquivo quando a perseguição ao senador começou. O que Marcia buscava eram rotas.

Rotas de fuga, como aquela que serviu a Abraham Weintraub, escapulido na surdina para os Estados Unidos ainda Ministro da Educação e antes de sua exoneração no Diário Oficial. Não havia compromisso oficial e ele ainda era ministro, objeto de processos por disparos de fake news, por incitar atos anti-democráticos contra o TSE e a favor do AI-5, e por racismo contra os chineses. A fuga de Weintraub tem duas leituras. É um alívio pelas destruições que ele deixará de fazer. Mas deixou um buraco para trás. Disparatou o vernáculo, estancou o programa de alfabetização e o Fundeb de educação básica, fez pirotecnias no ensino médio, desbaratou a educação superior e anulou a portaria para cotas de pós-graduação. Tudo ao contrário. Onde todo mundo via alunos, professores e reitores, ele via comunistas. Onde todo mundo via germinar o saber e a ciência, ele via plantações de maconha.

Weintraub vai receber R$ 150 mil mensais contra os R$ 31 mil do ministério. Cinco vezes mais. E vai fazer cinco vezes mais estragos, considerando os mais de 800 tweets que disparou em 12 meses de governo, a metade com ataques ao PT, aos comunistas, à imprensa. No final, aos “vagabundos” do TSF. Ele pretende liderar a militância digital e diz eu agora está livre para falar. Weintraub caiu para cima. Vai integrar o Banco Mundial. Uma carta dirigida às embaixadas que integram o grupo do Brasil no Banco informa o despreparo do ex-ministro para o cargo. O manifesto tem 300 assinaturas como a do ex-presidente do BNDES, José Pio Borges, o ex- ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, os artistas Chico Buarque, Olivia Byington, Paulo Betti. A equipe econômica do governo teme pelos estragos que possa fazer no Banco. Ele integra a ala do governo que, como o chanceler Ernesto Araújo, veio fazer uma Revolução Cultural.

A Revolução é aquela à qual aderiu Sara Fernanda Giromini, aliás Winter como a espiã nazifascista inglesa durante a Segunda Guerra. Ex-prostituta, ex-feminista, adepta ao uso de símbolos da Klu-Klux Klan, no filme recente do streaming Lumine A Vida de Sara ela revela que recebe R$ 2 mil por cada manifestação encomendada. Nessa revolução o que ela quer mesmo é dar um soco em Alexandre de Moraes mas se contenta em jogar fogos de artifício contra o TSF. Está presa para fornecer informações para o processo das fake news e dizer de onde vem o dinheiro para arruaças que ferem a Lei de Segurança Nacional. Na última mensagem ela festejava o recebimento de R$ 10 mil.

Sara é protegida por outra militante da Revolução Cultural, a Ministra da Família, das Mulheres e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que a chama de filha. Damares também encorajou Weintraub na saída, dando parabéns pela “Luta contra o Marxismo Cultural: você foi Gigante”.

A leitura da foto de Queiroz fazendo churrasco na casa do Anjo também tem duas versões. O que ele queimava na verdade eram R$ 2,3 milhões que foram parar na sua conta. A origem eram 99% dos salários da equipe do gabinete de Flávio Bolsonaro. São assessores como Luiza Souza Paes que em 792 dias só esteve na Assembléia Legislativa do Rio três vezes. Com esse dinheiro calcula-se que o assessor pagava o plano de saúde da família de Flávio, a escola das filhas, fazia depósitos na conta da primeira dama Michelle (R$24 mil). Teria financiado a lavagem de dinheiro uma loja de chocolates num shopping. Flávio adquiriu 19 imóveis desde 2003 quando assumiu o primeiro mandato.

Ali Flávio trabalhava durante 16 anos como deputado estadual e Queiroz, além de motorista, atuava como elo entre milicianos do Rio e a família Bolsonaro de quem é amigo desde 1984. Queiroz empregou sete familiares no gabinete.

O pedido de cassação do senador Flávio (Republicanos-RJ) está parado há quatro meses. Está intimado a depor sobre o suposto vazamento da Polícia Federal que o alertou sobre as movimentações atípicas nas contas do ex-assessor. A operação Furna da Onça precipitou a demissão de Queiroz, Adriano e afins.

O cerco está se fechando. Bolsonaro está vez mais sozinho. No discurso lido ao contrário, o presidente fala em respeito à Constituição, em rever valores de democracia e, junto, em abuso do TSE e em emboscada. As ameaças afagam o que restou dos 30% de seu eleitorado, agora com quebra de sigilo bancário. O Supremo e a Procuradoria Geral da República (enfim) fecharam cerco sobre 21 pessoas, com pedido de busca e apreensão no inquérito que apura organização e patrocínio de atos antidemocráticos. Houve quebra do sigilo bancário de 11 parlamentares bolsonaristas. Pelo menos R$ 30 mil reais desses deputados foram repassados à empresa de Sérgio Lima do partido Aliança, a ser criado por Bolsonaro. O objetivo era financiar manifestos contra a democracia como as da arruaceira agora presa Sara Winter, que julgava comandar os 300 espartanos da Batalha das Termópilas – e eram só 30. O povo armado nunca vai ser escravizado”, dizia Bolsonaro. Os ministros afirmam, “Quem tem poder moderador sobre a Constituição é o TSF, não as Forças Armadas”.

Há dias não ouvimos o presidente se referir à sua fase fecal e anal. Nem Queiroz definindo o Ministério Público como uma “pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente”. Ou Patrícia Abravanel, mulher do ministro das Comunicações Fábio Faria, falar que não deixa o marido sem sexo ou ele vai procurar fora de casa. Enfim o STF e TSE se impõem contra os atentados à dignidade da Corte e da democracia, enfrenta a Revolução Cultural. “Quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante, é criminoso”. Resistem com armas legítimas ao resíduo de autoritarismo do governo.

Podemos comemorar nas lives dos dias 3 e 4 de julho a homenagem, preparada pela família, à Carmem Costa, que faria 100 anos dia 5 cantando  “Está Chegando a Hora” e “Tem Bobo Prá Tudo”. Não tem mais bobo, não. O Brasil aprendeu a ler ao contrário mas não tem nervos de aço.

Ainda falta rever detalhes. São mais de 1 milhão de infectados pelo Coronavírus, e o novo ministro da Cultura, o ex-galã de Malhação, Mario Frias, mandando gente filmar cada vez mais os hospitais “vazios”. Ordens de Bolsonaro para quem 40% das mais 50 mil mortes não foram de Corona. Haja nervos de aço.

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Norma Couri é jornalista